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sábado, 31 de março de 2012

Efeito dominó pode atingir Serra


Depois de cair Demóstenes Torres, senador do DEM, cai Agripino presidente do mesmo partido. Os dois maiores críticos do que chegaram a chamar de crise moral no governo Dilma viraram manchete de jornal e correm o risco de impeachment depois de abertos processos por desvio de conduta no Supremo Tribunal pelo Ministério Público Federal.

Com eles sucumbe o que restava dos escombros do edifício dos Democratas, trazido ao chão pelos filmes que mostravam o único governador eleito pela agremiação originada do extinto PFL, recebendo numerário de agente público incumbido da arrecadação de propinas.
Foram escândalos diferentes, ainda que de divulgação concomitante, os que vitimaram um e outro dos próceres oposicionistas. Mas o de maior estrago foi o de Agripino, que ameaça arrastar consigo o candidato `a prefeitura de São Paulo pelo PSDB, José Serra.

Serra, que insiste em São Paulo brigar como um cão velho pelo osso que pretende saborear daqui a 2 anos em Brasília, tem gente graúda de sua confiança envolvida no escândalo que volta a atingir o último bastião moral do DEM, Agripino.

O nome do homem, que até rima com o de Maia , é João Faustino. O tucano potiguar de quem ninguém tinha ouvido falar até que fosse preso pela polícia federal por chefiar esquema de fraude nos serviços de inspeção veicular em seu estado, foi feito suplente de senador de Agripino Maia por indicação do paulista José Serra, no momento em que desfrutava de grande prestígio dentro de seu partido pelo fato de ser candidato a presidente da república.

Estranho, não? O padrinho do prefeito paulistano Kassab, que teve os bens bloqueados pela Justiça por suspeita de fraude na inspeção veicular da cidade de São Paulo, patrocinou alguém do seu círculo com domicílio a quase 4.000 km de distância, que, por sua vez, também ele envolveu-se em fraudes bilionárias nos serviços de inspeção veicular.

Mas não se pense que por suas pretensões eleitorais em âmbito nacional, José Serra foi buscar amigos e apoios lá onde as necessidades de voto o exigiriam, vindo a conhecer casualmente o aliado Faustino. Não, José era chapa de João desde os tempos da UNE, quando o famigerado, diria Guimarães Rosa, presidiu a seção norte-riograndense da entidade.

Mais, quando governador Serra abonou a ficha de filiação do amigo ao partido dos tucanos e abrigou-lhe na antessala de Aloysio Nunes, seu Chefe da Casa Civil com o pomposo título de Sub-Chefe da Casa Civil, cargo de que desfrutou por 2 anos e meio no Palácio dos Bandeirantes. Até 2010 Faustino recebia estipêndio do governo de São Paulo como conselheiro de empresas estatais.

A convivência entre Aloysio e João tampouco foi difícil, desde que um e outro trabalharam juntos no governo Fernando Henrique Cardoso: Faustino na condição de Secretário da Presidência para Assuntos Federativos e Aloysio na de Secretário Particular do Presidente.

À aproximação da campanha eleitoral, Serra incumbiu seu “protegée” de levantar dinheiro no nordeste. Com uma boa ajuda de custo no bolso e uma idéia esplêndida na cabeça: reproduzir entre os nordestinos a bilionária experiência da inspeção veicular da cidade de São Paulo que ele, Serra, havia deixada prontinha para ser operada por seu substituto e depois prefeito eleito com seu esforço pessoal, Gilberto Kassab.

João Faustino, usando o nome do candidato presidencial, foi direto à governadora Wilma Maia para que baixasse, ainda antes das eleições presidenciais, lei estadual instituindo a inspeção veicular no estado.

Os investigadores interceptaram mensagens eletrônicas entre os operadores do esquema e contatos seus dentro da Prefeitura de São Paulo que comprovam estreita colaboração de funcionários com a quadrilha na elaboração da lei que criou a inspeção veicular em Natal, no edital de concorrência publicado e até nos despachos que deveriam ser apostos em caso de recursos apresentados contra o fraudado certame.

Agora Serra quer ser Prefeito e chama de inconsequente a proposta de seu jovem oponente Fernando Haddad de extinguir a taxa de inspeção veicular paga pelos motoristas paulistanos, mesmo depois de haverem já pago o imposto sobre veículos automotores, o IPVA, que tem cota-parte destinada ao município. Talvez não esteja mesmo bem avaliando o candidato do PT a importância que tem para o caixa de Serra as contribuições desse bilionário negócio São Paulo.


A manifestação dos caras-pintadas diante do Clube Militar


Hildegard Angel

Foi um acaso. Eu passava hoje pela Rio Branco, prestes a pegar o Aterro, quando ouvi gritos e vi uma aglomeração do lado esquerdo da avenida. Pedi ao motorista para diminuir a marcha e percebi que eram os jovens estudantes caras-pintadas manifestando-se diante do Clube Militar, onde acontecia a anunciada reunião dos militares de pijama celebrando o "31 de Março" e contra a Comissão da Verdade.


Só vi jovens, meninos e meninas, empunhando cartazes em preto e branco, alguns deles com fotos de meu irmão e de minha cunhada. Pedi ao motorista para parar o carro e desci. Eu vinha de um almoço no Clube de Engenharia. Para isso, fui pela manhã ao cabeleireiro, arrumei-me, coloquei joias, um vestido elegante, uma bolsa combinando com o rosa da estampa, sapatos prateados. Estava o que se espera de uma colunista social.

A situação era tensa. As crianças, emboladas, berrando palavras de ordem e bordões contra a ditadura e a favor da Comissão da Verdade. Frases como "Cadeia Já, Cadeia Já, a quem torturou na ditadura militar". Faces jovens, muito jovens, imberbes até. Nomes de desaparecidos pintados em alguns rostos e até nas roupas. E eles num entusiasmo, num ímpeto, num sentimento. Como aquilo me tocou! Manifestantes mais velhos com eles, eram poucos. Umas senhoras de bermudas, corajosas militantes. Alguns senhores de manga de camisa. Mas a grande maioria, a entusiasmada maioria, a massa humana, era a garotada. Que belo!

