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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Espanha, um purê de sonhos esfacelados

Rei Juan Carlos I, agora também o primeiro rei vaiado. Foto: Agência Brasil

Vaiar um rei, como ocorreu na final do torneio nacional de basquete espanhol, neste final de semana, não é comum nos países que têm reis e rainhas. Na Espanha, nunca tinha acontecido. Agora aconteceu, numa demonstração cabal de que a desesperança alcançou seu limite máximo no país de Pablo Picasso e de Joan Miró.

por Eric Nepomuceno, em Carta Maior

Até um ou dois anos atrás, seria impensável. Mas aconteceu, no domingo 10 de fevereiro. Na final do torneio nacional de basquete espanhol, a Copa del Rey, o rei em pessoa foi vaiado. E muito vaiado. O Barcelona derrotou o Valencia por 85 a 69. Mas o jogo não será lembrado por esse resultado: será lembrado pela primeira vaia pública ao monarca que foi considerado, por décadas, uma espécie de guardião da democracia reconquistada após a morte do sinistro Francisco Franco, ‘caudillo de España por la gracia de Dios’, em 1975.

Vaiar um rei não é comum nos países que têm reis e rainhas. Questão de educação, de boa conduta. Na Espanha, nunca tinha acontecido. Agora aconteceu, e não por um súbito surto de má educação dos súditos de sua majestade real (que, aliás, gastam milhões de euros por ano para manter a família do monarca). Aconteceu numa demonstração cabal de que o desencanto e a desesperança alcançaram seu limite máximo no país de Pablo Picasso e de Joan Miró.

Há dois anos, quando explodiu em seu esplendor na Espanha o movimento dos ‘indignados’, o país tinha quatro milhões de desempregados e todos diziam que estavam vivendo uma crise tremenda. Pois bem: hoje, os desempregados superam a marca dos seis milhões. Isso quer dizer que 26% da força de trabalho do país estão desempregados. Entre os jovens com menos de 30 anos, o panorama é ainda mais desolador: 55% deles não têm esperança alguma de conseguir um emprego. Jovens recém-formados em universidades falsificam a própria condição para disputar um posto de lixeiro ou entregador de correios. Dizem ter educação secundária. É que o que restou da legislação trabalhista, dizimada pelo governo direitista do Partido Popular, ainda prevê certas regalias para quem tem curso superior – progredir na carreira, por exemplo.

A saúde pública, que já foi considerada uma das melhores da Europa, foi para o brejo. Médicos da rede pública pedem demissão e buscam emprego em outros países. Eles se negam a restringir a atenção à população, conforme determina o governo.

A educação pública está virando mingau. As famílias passaram a vender o que têm ou tinham: a quantidade de ouro, joias familiares passadas de geração a geração, que a Espanha exporta para mercadores internacionais ganhou vulto em 2012, a ponto de chamar a atenção dos especuladores do mundo. E como se tudo isso fosse pouco, pipocam, com intensidade cada vez maior, as denúncias de corrupção.

O rei Juan Carlos I foi vaiado pelo que fez e pelo que fizeram membros da família real. Seu genro Iñaki Urdangarín, por exemplo, está sendo acusado de ter desviado pelo menos oito milhões de euros de recursos públicos. O próprio rei foi pilhado numa viagem clandestina (dizem as leis que quando quiser sair do país o monarca tem que pedir autorização aos parlamentares) para caçar elefantes na África, em companhia de sua jovem amiga alemã. Pois o desastrado rei caiu, quebrou a bacia, e foi um deus-nos-acuda, já que, formalmente, ele estava em casa e não num safári ilegal. A rainha Sofia fechou a cara, os súditos espanhóis abriram sorrisos: afinal, não é todo dia que se pega um rei safado numa escapadela conjugal – e matando elefantes, justo ele, que presidia várias organizações de defesa da natureza e do reino animal.

O esfacelamento maior da Espanha, porém, se dá na descoberta de um sistema de compra de parlamentares, por grandes empreiteiras, grandes empresas e pela banca, que atinge, entre outros, o puritano galego Mariano Rajoy, primeiro-ministro e estrela até agora fulgurante do Partido Popular, de direita.

Na verdade, e pensando bem, Rajoy até que era baratinho: 25 mil euros anuais. Uns 6 mil reais por mês. Para tentar se defender e negar a lambança, ele divulgou suas declarações de renda dos últimos dez anos. Pior a emenda que o péssimo soneto: ficou claro que ele não pagava a devida contribuição da previdência social. E mais: que ganhou 30% de aumento enquanto os salários do funcionalismo público eram recortados em 25%.

Conforme crescem as denúncias contra o Partido Popular, fica mais claro que os instrumentos de fiscalização e controle da Espanha são de uma ineficácia formidável. E assim, o que agora caiu em descrédito foi a própria Justiça espanhola.

Enquanto isso, os espanhóis desassossegados se perguntam quando e como tudo aquilo que havia sido conquistado e consolidado desde o fim da ditadura franquista começou a virar purê. Considerada, por anos, como exemplo de uma transição entre ditadura cruel e democracia promissora, a Espanha de hoje é o pálido reflexo de uma imagem que se esfumou.


A invasão real da África não está nos noticiários


– Uma licença para mentir como prenda de Hollywood
por John Pilger 

Uma invasão da África de grandes proporções está em andamento. Os Estados Unidos estão a instalar tropas em 35 países africanos, a começar pela Líbia, Sudão, Argélia e Níger. Isto foi informado pela Associated Press no Dia de Natal, mas ficou omisso na maior parte dos media anglo-americanos.

A invasão pouco tem a ver com "islamismo" e, quase tudo a ver com a aquisição de recursos, nomeadamente minérios, e com um acelerar da rivalidade com a China. Ao contrário da China, os EUA e seus aliados estão preparados para utilizar um grau de violência já demonstrado no Iraque, Afeganistão, Paquistão, Iémen e Palestina. Tal como na guerra-fria, uma divisão de trabalho exige que o jornalismo ocidental e a cultura popular providenciem a cobertura de uma guerra sagrada contra um "arco ameaçador" de extremismo islâmico, não diferente da falsa "ameaça vermelha" de uma conspiração comunista mundial.

A recordar a Luta pela África no fim do século XIX, o US African Command (Africom ) construiu uma rede de pedintes entre regimes colaboracionistas africanos ansiosos por subornos e armamentos americanos. No ano passado, o Africom ensaiou a Operação Esforço Africano (Operation African Endeavor), com as forças armadas de 34 países africanos a nela tomarem parte, comandadas por militares estado-unidenses. A doutrina "soldado para soldado" do Africom insere oficiais dos EUA a todo nível de comando, desde o general até o primeiro-sargento.

É como se a orgulhosa história de libertação da África, desde Patrice Lumumba até Nelson Mandela, estivesse destinada ao esquecimento por uma nova elite colonial negra ao serviço do mestre cuja "missão histórica", advertiu Frantz Fanon há meio século, é a promoção de "um capitalismo desenfreado embora camuflado".

Um exemplo gritante é o Congo Oriental, um tesouro de minerais estratégicos, controlado por um grupo rebelde atroz conhecido como M23, o qual por sua vez é dirigido pelo Uganda e o Ruanda, os procuradores de Washington.

Planeada há muito como uma "missão" para a NATO, para não mencionar os franceses sempre zelosos, cujas causas coloniais perdidas continuam em prontidão permanente, a guerra à África tornou-se urgente em 2011 quando o mundo árabe parecia estar a libertar-se dos Mubaraks e outros clientes de Washington e da Europa. A histeria que isto provocou em capitais imperiais não pode ser exagerado. Bombardeiros da NATO foram despachados não para Tunis ou Cairo mas sim para Líbia, onde Muammar Kadafi dominava as maiores reservas petrolíferas da África. Com a cidade líbia de Sirte reduzida a escombros, as SAS britânicas dirigiram as milícias "rebeldes" para o que se revelou como um banho de sangue racista.

O povo nativo do Saara, os tuaregues, cujos combatentes berberes Kadafi havia protegido, fugiu através da Argélia para o Mali, onde os tuaregues desde a década de 1960 reivindicam um estado separado. Como destaca o sempre vigilante Patrick Cockburn, é esta disputa local, não a Al-Qaida, que o Ocidente mais teme no Noroeste da África... "por pobres que possam ser, muitas vezes os tuaregues vivem em cima de grandes reservas de petróleo, gás, urânio e outros minérios valiosos".

Quase certamente a consequência do ataque francês/estado-unidense ao Mali em 13 de Janeiro, o cerco a um complexo de gás na Argélia que acabou de forma sangrenta, inspirou em David Cameron um momento 11/Set. O antigo relações públicas da Carlton TV enfureceu-se acerca de uma "ameaça global" que exigiria "décadas" de violência ocidental. Ele queria dizer a implementação dos planos de negócios do Ocidente para a África, juntamente com a violação da Síria multi étnica e a conquista do Irão independente.

Cameron agora ordenou o envio de tropas britânicas para o Mali e enviou para lá um drone da RAF, enquanto o seu prolixo chefe militar, general sir David Richards, dirigiu "uma mensagem muito clara a jihadistas de todo o mundo: não nos provoquem e não nos embaracem. Trataremos disto de forma robusta" – exactamente o que jihadistas querem ouvir. O rastro de sangue de vítimas do terror do exército britânico, todos muçulmanos, seus "sistémicos" casos de torturas actualmente a caminho do tribunal, acrescenta ironia às palavras do general. Certa vez experimentei os meios "robustos" de sir David quando lhe perguntei se lera a descrição da corajosa feminista afegã Malalai Joya do comportamento bárbaro de ocidentais e seus clientes no seu país. "O senhor é um apologista do Taliban" foi a sua resposta (posteriormente desculpou-se).

Estes comediantes lúgubres são extraídos directamente [do escritor] Evelyn Waugh e permitem-nos sentir a estimulante aragem da história e da hipocrisia. O "terrorismo islâmico", que é a sua desculpa para o roubo continuado das riquezas da África, foi praticamente inventado por eles. Já não há qualquer desculpa para engolir a linha da BBC/CNN e não conhecer a verdade. Leiam Secret Affairs: Britain's Collusion with Radical Islam de Mark Curtis (Serpent's Tail) ou Unholy Wars: Afghanistan, America and International Terrorism, de John Cooley (Pluto Press) ou The Grand Chessboard de Zbigniew Brzezinski (HarperCollins) que foi o parteiro do nascimento do moderno terror fundamentalista. Com efeito, os mujahedin da Al-Qaida e os Talibans foram criados pela CIA, o seu equivalente paquistanês, o Inter-Services Intelligence, e o MI6 britânico.

Brzezinski, conselheiro de segurança nacional do presidente Jimmy Carter, descreve uma directiva presidencial secreta em 1979 que principiou aquilo que se tornou a actual "guerra ao terror". Durante 17 anos, os EUA deliberadamente cultivaram, financiaram, armaram e fizeram lavagem cerebral a extremistas da jihad que "saturaram de violência uma geração". Com o nome de código Operation Cyclone, este foi o "grande jogo" para deitar abaixo a União Soviética mas que deitou abaixo as Torres Gémeas.

Desde então, as notícias que pessoas inteligentes e educadas tanto distribuem como ingerem tornou-se uma espécie de jornalismo Disney, fortalecido, como sempre, pela licença de Hollywood para mentir e mentir. Está para ser lançado o filme Dreamworks sobre a WikiLeaks, uma trama inspirada por um livro de tagarelices pérfidas de dois jornalistas doGuardian que se enriqueceram, e há também o Hora negra (Zero Dark Thirty), filme que estimula a tortura e o assassínio, dirigido pela ganhadora do Oscar Kathryn Bigelow, a Leni Riefenstahl do nosso tempo, que promove a voz do seu mestre tal como fez a realizadora de estimação do Fuhrer. Este é o espelho de sentido único através do qual nós mal vislumbramos aquilo que o poder faz em nosso nome.

O original encontra-se em http://johnpilger.com/...

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Uma fé enfraquecida nos palácios das intrigas

Foto do atual palácio das intrigas, onde bispos católicos disputam o poder do Vaticano

Se a Igreja está em crise, Bento XVI sempre repetiu, é porque a fé dos homens da Igreja está em crise. Sem excluir a hierarquia.

A opinião é do jornalista e escritor italiano Vittorio Messori, publicada no jornal Corriere della Sera, 13-02-2012. 

A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Nestes tempos, acompanhar certas crônicas vaticanas nada edificantes pode ser saboroso ou entristecedor, dependendo do humor anticlerical ou clerical. Na realidade, o católico que não só conhece a história da sua Igreja, mas que também não se esqueceu das advertências do Evangelho, não deveria se perturbar mais do que isso. Isto é, essa Igreja é um campo onde o grão bom e a cizânia venenosa crescerão sempre juntos; é uma rede lançada ao mar em que peixes bons e ruins sempre vão conviver.

Palavra do próprio Jesus, que exorta a não se escandalizar com isso e a não tentar nem mesmo dividir o são do corrompido, reservando a si essa tarefa no dia do Grande Juízo. Exemplo primeiro dessa situação é, obviamente, o centro e o motor da "máquina" eclesial: a Cúria vaticana, isto é, a administração central daquela que a Tradição chama de "a Igreja militante".

Bem, quanto a essa, não foi um herege ou um comedor de padres, mas sim uma santa que Paulo VI quis proclamar "Doutora da Igreja", a padroeira da Itália, Catarina de Siena, que constatou: "A corte do Santo Padre Nosso parece-me, às vezes, um ninho de anjos, outras, uma cova de víboras". Bem e mal, portanto, unidos na mesma realidade, assim como todas as coisas humanas: e a Igreja também é uma instituição humana, é um invólucro histórico (com os limites que derivam disso) para conter um Mistério meta-histórico.

Mas acenaremos a uma avaliação moral mais abaixo. Há, antes, um aspecto "organizacional" a considerar. Deve ser lembrado, de fato, que, do Vaticano atual, não vêm apenas ecos de "escândalos" de negócios, sexo, poder. É a própria máquina da administração que, há anos, já parece falhar com inquietante frequência; são os equívocos, as distrações, as gafes diplomáticas, até mesmo os erros – às vezes em documentos solenes – naquele latim que ainda é a sua língua oficial, mas que é conhecida cada vez menos e sempre pior.

Concordo, a Cúria, assim como a própria Igreja, semper reformanda est. Mas aqui não parece possível uma "reorganização empresarial", porque parecem faltar as forças novas e de qualidade. Os infinitos escritórios vaticanos são regidos, desde os tempos da Contrarreforma, por pessoal eclesiástico que vem de todas as dioceses e de todas as ordens religiosas do mundo. Mas é um mundo, este nosso, onde a maioria das dioceses e das congregações fecharam seminários por falta de frequentadores, e o seu problema certamente não é o de enviar aRoma, a serviço da Igreja universal, os jovens mais promissores. Esses jovens não existem e, se existir algum, é defendido zelosamente por bispos e superiores gerais.