Eram nossos jovens patriotas clamando pela abertura dos arquivos militares, exigindo com seu jeito sem modos, sem luvas de pelica nem punhos de renda e sem vosmecê, que o Brasil tenha a dignidade de dar às famílias dos torturados e mortos ao menos a satisfação de saberem como, de que forma, onde e por quem foram trucidados, torturados e mortos seus entes amados. Pelo menos isso. Não é pedir muito, será que é?

Quando vemos, hoje, crianças brasileiras que somem, se evaporam e jamais são recuperadas, crianças que inspiram folhetins e novelas, como a que esta semana entrou no ar, vendidas num lixão e escravizadas, nós sabemos que elas jamais serão encontradas, pois nunca serão procuradas. Pois o jogo é esse. É esta a nossa tradição. Semente plantada lá atrás, desde 1964 - e ainda há quem queira comemorar a data! A semente da impunidade, do esquecimento, do pouco caso com a vida humana neste país.


E nossos quixotinhos destemidos e desaforados ali diante do prédio do Clube Militar. "Assassino!", "assassino!", "torturador!", gritava o garotinho louro de cabelos longos anelados e óculos de aro redondo, a quem eu dava uns 16 anos, seguido pela menina de cabelos castanhos e diadema, e mais outra e mais outro, num coro que logo virava um estrondo de vozes, um trovão. Era mais um militar de cabeça branca e terno ajustado na silhueta, magra sempre, que tentava abrir passagem naquele corredor humano enfurecido e era recebido com gritos e desacatos. Uma recepção com raiva, rancor, fúria, ressentimento. Até cuspe eu vi, no ombro de um terno príncipe de Gales.

Magros, ainda bem, esses velhos militares, pois cabiam todos no abraço daqueles PMs reforçados e vestidos com colete à prova de balas, que lhes cingiam as pernas com os braços, forçando a passagem. E assim eles conseguiram entrar, hoje, um por um, para a reunião em seu Clube Militar: carregados no colo dos PMs.

Os cartazes com os rostos eram sacudidos. À menção de cada nome de desaparecido ao alto-falante, a multidão berrava: "Presente!". Havia tinta vermelha cobrindo todo o piso de pedras portuguesas diante da portaria do edifício. O sangue dos mortos ali lembrados. Tremulavam bandeiras de partidos políticos e de não sei o quê mais, porém isso não me importava. Eu estava muito emocionada. Fiquei à parte da multidão. Recuada, num degrau de uma loja de câmbio ao lado da portaria do prédio. A polícia e os seguranças do Clube evacuaram o local, retiraram todo mundo. Fotógrafos e cinegrafistas foram mandados para a entrada do "corredor", manifestantes para o lado de lá do cordão de isolamento. E ninguém me via. Parecia que eu era invisível. Fiquei ali, absolutamente sozinha, testemunhando tudo aquilo, bem uns 20 minutos, com eles passando pra lá e pra cá, carregando os generais, empurrando a aglomeração, sem perceberem a minha presença. Mistério.


Até que fui denunciada pelas lágrimas. Uma senhora me reconheceu, jogou um beijo. E mais outra. Pessoas sorriram para mim com simpatia. Percebi que eu representava ali as famílias daqueles mortos e estava sendo reverenciada por causa deles. Emocionei-me ainda mais. Então e enfim os PMs me viram. Eu, que estava todo o tempo praticamente colada neles! Um me perguntou se não era melhor eu sair dali, pois era perigoso. Insisti em ficar, mesmo com perigo e tudo. E ele, gentil, quando viu que não conseguiria me demover: "A senhora quer um copo d'água?". Na mesma hora o copo d'água veio. O segurança do Clube ofereceu: "A senhora não prefere ficar na portaria, lá dentro? ". "Ah, não, meu senhor. Lá dentro não. Prefiro a calçada". E nela fiquei, sobre o degrau recuado, ora assistente, ora manifestante fazendo coro, cumprindo meu papel de testemunha, de participante e de Angel. Vendo nossos quixotinhos empunharem, como lanças, apenas a sua voz, contra as pás lancinantes dos moinhos do passado, que cortaram as carnes de uma geração de idealistas.

A manifestação havia sido anunciada. Porém, eu estava nela por acaso. Um feliz e divino acaso. E aonde estavam naquela hora os remanescentes daquela luta de antigamente? Aqueles que sobreviveram àquelas fotos ampliadas em PB? Em seus gabinetes? Em seus aviões? Em suas comissões e congressos e redações? Será esta a lição que nos impõe a História: delegar sempre a realização dos "sonhos impossíveis" ao destemor idealista dos mais jovens?



Ensino Superior sob ataque


Por Immanuel Wallerstein


Durante muito tempo, existiram no mundo apenas umas poucas universidades. O corpo estudantil total destas instituições era muito pequeno. Este pequeno grupo de estudantes era em grande parte originário das classes mais altas. Frequentar a universidade conferia um grande prestígio e refletia um grande privilégio.

Este quadro começou a mudar radicalmente depois de 1945. O número de universidades começou a expandir-se consideravelmente, e a percentagem de pessoas que frequentavam a universidade começou a crescer. Além disso, não se tratou de uma simples questão de expansão nos países que já tinham universidades importantes. A educação universitária foi lançada num grande número de países que tinham poucas ou nenhuma instituição universitária antes de 1945. O ensino superior tornou-se mundial.

A pressão para a expansão veio de cima e de baixo. De cima, os governos sentiram uma necessidade importante de ter mais licenciados para garantir a sua capacidade de competir nas mais complexas tecnologias essenciais para a expansão explosiva da economia-mundo. E de baixo, grande parcela do extrato médio e mesmo do extrato mais baixo das populações mundiais insistiam em ter acesso ao ensino superior, de forma a melhorar consideravelmente as suas perspetivas económicas e sociais.