No entanto, depois daquele Vaticano II que queria emagrecer a estrutura eclesial, o Anuário Pontifício quase triplicou as suas páginas, a expansão burocrática não teve descanso. Aumentam funções, postos, responsabilidades, enquanto diminuem, ano após ano, os recursos humanos. E os poucos reforços não parecem capazes de portar aquela esmagadora responsabilidade que é gerir na terra nada menos do que a vontade do Céu.

Assim, o realismo católico parece impor um drástico redimensionamento da estrutura de uma Catholica que, de massa como era, está se tornando ou já se tornou comunidade minoritária. Querer manter o imponente aparato barroco, quando as forças vêm a faltar (e as poucas que ainda restam às vezes não são adequadas), leva inevitavelmente aos desvios e aos erros que são constatados na gestão eclesial.

Levar a sério, portanto, aqueles que propõem um retorno ao primeiro milênio, confiando à Unesco, como lugares artísticos e turísticos, os palácios na colina do Vaticano e voltar à "verdadeira" catedral do bispo de Roma, a de São João de Latrão, com uma estrutura institucional ao mínimo? Não é o caso de se refugiar em tais extremos, mas o problema existe e deverá ser enfrentado, embora longe de ideologias de 1968, de demagogia pauperista.

Mas, dizíamos, parece haver também uma falha moral que não é só sexual (a questão dos pedófilos, mas não só,docet), mas é também o retorno, quase como nos tempos do Renascimento, de palácios vaticanos reduzidos a nós de intrigas e de luta por carreiras, poderes, dinheiro, interesses ideológicos e políticos. Pois bem, aqui, não há reforma que esteja à altura, aqui não há remédio apenas humano. Aqui, toda técnica de reorganização empresarial é ridiculamente impotente e deve se abrir ao "escândalo" da oração.

Palavra do Papa Bento XVI, mas, durante décadas, palavra também do cardeal Joseph Ratzinger. Se a Igreja está em crise, ele sempre repetiu, é porque a fé dos homens da Igreja está em crise. Sem excluir a hierarquia. Ele chegou a me dizer, uma vez: "No ponto em que estamos, eu confesso: a fé, a fé plena, a que não hesita, parece ter se tornado tão rara que, ao encontrá-la, ela me assombra mais do que a incredulidade".

Por isso, ele voltou às raízes de tudo, com os seus três volumes sobre o Jesus da história; por isso, ele quis um órgão especial para a nova evangelização; por isso, ele proclamou este 2012 como o "Ano da Fé". L'intendance suivra, dizia Napoleão: antes a conquista, depois os funcionários da administração.

A Igreja – o Papa Bento XVI está certo disso – também que fazer uma conquista, ou melhor, uma reconquista, a da fé na historicidade dos Evangelhos, no Deus que se encarnou em uma mulher, em um Jesus que, ressurgindo, mostrou ser o Cristo.

A Igreja já tem poucos homens, e às vezes pouco adequados. O despedaçamento, para a instituição, seria certo se quem ainda está "trabalhando na vinha do Senhor" (assim o papa gosta de dizer) perdesse a perspectiva de se empenhar não por um prêmio humana, mas sim divino. Se a fé vacila ou se apaga, se não é mais a razão cotidiana de vida, a preguiça dissimulada do burocrata está à espreita, o velho monsenhor, assim como o jovem, estão prontos para se transformar em funcionários do ministério clerical e, como tais, sujeitos a toda tentação.

disponível no blog Instituto Humanitas, da Unisinos.

Renúncia evidencia clima de 'guerra civil' no Vaticano

Bento XVI, uma renúncia muito além do revelado.


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA, Folha de São Paulo

O dia seguinte ao anúncio da renúncia de Bento 16 evidenciou ainda mais o ambiente de guerra civil no Vaticano que boa parte dos especialistas aponta como a razão de fundo para a sua decisão, muito mais que o peso da idade.

O melhor resumo está no editorial de capa do sóbrio "Corriere della Sera", assinado por ninguém menos que seu diretor, Ferruccio de Bortoli. Diz que o ato do papa "foi certamente encorajado pela insensibilidade de uma cúria que, em vez de confortá-lo e apoiá-lo, apareceu, por diversos de seus expoentes, mais empenhada em jogos de poder e lutas fratricidas".

Reforça Massimo Franco, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres, autor do premiado "Era uma Vez um Vaticano": a renúncia do papa seria, para ele, "o sintoma extremo, final, irrevogável, da crise de um sistema de governo e de uma forma de papado".

Bento 16 é apontado como um dos culpados por essa crise de sistema de governo até por quem, como o vaticanista Luigi Accattoli, elogia aspectos de seu papado: "Bento 16 iniciou uma grande obra de limpeza em matéria de escândalos sexuais e de finanças vaticanas, mas não conseguiu restabelecer a boa ordem na Cúria" (o órgão administrativo da Santa Sé, que coordena e organiza o funcionamento da Igreja Católica).

A pergunta seguinte inescapável é esta: a renúncia será suficiente para pôr fim ao que Bortoli chamou de "lutas fratricidas" ou, ao contrário, servirá para acentuá-las de forma que o lado vencedor imponha seu preferido para ocupar o trono de Pedro?

Paolo Griseri se atreve a responder, em texto para "La Repubblica", escolhendo a segunda hipótese: "O que esteve dividido durante o pontificado de Bento 16 permanecerá dividido no conclave e nos dias que o precederão".

O mais paradoxal na guerra civil no Vaticano é que ela não se dá mais entre os chamados "progressistas" e os "conservadores".

Estes venceram e reduziram o outro lado à impotência e/ou ao silêncio, para o que Joseph Ratzinger foi essencial, em seu longo período à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, antiga Inquisição.

Os contornos do novo conflito são mais embaçados, até porque a Igreja Católica está impregnada de uma cultura do segredo. Mas parece tratar-se de uma disputa entre o velho e o novo.

Um pouco nessa linha seguiu Juan Arias, o correspondente de "El País" no Brasil e que, em seu longo período no Vaticano, tornou-se um dos mais respeitados analistas da igreja no mundo.

Arias minimiza a importância da discussão sobre se seria melhor "um papa latino-americano, africano, asiático ou de novo europeu e, mais concretamente, italiano".

Para ele, "importante é que o sucessor de Bento 16 seja capaz de entender que o mundo está mudando rapidamente e que de nada servirá à igreja continuar levantando muros para impedir que lhe cheguem os gritos de mudança que provêm de boa parte da própria cristandade".

É curioso que Arias, um leigo progressista, coincida com o próprio papa, notório conservador, que, no texto em que anunciou a renúncia, atribuiu-a à falta de forças para "o mundo de hoje, sujeito a mudanças rápidas e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé".

É razoável supor que o papa estivesse se referindo a temas como a necessária limpeza dos pecados que a igreja acobertou (os padres pedófilos), o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o celibato dos padres, o papel da mulher na vida da igreja.