A expansão das universidades, notável em tamanho, foi possível graças ao crescimento da economia-mundo depois de 1945, o maior da história do sistema-mundo moderno. Havia muito dinheiro disponível para as universidades, que tinham todo o prazer em usá-lo.

Claro que isto mudou de certa forma os sistemas universitários. As universidades individuais tornaram-se maiores e começaram a perder a qualidade da intimidade que era característica das estruturas menores. A composição de classe do corpo estudantil, e também do docente, evoluiu. Em muitos países, a expansão não só significou uma redução do monopólio das pessoas dos extratos altos como estudantes, professores, administradores, mas também muitas vezes significou que os grupos “minoritários” e as mulheres começaram a ter um acesso mais amplo, que antes fora total ou parcialmente negado.

Este quadro cor-de-rosa começou a passar por dificuldades por volta de 1970. Por um motivo: a economia-mundo entrou numa longa estagnação. E, pouco a pouco, o montante de dinheiro que as universidades recebiam, em grande parte proveniente do estado, começou a diminuir. Ao mesmo tempo, os custos da educação universitária continuaram a subir, e as pressões vindas de baixo no sentido de uma expansão contínua tornaram-se ainda mais fortes. A história, desde então, foi a de duas curvas indo em direções opostas – menos dinheiro e despesas aumentadas.

Quando chegámos ao século XXI, a situação ficou terrível. Como se arranjaram as universidades? Uma das formas foi o que começámos a chamar “privatização”. A maioria das universidades de antes de 1945, e mesmo de antes de 1970, eram instituições estatais. A única exceção significativa foram os Estados Unidos, que tinham um grande número de instituições não-estatais, a maioria das quais evoluíra de instituições de base religiosa. Mas mesmo nestas instituições privadas norte-americanas, as universidades eram geridas como estruturas não-lucrativas.

Em todo o mundo, a privatização começou a significar várias coisas: uma, começaram a existir instituições de ensino superior criadas com o objetivo do lucro. Duas, as instituições públicas começaram a procurar e a obter dinheiro de doadores empresariais, que começaram a intrometer-se no governo interno das universidades. E três, as universidades começaram a procurar registar patentes provenientes de descobertas e invenções que eram fruto do trabalho dos investigadores e da universidade, e assim entraram como operadores na economia, quer dizer, como negócios

Numa situação em que o dinheiro era escasso, ou pelo menos parecia escasso, as universidades começaram a transformar-se em instituições mais semelhantes a empresas. Observou-se este fenómeno de duas formas principais. As posições administrativas de topo das universidades e das suas faculdades, que eram tradicionalmente ocupadas por académicos, começaram a ser ocupadas por pessoas vindas do mundo dos negócios e não da vida universitária. Eles angariavam dinheiro, mas também começavam a estabelecer critérios para o seu uso.

Começaram então a fazer-se avaliações de universidades na sua totalidade e de departamentos universitários em termos de resultados produzidos em relação ao dinheiro investido. Isto podia ser medido pelo número de estudantes que pretendiam seguir estudos particulares, ou por quanto era valorizado o resultado da investigação de dadas universidades ou departamentos. A vida intelectual estava a ser julgada por critérios de pseudo-mercado. Mesmo o recrutamento de estudantes estava a ser medido por quanto dinheiro era carreado através de métodos alternativos de recrutamento.

E, como se isso não fosse suficiente, as universidades começaram a ficar sob os ataques da corrente de extrema-direita anti-intelectual que acha que as universidades são instituições seculares e antirreligiosas. A universidade como uma instituição crítica – crítica dos grupos dominantes e das ideologias dominantes – sempre tinha enfrentado a resistência e a repressão dos estados e das elites. Mas a sua capacidade de sobrevivência sempre encontrou raízes na sua autonomia financeira relativa, baseada no baixo custo real da operação. Esta foi a universidade de ontem, não a de hoje – nem a de amanhã.

Pode-se escrever isto como simplesmente mais um aspeto do caos global no qual estamos a viver. Só que era suposto que o papel das universidades fosse o de serem um dos principais lugares (não evidentemente o único) onde se analisam as realidades do nosso sistema-mundo. É esta análise que pode tornar possível a navegação bem-sucedida nesta transição caótica em direção a uma nova, e oxalá melhor, ordem mundial. De momento, a barafunda dentro das universidades não parece mais fácil de resolver que a barafunda na economia-mundo. E está a receber ainda menos atenção.

Tradução, revista pelo autor, de Luis Leiria para o Esquerda.net


sexta-feira, 30 de março de 2012

Imagens para a História


Papa em Cuba

Autor: Quinho



Revista de História da Biblioteca Nacional censura e demite jornalista


by Aldeia Gaulesa

Acompanho e assino a Revista de História da Biblioteca Nacional há muito tempo. Sempre achei uma revista de boa qualidade. Um fato, no entanto, que a Carta Capital está repercutindo, causou-me profunda revolta e pretendo, inclusive, cancelar a minha assinatura da revista: a censura e demissão de um jornalista devido a uma resenha publicada no site da revista. A resenha em questão foi do livro ‘A privataria tucana’ e escancara uma total falta de critérios e de transparência da publicação.
Se observarmos o histórico de resenhas publicadas na revista, veremos que outros livros que não versam sobre temas da história "stricto sensu" figuraram nas páginas da publicação. Um exemplo grotesco foi do último livro da "brilhante e isenta" Miriam Leitão (que, como todos sabem, é tucana), ou seja, se o problema é vinculação com "opiniões políticas", qual o motivo de tal regra valer apenas para um lado e não para outro?
Alias, este episódio remete para um outro problema conceitual: os editores desta publicação acreditam em "neutralidade" na história? 

Confiram a matéria vinculada na Carta Capital e tirem suas próprias conclusões:


Resenha de ‘A privataria tucana’ causa demissão de jornalista na revista da Biblioteca Nacional
Por Gabriel Bonis

A demissão de dois profissionais da revista de História da Biblioteca Nacional semanas após a publicação de uma resenha favorável ao livro “A Privataria Tucana”, do jornalista Amaury Ribeiro Jr – fato que despertou a ira de parlamentares do PSDB, alvo de denúncias na obra – colocou o veículo no centro de uma polêmica sobre uma suposta intervenção do partido no caso. A demissão foi apontada na imprensa na coluna do jornalista Elio Gaspari, na Folha de S. Paulo, da quarta-feira 28.

Publicado em 24 de janeiro, o texto do jornalista Celso de Castro Barbosa foi alvo críticas de tucanos, que liderados pelo presidente do PSDB, Sérgio Guerra (PE), ameaçaram processar a publicação, editada pela Sociedade de Amigos da Biblioteca Nacional (Sabin) e que da Biblioteca Nacional recebe apenas material de pesquisa e iconografia.
Como resultado, a revista retirou a resenha do ar. “Fui censurado e injuriado”, diz o jornalista em entrevista a CartaCapital.
Barbosa destaca que a remoção do texto ocorreu apenas “após o chilique do PSDB” em 1º de fevereiro, nove dias depois da publicação em destaque na primeira página do site da revista. O motivo seria uma nota divulgada em um jornal carioca, segundo a qual a cúpula do partido estava “possessa” com a revista, tida pela legenda como do governo.
A evidente pressão externa fez com que o jornalista recebesse um chamado do editor-chefe da publicação, Luciano Figueiredo, naquele mesmo dia. “Ele [Figueiredo] disse concordar com quase tudo que havia escrito, mas o Gustavo Franco [ex-presidente do Banco Central no governo FHC] leu, não gostou e resolveu mobilizar a cúpula tucana.”

Para conter o movimento, relata, o editor-chefe se comprometeu a escrever uma nota assumindo a culpa pela publicação do texto. “Eu disse: ‘Culpa de que? Ninguém tem culpa de nada. É uma resenha de um livro.’”
No dia seguinte o diário O Globo destacou a história e um pronunciamento da Sabin a dizer que os textos da revista são analisados pelos editores, mas aquela resenha não havia sido editada. “Subentende-se que publiquei por minha conta”, ironiza Barbosa.
Por outro lado, em matéria publicada na terça-feira 27 no site do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, dois editores da revista, Vivi Fernandes de Lima e Felipe Sáles, desmentem a Sabin e confirmam ter editado a resenha antes da publicação no site.
Críticas a Serra
O texto de Barbosa destaca a vivacidade do jornalismo investigativo no livro e sugere que José Serra esteja “morto”. O ex-governador de São Paulo também é citado como a figura com a “imagem mais chamuscada” pelas denúncias, além de questionar a origem de seu patrimônio. (Leia o texto aqui)
Inconformado com a resenha, Guerra chegou a enviar cartas de protesto à ministra da Cultura, Ana de Hollanda, e a Figueiredo. Outros tucanos alegaram que a publicação era pública, trazia os nomes da presidenta Dilma Rousseff, e de Hollanda no expediente e recebia verba da Petrobrás. Logo, deveria se manter isentada de questões políticas.
Mas Barbosa destaca que a dona da revista é a Sabin. “Uma entidade privada, composta inclusive por bancos.”
O patrocínio, defende, não seria impedimento para a manifestação de opiniões no veículo. “Não está escrito na Constituição que em revista patrocinada pela Petrobras a manifestação contra eventuais adversários do governo é proibida.”
A revista, por outro lado, preferiu divulgar nota pedindo desculpas aos ofendidos pelo texto, além de alegar não defender “posições político- partidárias”.
Em meio ao ocorrido, Barbosa afirma ter sido ameaçado com um processo por Guerra e, após a pressão dos tucanos, seus editores avaliaram que seria menor que trabalhasse em casa.
Devido à situação, o jornalista revela ter questionado o posicionamento de Figueiredo em um email aberto à redação, no qual perguntava sobre a nota que o editor-chefe escreveria em seu apoio. “Ele escreveu uma nota mentirosa e deu para o presidente da Sabin assinar. Depois, em 29 de fevereiro, me demitiu.”
Sobre a reação tucana, Barbosa acredita que o partido poderia ter agido de outra forma. “Vivemos em um país livre e a Constituição me garante o direito à opinião.”
O jornalista se refere a declarações de parlamentares do PSDB, que o chamaram de “servidor público a favor do aparelhamento do Estado”. “Se há algum erro no tom, é deles [tucanos], não meu. Sequer tinha carteira assinada e cumpria jornada sem direito trabalhista.”
Um dos motivos pelo qual Barbosa processa a revista. “Na ação, também peço indenização por danos morais e uma retratação pela nota mentirosa.”
Procurada, a Sabin informou, via nota assinada pelo presidente da instituição, Jean-Louis Lacerda Soares, que “não interfere no conteúdo editorial da revista”, pois a “atribuição relacionada ao conteúdo é do Conselho Editorial”.
A sociedade nega ter sofrido interferência externa nas demissões e diz que o jornalista Celso de Castro Barbosa foi demitido pelo então editor Luciano Figueiredo, por sua vez, dispensado “exclusivamente por razões administrativas.”
A reportagem de CartaCapital também contatou Luciano Figueiredo por meio da assessoria de imprensa da Universidade Federal Fluminense, instituição na qual leciona, e foi informada de que o historiador não poderia dar entrevistas.
Outra tentativa foi realizada por email, mas não houve resposta do professor até o fechamento desta reportagem.


quinta-feira, 29 de março de 2012

Milicos que fizeram o que quiseram, ouvem o que não querem


Dezenas de militares da reserva que assistiram ao debate(?) "1964 - A Verdade" ficaram sitiados no prédio do Clube Militar, na Cinelândia, no centro do Rio, na tarde desta quinta-feira, 29. O prédio foi cercado por manifestantes que impediram o trânsito pelas duas entradas do imóvel.