Resta saber se um colégio cardinalício feito à imagem e semelhança de Ratzinger tem, entre seus membros, número suficiente de purpurados abertos ao mundo capazes de conduzir um dos seus ao trono de Pedro.


terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Como se matam os poetas



Pablo Neruda



por Mauro Santayana, em seu blog
A justiça chilena determinou a exumação dos restos mortais do cidadão chileno Neftaly Ricardo Reyes, o poeta Pablo Neruda. Suspeita-se que Neruda tenha sido envenenado pelos esbirros de Pinochet, dias depois da morte de Allende, no golpe de 11 de setembro de 1973 – há quase 40 anos. Neruda, que se preparava para asilar-se no México – em uma concessão dos golpistas, sob pressão internacional – foi internado em uma clínica, com uma crise prostática. Ali, segundo denúncia de seu motorista, recebeu a falsa medicação que o matou.

Os poetas – e poucos que redigem poemas conseguem ser realmente poetas – pertencem a outra espécie de seres humanos. Encontram-se na vanguarda das emoções e dos sentimentos. Isso leva a maioria deles a desfazer-se dos escolhos das circunstâncias e exilar-se em geografia e tempo alheios, mas sem perder a bússola da realidade, sem perder sua paisagem e sem perder o seu povo.

O Chile teve dois prêmios Nobel de Literatura. O primeiro foi outorgado, em 1945, a Lucila de Maria del Perpétuo Socorro Godoy Alcayaga, que usou o nome de Gabriela Mistral. Pablo e Gabriela foram amigos. Quando Gabriela fez 15 anos, em 1904, Neruda nasceu. Gabriela, com seu nome literário, homenageou dois grandes poetas de seu tempo, o italiano Gabriele d’Annunzio e o francês da Provença, Fréderic Mistral.

Pablo Neruda, com seu pseudônimo, prestou homenagem ao grande poeta tcheco do século 19, Jan Neruda – que denomina a mais bela das ruas de Praga e uma das mais bonitas do mundo, a que saí de Mala Strana e sobe ao castelo de Hradcany. Os quatro, ícones e discípulos, tiveram a marcá-los o sentimento nacionalista.

Matar poetas tem sido o grande prazer dos fascistas contemporâneos e dos tiranos de todos os tempos. O assassinato de Federico Garcia Lorca é conhecido. O autor de Romancero Gitano, traído, por medo, pelo amigo que o escondera, foi fuzilado nos primeiros dias da insurreição de Franco, por ordem do general Queipo de Llano. Neruda – que foi um dos melhores amigos do povo brasileiro – pretendia, do exílio, lutar contra Pinochet. É o que parece ter ocorrido contra Pablo Neruda. Matar de forma dissimulada é uma prática também dos serviços norte-americanos, como a CIA reconhece.

Há várias formas de matar os poetas. O fascismo, sendo o avesso do humanismo, é o assassinato permanente da poesia – e dos poetas. O franquismo, além de fuzilar Lorca, matou de tifo e tuberculose, na prisão, Miguel Hernández, aos 31 anos; e alguns outros, como Antonio Machado, de tristeza, solidão e angústia, no exílio, como Antonio Machado.

Mesmo que não houvesse sido envenenado, Neruda morreu com o golpe. Morreu com os escolhidos no Estádio Nacional de Santiago, e chacinados por ordem do usurpador. Morreu com sua gente.


domingo, 10 de fevereiro de 2013

ONU declara acesso à Internet como direito humano


Ter acesso ao mundo virtual agora é também direito humano.


A Organização das Nações Unidas (ONU) publicou, na última semana, um novo relatório sobre promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão. No documento, a instituição ressalta que desconectar as pessoas da Internet é um crime e uma violação dos direitos humanos.
Impedir o acesso à informação pela web infringe, segundo a ONU, o Artigo 19, parágrafo 3, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966. De acordo com o Artigo, todo cidadão possui direito à liberdade de expressão e de acesso à informação por qualquer tipo de veículo.

O parágrafo 3 até considera a hipótese de aqueles que tiverem transgredido algum tipo de lei, envolvendo meios de comunicação, possam sofrer restrições específicas. No entanto, não totais e apenas se as transgressões colocarem em risco os direitos e reputações de outras pessoas ou a segurança nacional.
A produção do relatório, feita pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU e o site Mashable, foi motivada por novas leis aprovadas na França e na Inglaterra que excluem da Internet pessoas consideradas como infratoras de direitos autorais.
O documento também explica que outros países já bloqueiam conteúdos específicos na rede para seus cidadãos. Em alguns casos, os denominados infratores foram excluídos totalmente do acesso à Internet. Mas, para a ONU, não importa qual o crime cometido – violação de direitos autorais ou intelectuais –, todo ser humano ainda deve ter o direito de continuar com acesso à informação e à Internet.
Por meio do relatório, a ONU pede aos países que revejam suas leis contra pessoas que tiverem cometidos violações de direitos autorais ou intelectuais e as punições adotadas, para que elas não contrariem as diretrizes divulgadas no documento da organização.
Estado e Internet
Uma empresa de monitoramento da Internet identificou, na última semana, que dois terços do acesso à rede na Síria está bloqueado, segundo o site da revista Wired.
O relatório da ONU destaca que nenhum Estado pode interromper o acesso à Internet, nem mesmo em situações de crises políticas, sejam internas ou externas. A web tem sido utilizada para a livre expressão da sociedade a favor ou contra determinados assuntos.
Um fato de grande manifestação popular via web que ganhou repercussão mundial ocorreu em 2009, durante as eleições no Irã, quando o presidente Mahmud Ahmadinejad foi considerado reeleito. No período, os meios de notícias foram proibidos de trabalhar no país. Então, as denúncias de repressão aos eleitores favoráveis ao opositor Mir Hussein Mousavi e de fraude nas eleições passaram a surgir na Internet.

*Com informações do blog Oceanogeek e da Unesco


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Cassar Renan?!

E aí, os nossos liberais são mais liberais que os liberais ingleses?

“O Congresso não representa os Cansados”:

por Heleno R. Corrêa Filho*
A partir do primeiro domingo de Fevereiro de 2013 temos no Congresso Nacional exercendo o mantado parlamentar após eleitos com o voto popular, vários lobistas de multinacionais. Os eleitores desses parlamentares foram em sua maioria enganados pelo financiamento privado das campanhas eleitorais.

O Imperador da Capitania do Maranhão acaba de deixar a Presidência do Senado. Nunca permitiu que o estado progredisse e manteve a miséria e desigualdade seculares intactas. Temos a Kátia Motosserra Glifosato que apoia o desmatamento até o toco bem como o assassinato de sem-terra. Completam o time, o Metralha Caiado que com recursos encachoeirados apoia os ruralistas; também aí estão o elogiador de ditadores, torturadores e homofóbico-chauvinista Bolsonaro, e o desmatador ruralista e antiindigenista Paulo Quartiero, além de vários defensores da grilagem de terras, da tortura, do assassinato de presos comuns nas cadeias antes que a justiça os considere culpados. Temos demo-tucanos querendo vender o que sobrou do INSS, da Petrobras e do Banco do Brasil. Temos a família do abominável homem dos Neves vendendo o Nióbio de Araxá a R$99,00 o quilo quando a Apple vende dentro dos capacitores do IPAD e do Iphone5 ao mesmo preço por MILIGRAMA. Tudo pelo estado mínimo neoliberal enriquecendo minorias.