O evento marcou o aniversário do golpe militar de 1964 e reuniu militares contrários à Comissão da Verdade (por serem eles mesmo criminosos, claro. Ou gente honesta tem medo da Verdade?). Ao fim do evento, eles tentaram sair, mas foram impedidos por militantes do PC do B, do PT, do PDT e de outros movimentos organizados que protestavam contra o evento.

"Tortura, assassinato, não esquecemos 64", gritavam os manifestantes. "Milico, covarde, queremos a verdade", diziam outros. Velas foram acesas na frente da entrada lateral do centenário do Clube Militar, na Avenida Rio Branco, representando mortos e desaparecidos durante a ditadura militar. Homens que saíam do prédio foram hostilizados com gritos de"assassino". Tinta vermelha e ovos foram jogados na calçada, sem atingir ninguém.


Homens do Batalhão de Choque (sob ordens do governador Sérgio Cabral. Ou não?) foram ao local e lançaram spray de pimenta e bombas de efeito moral contra o grupo, que revidou com ovos. Um dos manifestantes foi imobilizado por policiais e liberado em seguida após ser atingido supostamente(?) por uma pistola de choque, e outro foi detido e algemado.

Os militares foram orientados a sair em pequenos grupos por uma porta lateral, na rua Santa Luzia, mas tiveram que recuar por conta do forte cheiro de gás de pimenta que tomou o térreo do clube. A Polícia Militar tenta conter os manifestantes e chegou a liberar a saída de algumas pessoas pela porta principal, mas por medida de segurança voltou a impedir a saída.

Um grupo que saiu sob proteção do Batalhão de Choque da Polícia Militar foi alvo de xingamentos. Os manifestantes também chamaram os militares de "assassinos" e "porcos". Mais tarde, a saída dos militares da reserva foi liberada por meio de um corredor criado por PMs entre o prédio até a entrada do metrô, na estação Cinelândia, a poucos metros do Clube Militar.

Estadão - Jornal que conspirou contra a democracia e apoiou a ditadura do primeiro ao último dia.



Justiça condena Governo FHC. Socorro a Cacciola foi crime

Indenização somaria R$ 8,4 bi. Chico Lopes ironiza decisão e diz que recorrerá

SÃO PAULO e RIO — Após um processo que já dura 13 anos, o juiz Ênio Laércio Chappuis, da 22 Vara Federal do Distrito Federal, condenou por improbidade administrativa e ao ressarcimento de uma soma bilionária aos cofres públicos os principais envolvidos no escândalo que ficou conhecido como “Marka e FonteCindam”. As condenações decorrem de duas ações civis, uma pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), e outra popular, e atingem sete pessoas, entre elas ex-dirigentes do Banco Central, como Francisco Lopes, Cláudio Mauch, Tereza Grossi e Demóstenes Madureira de Pinho Neto, e o ex-banqueiro Salvatore Cacciola, que já havia sido condenado criminalmente e cumpriu pena de prisão.
As sentenças, proferidas no último dia 13, atingem também o Banco Central, a BM&F Bovespa, o BB Banco de Investimentos e o Marka, e determina que os réus terão de ressarcir danos ao erário de cerca de R$ 895,8 milhões, em valores de fevereiro de 1999. O magistrado ainda declarou nula “a operação de socorro feita pelo Banco Central do Brasil ao banco Marka”.
Na esfera criminal, os principais envolvidos no escândalo já foram condenados a penas que variam de seis a 15 anos de prisão, mas aguardam decisão de recursos. No caso de Cacciola, que foi condenado a 13 anos por crime de gestão fraudulenta e desvio de dinheiro público, ele cumpriu três anos e 11 meses de prisão no Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu. Desde agosto do ano passado, ele está em liberdade condicional.
Em comunicado divulgado ontem, a BM&F Bovespa informou que, atualizado, o valor da condenação somaria R$ 7,005 bilhões, que seria acrescido ainda de R$ 1,418 bilhão de multas, totalizando R$ 8,423 bilhões. Segundo a Bolsa, porém, desse total poderiam ser deduzidos cerca de R$ 5,43 bilhões, referentes a “ganhos que o BC obteve em razão da não utilização das reservas”, para socorrer o Marka.
As sentenças não fazem menção a tal compensação, nem informam qual o valor atualizado do ressarcimento a que condenou os réus. Especialistas advertem, no entanto, que esta soma pode ser bem maior que a estimativa da BM&F, podendo superar os R$ 25 bilhões.
Na crise cambial deflagrada em janeiro de 1999 pela mudança do sistema de câmbio no país, quando o regime de bandas fixas deu lugar ao da “banda diagonal hexógena”, o Banco Central saiu em socorro do Marka e do FonteCindam, ao vender dólares a R$ 1,25 para as duas instituições, quando a moeda americana era cotada a R$ 1,30 no mercado. Com a operação, os bancos puderam cobrir as posições vendidas que tinham no mercado futuro de câmbio da Bovespa e escaparam de ser liquidados pelo BC.
Ex-presidente do BC: juiz foi contra avaliação do perito

Na sentença da ação civil pública, de 94 páginas, o juiz Chappuis anexa um bilhete de Cacciola pedindo ajuda a Francisco Lopes, que presidia o BC. Nele, Cacciola trata Lopes na primeira pessoa e diz textualmente: “Preciso da tua ajuda... é muito importante para mim, para você e para o país. Caso você não consiga me receber, preciso de uma, muito maior, interferência sua no sentido do Mauch (diretor de Fiscalização do BC à época) ser menos rigoroso e aceitar a negociação em um preço razoável. O ideal, mesmo assumindo um prejuízo enorme, seria R$ 1,25, porém, está distante da vontade do diretor”.
Sobre o teor dessa correspondência, o juiz acrescenta em sua sentença o seguinte comentário: “Considerando o pronome de tratamento utilizado e tendo em vista que foi dirigido a uma autoridade pública, este bilhete, de fato, revela a existência de uma relação de intimidade entre Cacciola e Francisco Lopes, chegando à promiscuidade”. Procurado para falar sobre a sentença da 22ª Vara Federal, Francisco Lopes ironizou, comentando que “decisões de primeira instância costumam ser midiáticas”:
— As expectativa dos advogados era de que o juiz levaria em conta a avaliação feita pelo perito, que foi favorável aos réus. Mas já que o juiz decidiu ir contra a avaliação feita pelo perito, que ele mesmo nomeou, só nos resta agora recorrer.
Ao justificar a condenação da BM&F Bovespa, o juiz argumenta que “dentro das regras, a BM&F possuía mecanismos de garantia que teriam possibilitado ao banco Marka honrar as suas operações... para evitar prejuízo ao mercado”. E em vez de usar “mecanismos lícitos”, o BC optou por “prestar um socorro ilegal”, que também beneficiava a BM&F, escreveu o juiz. “A BM&F também deve ser responsabilizada uma vez que, por seus agentes, agiu de forma fraudulenta quando do encaminhamento da carta ao BC, além disso também foi beneficiada pelo socorro dado ao banco Marka”.
— A bolsa tem convicção de que não deveria ser incluída como ré no processo, na medida em que foi apenas o local onde a operação foi realizada — disse ontem o presidente da BM&F Bovespa, Edemir Pinto, informando que a instituição recorrerá.
Além da pena financeira, a sentença suspende os direitos políticos dos réus por oito anos e determina a perda dos cargos públicos. E no caso de Claudio Mauch e Tereza Grossi, funcionários aposentados do BC, o juiz estende “a sanção de perda de cargo público às aposentadorias”. Os dois e o advogado de Cacciola não foram encontrados pela reportagem para comentar a sentença.

No O Globo



O Senador Cachoeira


por Leonardo Attuch

Que Vossa Excelência perdoe o chiste, mas o apelido é inevitável: Senador Cachoeira! Primeiro, ficamos escandalizados com a revelação de que o senhor, Catão da República, e também moralista número 1 do Congresso Nacional, é um amigo do peito de um dos nossos maiores contraventores. Mais escandalizados ainda com a sua desculpa de que não sabia que Carlinhos Cachoeira se dedicava a atividades ilegais. Depois, novo espanto com a notícia de que essa amizade fraterna era de copa e cozinha, com direito a fogões trazidos dos Estados Unidos. Quando nada mais podia nos surpreender, surgiram as 298 ligações telefônicas, mais de uma por dia, trocadas com o “professor” no período monitorado pela Polícia Federal. Em seguida, a descoberta de que as conversas eram feitas num rádio Nextel trazido dos Estados Unidos – “esta é a minha vida, este é o meu clube”. E agora, de repente, descobrimos que o senhor, senador Demóstenes Torres, também pediu dinheiro ao bicheiro Carlinhos Cachoeira.

Quer saber se isso nos surpreende? Não. De jeito nenhum. Suas desculpas esfarrapadas é que preparam o terreno para recebermos com naturalidade cada vez maior os fatos novos da Operação Monte Carlo. Se amanhã nos disserem que Cachoeira despachava no seu gabinete, que ele teria financiado sua campanha ao Senado ou que os senhores, além de amigos, eram também sócios, tudo parecerá ser natural. Previsível até. Tão previsível quanto a queda de um moralista no Brasil, terra-mãe de Dercy Gonçalves. Aqui, não há um que resista. E todos os justiceiros que fazem desse método de ação política uma escada para o poder, mais cedo ou mais tarde acabam caindo.

Ocorre que alguns são perdoados. Outros, não. Ensina a sabedoria popular que o povo perdoa o pecador; o pregador, jamais. Então, se vale um conselho, senador Demóstenes, assuma-se como Senador Cachoeira. Defenda a legalização do jogo, apresente bons argumentos (que até existem), mas não tente posar novamente como o único homem probo do Senado, assinando pedidos de CPIs e emparedando adversários com uma moralidade postiça. O povo brasileiro detesta a hipocrisia.

Quanta lama ainda terá que jorrar das cataratas goianas para que o senhor reconheça seus erros e peça desculpas à Nação? Basta dizer a verdade e se assumir como um pecador normal, assim como todos os seus inimigos. É a sua única chance.



Eike Batista, um superpai?



O comportamento do pai de Thor nos leva a refletir sobre o que é a paternidade em nossa época

Eliane Brum

Na noite de sábado, 17/3, Thor Batista, 20 anos, atropelou Wanderson Pereira dos Santos, 30 anos, na rodovia Washington Luís, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. Wanderson morreu na hora. De imediato, Eike Batista, o homem mais rico do Brasil, passou a defender o filho de todas as maneiras – e também no microblog twitter. Com tanta veemência que o humorista Tutty Vasques comentou em sua coluna no Estadão, de 21/3: “Não satisfeito com o lugar de destaque que ocupa na mídia como o homem mais rico do Brasil, o insaciável Eike Batista tem se esforçado um bocado para virar capa de revista como o Pai do Ano em 2012”. A observação é aguda, como costuma ser o humor de qualidade. E é algo que vale a pena pensar: ao defender o filho com os melhores advogados, com assessores de imprensa e com seu próprio discurso público, Eike Batista é mesmo um superpai? O que se espera hoje de um pai, afinal?

Ainda que a maioria tenha acompanhado o noticiário, é importante recordar os principais capítulos e seus protagonistas, antes de seguirmos adiante. Assim como é importante fazer algumas perguntas óbvias sobre a investigação.