Temos ainda lobistas da Souza-Cruz, Monsanto, Syngenta, Nestlé, BP, SHELL, Bayer, SKF-Glaxo, Procter&Gamble e SAMA infiltrados nos partidos de esquerda e não vou mencioná-los aqui por que são "base-aliada" e não dá para dividir e governar contra os votos de tantos JUÍZES comprados pela direita, tantos partidos e de tantos ministros do governo de Coalizão PT-Base aliada. Não sobraria um desses grupos sem detectarmos vários lobistas enquanto tivermos financiamento privado de campanhas eleitorais. Foi por esse motivo que um Juiz falou na hora de se aposentar em nome de um tribunal que coalizão é uma coisa que agride a democracia. Com a confusa coalizão em que esses malucos e traidores são minoria a direita vem sendo derrotada, a pobreza absoluta vem sendo erradicada, filhos de pobre estão ingressando nas universidades federais, e a classe D e E está conseguindo casa própria. Assim para a direita jurídica coalizão é coisa antidemocrática apesar de ser prevista na Constituição em nas leis do Brasil e de vários países das democracias ocidentais.



Temos também excelentes deputados(as) e senadores(as), em vários partidos, que independente de seus partidos praticarem fisiologia e lobby comportam-se defendendo a cidadania e os direitos sociais. Em espectro que vai do PT, PCdoB, PSOL, PMDB, temos excelentes representantes populares que honram o voto recebido. Alguns deles como Eduardo Suplicy e Luiza Erundina sempre receberam meu voto quando votava em Campinas. Meu voto nunca foi “perdido”.

Com tudo isso alguns amigos vêm delicadamente me pedir que assine corrente de Internet para Cassar o Mandato do recém-eleito presidente do Senado - RENAN CALHEIROS. É um advogado de porta-de-cadeia, ex-líder estudantil de Alagoas que ainda jovem traiu a militância da esquerda moderada e migrou da centro direita, para a direita Collorida, e depois voltou ao centro, todas as vezes que o vento político dominante mudou de direção.

Ele pagou cabos eleitorais com dinheiro de gasolina do próprio gabinete, comprou serviços com notas fiscais de açougue de um parente, arranjou amante(s) e deixou um empreiteiro pagando a pensão da filha. Só se deu mal quando resolveu desagradar a Revista inVEJA e por arrependimento ou por inveja denunciou Collor e PC Farias por mutretas naquele estado tão sofrido. Nessa ocasião se elegeu a Senadora Heloisa Helena, que depois desistiu de se reeleger e tacitamente devolveu o mandato ao dono anterior permitindo a volta de Collor ao congresso na condição de Senador.

Entre os que estão citados antes e acima do Renan o pessoal vem me pedir para tira-lo do congresso por que é adúltero, comeu churrasquinho com dinheiro de recibos de gasolina, saracoteou com uma coelhinha da Playboy, e entregou a ex-namorada como peça de garantia da pensão assim que as revistas com fotos de moças nuas começaram a explorar o manequim.

Os que movimentam essa corrente dos ‘Cansados’ não estão apenas pedindo a cabeça do RENAN. Estão tentando desmoralizar a democracia e dizer “O Senado não me representa!”. “A Câmara dos Deputados não me representa!”. Poderão chegar a dizer que “O Governo do Brasil não me representa!”. Até já convocaram manifestação para levar mais dez patricinhas e mauricinhos à Avenida Paulista com outros dez jornalistas da inVEJA em abril. Vão agitar cartazes contra a “Corrupção”.

Nenhum desses cansados fala contra o financiamento privado das campanhas eleitorais ou a privataria. Na verdade eles é que não representam o Brasil. Estão sendo embalados no berço dessa campanha pelo dinheiro da mídia e das multinacionais de alguns capatazes de partidos de direita em SP que assessoram os ‘cansados’.

“Ah! Mas o Renan é ficha suja!”. Simplesmente não é. Ficha limpa pressupõe que só seja considerado culpado alguém que tenha sido condenado por um colegiado de juízes do 2o grau nos tribunais dos estados ou do STJ/STF ou STM. No caso de Renan a lei da ficha limpa não diz nada. O Renan Calheiros não foi nem indiciado nem julgado em instância alguma.

É por motivos como esse que já foi dito que essa lei ainda servirá para impedir a eleição de lideranças populares facilmente condenáveis por invasão de propriedades griladas e esbulhadas (Indígenas, MTST e MST), por protestos políticos (Via Campesina), por protestos contra pedágios (União Caminhoneiros), por protestos em rodovias (Sindicatos do ABC), e por aí vai. Não vai pegar ninguém que interessa ao establishment.

A lei da ficha suja não pegará o Renan, como não pegou o Sarney, como não pegará o Gurjô Demóstenes Cachoeira nem o Gilmar Dantas. Essa lei é discricionária e judicializou a política.

Se não for feito financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais e continuar o financiamento privado eles todos serão reeleitos. Todas as lideranças populares que protestarem serão presas, expulsas, condenadas e depois impedidas de defenderem seus eleitores, como seria o caso se algum dos expulsos do Pinheirinho se candidatasse. Seria facilmente "condenado" em duas instâncias de SP e pronto: _ ficha suja.

Sobre se o Presidente do Senado Renan ou Henrique Alves o novo Presidente da Câmara dos Deputados mandam ou não no Brasil é bom ler quem manda. Vejamos em http://www.proprietariosdobrasil.org.br/index.php/pt-br/ranking. Aproveitemos, já que não sabemos o quando dura o acesso a essa informação na Internet.

Nunca tivemos essa informação disponibilizada ao público. Aí seria verdadeira a frase: _ "Sabe com quem está falando?!" Temos agora na Internet a informação é pública e legal. Está em qualquer cartório. O mérito do site é revelar a informação a quem não pode ir ao Cartório pedir a pasta para ler.

Experimente clicar no nome de "blessed participações" e aí você descobre que a marca "JBS" (O frigorífico Friboi que domina e demite milhares de trabalhadores no interior de SP, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul), são a sétima maior potência em poder de mando econômico e político no país. Jereissati e tucanos? É só clicar. Aparecem os nomes dos controladores e a porcentagem de controle que cada um tem.

Os gráficos são móveis e permitem mover as pessoas, 'esticar' relações intergrupais, além de individualizar as pessoas jurídicas e pessoas físicas. Vão tentar calar. É óbvio que os que têm tanto poder não vão aguentar ver seus nomes (Jereissati) associados com a marca do poder econômico que sempre esconderam.

Interessante dizer que não se encontra nada sobre o filho do Lula nem o próprio Lula. A direita não insiste em que eles ficaram ricos? Onde estão os bens e controles acionários de Genoíno e Zé Dirceu?

Mais interessante ainda que a imprensa não deu nenhum destaque a que um dos melhores candidatos à presidência do Senado (Randolfe Rodrigues – PSOL/Amapá) renunciou da própria candidatura em favor de um Ruralista de MS – Pedro Taques (PDT/MT) que se notabiliza por posições antiindigenistas.

Será que o pecado do Renan é tão mais grave que os outros ou tem gente equivocada quanto a quem são realmente inimigos da democracia e da classe trabalhadora no parlamento? Se me pedirem uma reforma política e do processo eleitoral assino embaixo. Do jeito que está peço para atirar a primeira pedra quem se enquadra no padrão moralista dessa campanha do Gurjô Demóstenes Cachoeira que usa a própria mulher para fazer serviços sujos que dariam na vista se fossem feitos por ele mesmo. O Batman já caiu fora dessa e mandou outro juiz fazer a relatoria da denúncia contra Renan, que ainda nem sequer foi julgado por qualquer coisa. Ele sabe que até essas coisas de domínio do fato têm limite quando o assunto entra no domínio da moral religiosa dominical. Enquanto isso não assino manifesto de lobistas ameaçados de perder eleições.