Thor é o mais próximo de um príncipe herdeiro que o Brasil atual pode ter: filho do homem mais rico do Brasil e da eterna musa do Carnaval. Como disse Eike Batista (@eikebatista) no twitter: “A mídia e todos vão já já perceber que o Rio tem um Príncipe Harry! O Thor”. Wanderson era ajudante de caminhoneiro e filho de criação de Maria Vicentina Pereira. Thor foi batizado com o nome de um deus nórdico. Ninguém se preocupou em perguntar qual é a origem do nome de Wanderson na mitologia familiar, mas com certeza existe uma história, sempre existe. Thor dirigia um Mercedes SLR McLaren, o mesmo que costumava ser exibido como obra de arte na sala da mansão de sua família. Wanderson, uma bicicleta. Na BR-040, Thor e Wanderson encontraram-se não apenas como dois brasileiros, mas como dois Brasis que raramente se encontrariam de outro modo.

A vontade de condenar Thor, em um país tão desigual como o nosso, sempre pródigo em presentear os mais ricos com a impunidade, é imediata. É necessário, porém, resistir a ela. Ninguém pode ser condenado sem julgamento, sob hipótese alguma. Da mesma forma, pelos mesmos critérios e também pela sobriedade que a morte de uma pessoa exige, Eike Batista deveria ter resistido a condenar Wanderson.

Em suas afirmações na imprensa e no twitter, o pai de Thor apressou-se em culpar o morto pela própria morte. E afirmou que Wanderson poderia ter matado não só a si mesmo, como também seu filho e o amigo que o acompanhava – o que é altamente improvável. Segundo pesquisa citada pela jornalista Maria Paola de Salvo, no Blog do Sakamoto, apenas 0,3% dos motoristas envolvidos em atropelamento com vítima fatal morrem.

Enquanto as investigações não forem concluídas, nenhum de nós – e muito menos Eike – tem o direito de condenar alguém. Até agora, ninguém – nem mesmo Eike – pode afirmar se a morte de Wanderson foi fatalidade ou homicídio. Até agora, ninguém – nem mesmo Eike – pode declarar se a morte de Wanderson é responsabilidade exclusiva da vítima, é responsabilidade exclusiva de Thor ou é responsabilidade de ambos.

Infelizmente para todos, já pairam dúvidas sobre as investigações. É difícil entender, por exemplo, por que um carro envolvido em uma morte está na casa de Thor, o investigado – e não nas dependências da polícia. Depois da perícia feita no local, o carro foi liberado. As demais diligências seriam feitas na mansão do Jardim Botânico. “No dia seguinte, meu advogado me informou que havia sido feita a perícia do carro no local do acidente, e que o carro teria sido liberado pela PRF para que pudéssemos trazê-lo para casa, garantindo deixá-lo intacto”, afirmou Thor.

Segundo o próprio Thor relata na conta no twitter que criou para dar sua versão dos fatos, ele primeiro foi para casa, onde seria atendido pelo médico da família, e só depois, por iniciativa própria, foi a um posto da Polícia Rodoviária Federal próximo ao local do acidente para se submeter ao bafômetro e demais procedimentos exigidos em um caso de atropelamento com vítima fatal. O exame deu negativo para a presença de álcool, ao contrário do resultado de Wanderson, que revelou um índice elevado de álcool no sangue.

Se Thor não fugiu do local – o que não é um ato louvável, como seu pai quer convencer a opinião pública que é, mas uma obrigação –, por que a polícia não fez o que devia fazer, na hora em que devia fazer, por sua própria iniciativa? A conta de Thor no twitter é esta: @Thor631. Nela, é narrada sua versão da cronologia dos fatos. Pensado para defendê-lo e escrito com método, o relato revela mais do que gostaria.

É uma pena que as partes nebulosas darão, mais uma vez, algum grau de legitimidade às dúvidas sobre a lisura do inquérito policial, mesmo depois da sua conclusão – ou de seu arquivamento. Para o futuro em aberto de Thor, pelo futuro interrompido de Wanderson e para o Brasil, um país partido pela impunidade dos poderosos, seria fundamental que a polícia e o Estado demonstrassem total correção e transparência ao investigar uma morte que envolve o filho do homem mais rico da nação.
A condenação prévia de Thor nas redes sociais e nas conversas de bar deve-se não apenas à raiva que parte da população teria dos ricos e poderosos, ou à tendência de se colocar ao lado dos mais fracos, mas também à percepção legítima de que os atos criminosos dos ricos e poderosos permanecem impunes. A pressa em acusar e condenar Thor não demonstra apenas histeria ou irresponsabilidade das “massas”, ou mesmo “inveja”, como chegou a ser dito, mas a ansiedade de fazer uma justiça que temem, com todas as razões históricas e objetivas para isso, que não seja feita por quem tem o dever constitucional de fazê-la. Seria, nesse sentido, uma espécie de antecipação e compensação pela justiça que não acreditam que aconteça. E aqui me limito a analisar o fenômeno – e não a defendê-lo.

Quem é Thor, o filho de Eike Batista? Seu perfil é fascinante e quase obrigatório para compreender o Brasil atual. Basta procurar no Google para encontrar pelo menos uma matéria exemplar sobre sua vida, seus hábitos e seus pensamentos. Aqui, vou me deter apenas em quem é Thor como motorista. Em seu prontuário no Detran constam 51 pontos e 11 multas, parte delas causada por excesso de velocidade. Thor deveria ter perdido a carteira de habilitação por isso, mas não a perdeu. Se a tivesse perdido, como determina a lei, talvez não estivesse dirigindo na noite daquele sábado, e Wanderson possivelmente não estaria morto. Thor ama carros, velocidade e potência. Como declarou em uma entrevista anterior ao acidente, ele já teve um Aston Martin: “Trouxe de São Paulo e fiz 280 quilômetros por hora na Dutra”.