*Heleno R. Corrêa Filho é médico sanitarista e professor da Unicamp.


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A falácia da ‘alta’ carga tributária do Brasil

Carga tributária?! Quem é que paga mesmo?

Paulo Nogueira


Por trás da campanha antifisco das empresas de mídia se esconde a vontade de pagar ainda menos impostos.

Estava na Folha, num editorial recente.

A carga tributária brasileira é alta. Cerca de 35% do PIB. Esta tem sido a base de incessantes campanhas de jornais e revistas sobre o assim chamado “Custo Brasil”.

Tirada a hipocrisia cínica, a pregação da mídia contra o “Custo Brasil” é uma tentativa de pagar (ainda) menos impostos e achatar direitos trabalhistas.

Notemos. A maior parte das grandes empresas jornalísticas já se dedica ao chamado ‘planejamento fiscal’. Isto quer dizer: encontrar brechas na legislação tributária para pagar menos do que deveriam.

A própria Folha já faz tempo adotou a tática de tratar juridicamente muitos jornalistas – em geral os de maior salário – como PJs, pessoas jurídicas. Assim, recolhe menos imposto. Uma amiga minha que foi ombudsman era PJ, e uma vez me fez a lista dos ilustre articulistas da Folha que também eram.

A Globo faz o mesmo. O ilibado Merval Pereira, um imortal tão empenhado na vida terrena na melhora dos costumes do país, talvez pudesse esclarecer sua situação na Globo – e, transparentemente, dizer quanto paga, em porcentual sobre o que recebe.

A Receita Federal cobra uma dívida bilionária em impostos das Organizações Globo, mas lamentavelmente a disputa jurídica se trava na mais completa escuridão. Que a Globo esconda a cobrança se entende, mas que a Receita Federal não coloque transparência num caso de alto interesse público para mim é incompreensível.

A única vez em que vi uma reprovação clara em João Roberto Marinho, acionista e editor da Globo, foi quando chegou a ele que a Época fazia uma reportagem sobre o modelo escandinavo. Como diretor editorial da Editora Globo, a Época respondia a mim. O projeto foi rapidamente abortado.

Voltemos ao queixume do editorial da Folha.

Como já vimos, a carga tributária do Brasil é de 35%. Agora olhemos dois opostos. A carga mais baixa, entre os 60 países que compõem a prestigiada OCDE, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, é a do México: 20%. As taxas mais altas são as da Escandinávia: em redor de 50%.

Queremos ser o que quando crescer: México ou Escandinávia?

O dinheiro do imposto, lembremos, constrói estradas, portos, aeroportos, hospitais, escolas públicas etc. Permite que a sociedade tenha acesso a saúde pública de bom nível, e as crianças – mesmo as mais humildes — a bom ensino.

Os herdeiros da Globo – os filhos dos irmãos Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto – estudaram nas melhores escolas privadas e depois, pelas mãos do tutor Jorge Nóbrega, completaram seu preparo com cursos no exterior.

A Globo fala exaustivamente em meritocracia e em educação. Mas como filhos de famílias simples podem competir com os filhos dos irmãos Marinhos? Não estou falando no dinheiro, em si – mas na educação pública miserável que temos no Brasil.

Na Escandinávia, a meritocracia é para valer. Acesso a educação de bom nível todos têm. E a taxa de herança é alta o suficiente para mitigar as grandes vantagens dos herdeiros de fortunas. O mérito efetivo é de quem criou a fortuna, não de quem a herdou. A meritocracia deve ser entendida sob uma ótima justa e ampla, ou é apenas uma falácia para perpetuar iniquidades.

Recentemente o site da Exame publicou um ranking dos 20 países mais prósperos de 2012 elaborado pela instituição inglesa Legatum Institute. Foram usados oito critérios para medir o sucesso das nações: economia, empreendedorismo e oportunidades, governança, educação, saúde, segurança e sensação de segurança pessoa, liberdade pessoal e capital social. A Escandinávia ficou simplesmente com o ouro, a prata e o bronze: Noruega (1ª), Dinamarca (2ª) e Suécia (3ª).

Se quisermos ser o México, é só atender aos insistentes apelos das grandes companhias de mídia. Se quisermos ser a Escandinávia, o caminho é mais árduo. Lá, em meados do século passado, se estabeleceu um consenso segundo o qual impostos altos são o preço – afinal barato – para que se tenha uma sociedade harmoniosa. E próspera: a qualidade da educação gera mão de obra de alto nível para tocar as empresas e um funcionalismo público excepcional. O final de tudo isso se reflete em felicidade: repare que em todas as listas que medem a satisfação das pessoas de um país a Escandinávia domina as posições no topo.


O sistema nórdico produz as pessoas mais felizes do mundo.

A Noruega foi eleita a nação mais desenvolvida do mundo

A Escandinávia é um sonho muito distante? Olhemos então para a China. À medida que o país foi se desenvolvendo economicamente, a carga tributária também cresceu. Ou não haveria recursos para fazer o extraordinário trabalho na infraestrutura – trens, estradas, portos, aeroportos etc – que a China vem empreendendo para dar suporte ao velocíssimo crescimento econômico.

Hoje, a taxa tributária da China está na faixa de 35%, a mesma do Brasil. E crescendo. Com sua campanha pelo atraso e pela iniquidade, os donos da empresa de mídia acabam fazendo o papel não de barões – mas de coronéis que se agarram a seus privilégios e mamatas indefensáveis.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A matemática esperta da ‘Folha’

Folha: um jornal que não se deve ler!

Manchete da Folha deste domingo estampa 'grave denúncia':
"Programa social consome a metade dos gastos federais".

Só profissionais da dissimulação conseguem vender como jornalismo manipulações grosseiras como essa, feitas para alimentar o alarido da agenda conservadora.

A saber:

a) que a política econômica do governo do PT não passa de uma bolha de consumo atrelada à enorme 'bolsa esmola', ao custo de R$ 405,2 bi;

b) que o consumo de massa é mantido de forma artificial, com gastos assistencialistas - e reajuste abusivo do salário mínimo, a pressionar o sistema previdenciário;

c) que tudo isso é inflacionário porque desprovido da expansão dos demais ingredientes que sustentam a oferta (como se o hiato do investimento fosse um fato cristalizado);

d) que o conjunto subtrai recursos ao sagrado superávit primário, impedindo o Estado de canalizar maiores fatias aos rentistas da dívida pública;

e) que a solução é restaurar a agenda do Estado mínimo, com política salarial que desguarneça o núcleo desequilibrador da pirâmide de renda: o ganho real de 60% do salário mínimo no governo Lula.


Em resumo: PSDB na cabeça em 2014.

Dois disparos à queima-roupa denunciam a pistolagem atirando deliberadamente contra os fatos no alerta domingueiro da Folha.

A 'grave denúncia' apoia-se, de um lado, num truque contábil.

Ele pode ser pinçado de dentro de uma única e miserável linha do texto:

'Foram excluídos da conta os encargos da dívida pública'.

A partir daí até camelo passa no buraco da agulha.

A pequena confissão subtrai do conjunto das comparações algo como R$ 200 bilhões.

Média do que custou o pagamento dos juros da dívida pública nos últimos anos.

Só os juros.

Não estão computadas aqui as despesas com amortizações e rolagens, que elevam o fardo rentista a quase 50% do gasto orçamentário federal, engessando-o para investimentos em saúde, educação etc.

São 'pequenas' elipses.

Mas são elas que tornam possível entregar o percentual encomendado pela manchete domingueira: 'programa social consome a metade dos gastos federais'.

O segundo desvão da calculadora dos Frias engole aspectos cruciais da previdência social urbana.

No texto, ela é a ante-sala do inferno fiscal: equivale a 60% dos tais 'gastos sociais' do Estado brasileiro.

Um buraco de R$ 245,5 bi. (O Bolsa Família soma modestos 5% do total, R$ 20,5 bi, o que o impediria de sustentar a 'grave denúncia' da 'Folha')

A rigor tampouco a previdência o permite, exceto manipulada no liquidificador do jornalismo esperto.

Aos fatos.

A previdência urbana é superavitária desde 2007, graças à criação de 16 milhões de empregos com registro em carteira nos governos Lula e Dilma.

Em 2012, ela teve o melhor resultado de sua história: um superávit de R$ 25 bi.

O saldo cobre quase 35% do déficit da previdência rural, que estendeu o salário mínimo aos idosos do campo, privados de direitos trabalhista pelos mesmos interesses que hoje reclamam equilíbrio fiscal.

A transferência de uma renda mínima aos sexagenários rurais teve os seguintes desdobramentos:

a) a renda rural nos últimos seis anos cresceu 36% a mais do que o próprio PIB;

b) a previdência rural - que a agenda ortodoxa quer extinguir ou desvincular dos ganhos do mínimo - tornou-se um dos principais fatores de dinamização dos municípios no interior do país;

c) a década do governo Lula foi a primeira, em 60 anos, em que o êxodo rural no Brasil se estabilizou.

É uma pequena reviravolta histórica.

Deveria ser aprofundada, melhor debatida, retificada em suas lacunas, pesquisada e fortalecida em seus desdobramentos virtuosos.

Mas quem o fará?

Por certo, não a matemática esperta da Folha.

Por precaução eleitoral, ela cuida também de desqualificar os desdobramentos efetivos da 'gastança social' que condena.

A mensagem do conjunto reflete a mentalidade regressiva de um conservadorismo incapaz de se renovar.

Exceto em seu repertório de truques e traques, entre os quais se abriga o recado domingueiro da Folha:

'Devolvam o país aos mercados; eles sabem como fazer a coisa certa'.


Postado por Saul Leblon


O que significa Renan na presidência do Senado



Renan Calheiros: o novo 'velho' Presidente do Senado.


Renan, o velho Renan, na presidência do Senado. A rigor significa, bem pouco, ou simplesmente nada.
A notícia gera um alarido formidável no circuito político das redes sociais.
Acho, pessoalmente, cômico. Tínhamos Sarney, que entregou o cargo em lágrimas, e agora temos Renan.
O que é pior, o riso de Renan ou o choro de Sarney?
Bem, o pior de tudo é o embate no Twitter e no Facebook entre defensores do PT e do PSDB em torno da eleição de Renan.
É quando o cinismo se encontra com a hipocrisia. Os tucanos acusam o PT de abrir a porta da presidência do Senado a um aliado sobre o qual pesam acusações de corrupção. (O acusador, o procurador-geral Roberto Gurgel, é alvo também de acusações, aliás.)
Os petistas se defendem lembrando que este mesmo Renan foi ministro da Justiça da FHC. Já era um homem desgastado, depois da tumultuada passagem pelo Planalto de seu conterrâneo Collor, de quem foi líder no Congresso.
Mas FHC não enfrentou críticas pela escolha de Renan. (Olhando para trás, FHC raras vezes foi atacado por nada que tenha feito. Foi um presidente mimado, sob este ângulo.)
Não é edificante a troca de acusações, pelo oportunismo dos acusadores, e pela baixa qualidade da defesa dos acusados. Se há um desgaste de imagem para o PT na eleição de Renan, e tenho sinceramente dúvidas sobre isso, ele não se desfaz simplesmente apontando o dedo para o cargo que FHC deu a ele no passado.
Mas sigamos, e tentemos buscar um pouco de racionalidade na discussão.
Primeiro, e antes de tudo, é preciso que se prove a culpa de Renan. Não basta acusar.
Depois, é talvez a oportunidade de discutir o funcionamento da política brasileira. No modelo de hoje, alianças complicadas são imperiosas, e em todas as esferas. Haddad teve que se compor com Maluf recentemente na luta pela prefeitura, e ele e seu mentor Lula foram duramente atacados por aqueles mesmos que, sabemos todos, silenciariam se Maluf optasse por Serra, como este gostaria.
O moralismo calculado tem pouco efeito prático hoje nos eleitores. Eles percebem o farisaísmo de cartapácios como os editoriais do Estadão, ou coisa do gênero.
Renan na presidência do Senado muda pouco as coisas no Brasil, a rigor. As decisões fundamentais dependem muito mais de Dilma, e até o Supremo é mais influente que o Senado.
E ele é inocente até que se prove o contrário, bem como Gurgel, aliás.
Que se reforme a política, até para que o país se livre dos chamados imortais das urnas, aqueles de que só nos livramos pelo caixão, de Quércia a ACM, de Maluf a Sarney, de Suplicy a Serra.
Renovemos. É um primeiro passo.
Mas, enquanto a reforma não ocorre, que sejamos poupados de demonstrações de moralismo maroto de quem quer apenas voltar a desfrutar das mamatas que o Estado pode oferecer.

Paulo Nogueira
No Diário do Centro do Mundo


domingo, 3 de fevereiro de 2013

Gurgel para iniciantes

Na foto, o acusado de prevaricação. 


Leandro Fortes 

As motivações do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ao denunciar o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) duas semanas antes das eleições para a presidência do Senado Federal e, em seguida, vazar o relatório da mesma denúncia pelo site da revista Época, no dia da eleição, nada tem a ver com preocupações morais ou funcionais.

A máscara de servidor exemplar com a qual tem se apresentado ao país desde a micareta do mensalão não resiste a uma chuva de carnaval, basta lembrar da atuação do chefe do Ministério Público Federal no caso do arquivamento da Operação Vegas da Polícia Federal, de 2009, a primeira a pegar as ligações do ex-senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás, com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. O sempre tão diligente e cioso dos bons costumes procurador-geral escondeu as informações da Justiça e obrigou a PF a realizar outra operação, a Monte Carlo, no ano passado – esta, afinal, que se tornou impossível de ser novamente engavetada por Gurgel.

O que Roberto Gurgel pretendeu ao denunciar Renan Calheiros às vésperas das eleições do Senado foi viabilizar a eleição do também procurador da República, o senador Pedro Taques (PDT-MT), praticamente um representante do procurador-geral dentro do Parlamento. Mas não se trata apenas de um movimento corporativista. Uma vez presidente do Senado, Taques teria nas mãos o poder de definir o que deve ou não ser colocado em votação no plenário.

Dadas as ligações viscerais estabelecidas, desde o julgamento do mensalão, entre a PGR e a oposição, sem falar no apoio irrestrito dos oligopólios de mídia, não seria pouca coisa ter um preposto num cargo tão importante.

Mas como Gurgel não entende nada de política e Taques é apenas um neófito no Senado, as campanhas de um e de outro foram só tiros n’água.

Mas é bom que se diga, não há nada a comemorar.

Sai José Sarney, o Kim Il-sung do Maranhão, entra Renan Calheiros, o adesista das Alagoas.

Nem ética, nem interesse público. As eleições das mesas diretoras do Congresso Nacional continuam sendo o resultado da baixa política de alianças entre o Executivo e o Legislativo, onde grassam como moedas de troca as indicações de cargos, os favorecimentos regionais, as mesquinharias paroquiais e a blindagem mútua.




sábado, 2 de fevereiro de 2013

Número de brasileiros com ensino superior aumenta mais de quatro vezes em dez anos

Foram oito anos de LULA e doisde FHC. Mas quanta diferença! É secular!

Documento obtido pela Rede Brasil Atual antecipa dados do Censo mostrando que a população com graduação completa foi de 5,5 milhões a 25,5 milhões

Por: Sarah Fernandes, da Rede Brasil Atual


O número de brasileiros com ensino superior completo mais que quadruplicou nos últimos dez anos, passando de 5,5 milhões em 2000 para 25,5 milhões em 2010. Os dados são do último Censo Demográfico do IBGE e foram organizados pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e cedidos à Rede Brasil Atual pela organização social Educafro.

Percentualmente, o país passou de 2,7% da população com ensino superior para 13,39% nos últimos dez anos. O número de mestres e doutores também aumentou, passando de 0,18% para 0,83%, de acordo com os dados. Apesar do crescimento, o percentual ainda é considerado baixo e pode ser um entrave para o projeto de desenvolvimento do país, de acordo com a especialista em políticas públicas educacionais Maria Beatriz Luce. “Precisamos aumentar a escolaridade geral dos brasileiros para garantir acesso a novas tecnologias”.

O novo Plano Nacional de Educação – que foi aprovado esta semana pela Câmara dos Deputados e será encaminhado para o Senado – prevê chegar a 30% da população com ensino superior em dez anos, sendo 50% desse total de jovens entre 18 e 24 anos. O documento prevê, ainda, o investimento de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para o setor dentro de uma década. “É uma meta bem mais ambiciosa, principalmente porque tem como foco expandir o acesso ao ensino superior garantindo qualidade”, avalia Maria Beatriz, que é professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

A especialista avalia o crescimento no percentual de graduados como “bastante expressivo” e o atribui a políticas de expansão da oferta do ensino superior. “Passamos por um processo grande de interiorização das universidades federais, que deixaram de estar concentradas nas grandes cidades. Isso evita que os jovens tenham que se deslocar e permite a população adulta, que já trabalha, conseguir estudar”.

Iniciativas como o Sistema de Seleção Unificada (SISU) e o Programa Universidade para Todos (ProUni) – que oferece bolsas de estudo de 100% e 50% em faculdades particulares – também colaboraram. “O primeiro permitiu que todas as vagas ofertadas nas universidades federais fossem preenchidas e o segundo que a população de baixa renda tivesse acesso ao ensino superior.”

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Por que os impérios Facebook e Apple estão fadados a cair

Facebook: um dia você ainda vai descurtir!


Por John Naughton

Nada dura para sempre: se a história tem uma lição a nos dar, é essa. É um pensamento que vem da releitura do volume magistral de Paul Kennedy, Ascensão e Queda das Grandes Potências, em que ele mostra que nenhuma das grandes nações-Estados da história — Roma; a Espanha imperial em 1600; a França em suas manifestações Bourbon e bonapartista; a República Holandesa em 1700; a Grã-Bretanha em sua glória imperial — conseguiram manter sua ascendência global por muito tempo.


O que isso tem a ver com a tecnologia? Bem, é uma maneira útil de pensarmos sobre duas das grandes potências tecnológicas mundiais. A primeira é a Apple. Na semana passada houve uma verdadeira torrente de reação histérica a seu balanço trimestral, juntamente com especulações febris sobre seu futuro. O mundo está hipnotizado há anos pela metamorfose da Apple de uma fabricante de computadores quase falida em uma gigante corporativa que atualmente, em alguns dias, é a companhia mais valiosa do mundo, com reservas de caixa maiores que o PIB anual de alguns países. Mas, assim como com todas as curvas de crescimento inexorável, a pergunta nos lábios de todo comentarista é: a Apple atingiu o pico?
Se você acha que “histérica” é um pouco duro, avalie isto: apesar de a Apple não ter vendido os 50 milhões de iPhones previstos para o trimestre (ela “só” vendeu 47,8 milhões) e as vendas de seus computadores Mac terem caído um pouco, de todo modo o resultado trimestral significa que em 2012 a Apple faturou mais que qualquer outra corporação em todos os tempos. E até o rendimento supostamente decepcionante de 13,1 bilhões de dólares foi o quarto maior de todos os tempos, segundo a mesma medição. E a reação do mercado de ações a essa notícia? O preço da ação caiu 10% após o pregão.
Depois há a rede social Facebook, com seus bilhões de usuários, que também é o foco de muitos comentários excitados. Recentemente, o império de Mark Zuckerberg lançou sua última arma mortífera com o nome atraente de Graph Search (busca gráfica). O novo instrumento do Facebook é apenas um algoritmo que encontra informações na rede de amigos de uma pessoa e complementa os resultados com acertos da máquina de buscas Bing da Microsoft, mas ao ler alguns comentários sobre ela você pensaria que Zuckerberg e Co. tivessem inventado uma máquina de movimento perpétuo ou uma passagem sem escalas para o inferno.
“A nova máquina de buscas do Facebook tenta construir muros ao redor da internet e manter sua horda dentro dos portões”, escreveu o webmaster de uma respeitada revista online. “É um pesadelo, e provavelmente vai dar certo.”
Na verdade, é a última tentativa do Facebook de se tornar a AOL de hoje. E afinal ela vai falhar pelo mesmo motivo que a tentativa da AOL de encurralar os usuários em seu jardim murado falhou: a internet mais ampla é simplesmente diversificada, inovadora e interessante demais. Mas, como o Facebook ocupa um lugar tão grande na consciência do público neste momento, é difícil mantê-lo em perspectiva. E é por isso que o livro de Kennedy é uma leitura tão salutar.
Assim, o que precisamos lembrar enquanto percorremos os atuais comentários superaquecidos sobre Apple e Facebook é que nada dura para sempre. Estou neste ramo há tempo suficiente para lembrar uma época em que a Microsoft era pelo menos tão predominante e assustadora quanto essas duas empresas são hoje. Avance algumas décadas e a Microsoft continua aí, mas hoje é uma gigante em dificuldades — rentável, mas não mais inovadora, tentando (até agora sem sucesso) pôr um pé no mundo pós-PC, do celular e baseado na nuvem.
Embora o eclipse da Apple e do Facebook seja inevitável, o momento e as causas de seus eventuais declínios serão diferentes. A força atual da Apple é que ela realmente faz coisas que as pessoas ficam desesperadas para comprar e com as quais a empresa tem lucros enormes. A lógica inexorável do negócio de hardware é que esses lucros vão declinar com o aumento da concorrência, então a Apple será menos rentável em longo prazo. O que determinará seu futuro é se ela poderá inventar novos produtos que criem um mercado, como iPod, iPhone e iPad.
O Facebook, por outro lado, não faz nada. Apenas oferece um serviço online que, por enquanto, as pessoas parecem valorizar. Mas para ganhar dinheiro com esses usuários e satisfazer os cidadãos de Wall Street ele precisa se tornar cada vez mais intruso e manipulador. Em outras palavras, está condenado a um excesso de intrusão. E é por isso que, no final, se tornará uma nota de rodapé na história da internet. Exatamente como a Microsoft, na verdade. Sic transit gloria.