Segundo o colunista Ancelmo Gois, do jornal O Globo, em 27 de maio de 2011, a bordo de um Audi placa EBX 0001, Thor atropelou um homem de 86 anos, também em uma bicicleta, na Barra da Tijuca, no Rio. Thor prestou socorro, e sua família pagou todas as despesas médicas. A vítima fraturou o acetábulo (parte da bacia onde a cabeça do fêmur se encaixa) e teve de colocar duas placas e cinco parafusos, além de se submeter à fisioterapia, à hidroterapia e a sessões com psicólogo para superar o trauma. Em entrevista à coluna de Ancelmo Gois, um dos filhos da vítima afirmou não ter registrado queixa nem pedido indenização: “Estávamos preocupados em salvar nosso pai, que também não queria confusão”.

No dia seguinte à publicação, a vítima, José Griner, hoje com 87 anos, manifestou-se através de uma nota na qual afirma que nem ele nem Thor tiveram culpa: “Houve uma colisão que envolveu a lateral do carro dele e a roda dianteira da minha bicicleta”. Disse mais: “Ele agiu com lisura e deu suporte à minha recuperação”. Que tudo isso nos faz pensar na excelência do “gerenciamento de crise”, faz. Mas o que podemos afirmar é que, em menos de um ano, Thor exibe uma estatística incomum como motorista: atropelou dois ciclistas. Um sobreviveu, o outro não.

Qual é o papel de um pai em um momento crucial como este? Não há resposta fácil para isso, mas há muitas perguntas que podem ser feitas. E essas perguntas são pertinentes porque a defesa imediata e veemente que Eike Batista fez publicamente do filho ilustram bem o que hoje se acredita ser o papel de um pai.
Um pai – ou um superpai – seria aquele que defende o filho contra tudo e contra todos, tenha ele ou não razão – e mesmo que ele já tenha 20 anos e seja moral e legalmente responsável por seus atos. Um pai – ou um superpai – afirma a inocência do filho e usa todos os recursos para convencer a opinião pública dela, mesmo que ele não possa garanti-la, já que ninguém ainda pode. Um pai – ou um superpai – usará todos os meios de que dispõe para impedir que o filho seja punido, mesmo se for provado que ele merece a punição.

Pelo comportamento público de Eike Batista, me parece que ele acredita com sinceridade que esta é a função de um bom pai – ou mesmo de um superpai, já que, pelo que tem demonstrado em sua trajetória de vida, ele não aceitaria nada menos do que ser um supertudo. No twitter, ele assim definiu seu desempenho: “Vou defender como um Leão! Tenho certeza que todo Pai que ama seu Filho faria o mesmo!”. É interessante observar as palavras escolhidas por ele para colocar em maiúsculas.
O cotidiano mostra que Eike Batista está longe de estar sozinho em sua crença sobre a educação de um filho – e a postura de um pai. Tenho certeza de que muitos leitores aqui compartilham da visão de Eike sobre a paternidade e acham sua defesa e suas ações dignas dos maiores elogios – e fariam o mesmo pelos seus filhos se tivessem a infelicidade de se encontrar em situação semelhante. Esses mesmos leitores afirmariam que isso é prova de amor verdadeiro – que só um superpai pode dar.
Será?

Tenho dúvidas. E me arrisco a discordar não só como mãe, mas como cidadã que tem de conviver com os filhos desses pais em todas as esferas da sociedade. Já havia me surpreendido com a atitude da mãe do menino que, em fevereiro, atropelou e matou com um jet ski Grazielly Lames, de 3 anos, que construía castelos de areia na praia de Bertioga, no litoral paulista. Segundo o advogado da família, o adolescente de 13 anos correu para a casa em que estavam hospedados em busca de orientação da mãe. Em vez de voltar e prestar socorro, junto com o filho menor de idade, dando o exemplo do que uma pessoa decente deve fazer, a mãe preferiu fugir com o garoto. A tese da defesa é a de que o adolescente não dirigia o jet ski, “apenas” o ligara. Ou seja, o menino não teria nenhuma responsabilidade e, se tudo der certo do ponto de vista do que os pais desse menino entendem por dar certo, seu filho não será punido pelo fim da vida de uma criança.
Os casos guardam diferenças. Mas também semelhanças. Tanto para a mãe do adolescente do jet ski, quanto para o pai de Thor, a proteção de filhos que podem ser responsáveis pelo fim de uma vida parece ser uma preocupação acima de todas as outras. Ambos já decretaram previamente a inocência dos respectivos filhos antes que ela fosse provada. Pode ser que a inocência seja mesmo provada, em um ou em ambos os casos, mas nenhum deles poderia tê-la garantido antes de a investigação ser concluída.

Vivemos numa época em que se acredita que, ao dar limite para um filho, estamos comprometendo seu projeto de felicidade. E o que é entendido como felicidade? Ter tudo, ter gozo ilimitado. Qualquer imprevisto nesse percurso deve ser apagado, custe o que custar, para não virar trauma – e, assim, comprometer o futuro do filho, que deve passar pela vida sem ser marcado pela vida. Deve fazer marca na história, mas não ser marcado por ela. Neste cálculo, não são admitidos erros, covardias, irresponsabilidades, deslizes, excessos.... máculas.

Na biografia futura de Thor Batista, que, como seu pai já disse, espera-se que supere a sua em feitos, as máculas devem ser apagadas. Se existirem máculas, é necessário “ligar o dispositivo de administração de crise” – e eliminá-las da linha do tempo. Se alguém errou, foi sempre o outro. Para ter certeza disso não é preciso nem apurar os fatos: o filho de um superpai é automática e previamente inocente. E não acho que essa mentalidade pertence apenas aos mais ricos, apenas que eles têm recursos para garantir essa inocência – e os mais pobres, raramente.

É legítimo fazer algumas perguntas – que podem ser propostas tanto para Eike Batista como para nós mesmos. Se seu filho já atropelou uma pessoa, será que o melhor é emprestar a ele um dos carros mais velozes do mundo? Se seu filho tem 11 multas e 51 pontos na carteira de habilitação, será que você deveria permitir que ele dirigisse o seu carro, mesmo que o Detran não tenha cumprido seu dever e suspendido a licença? Se seu filho atropelou alguém e essa pessoa morreu, não seria o caso de silenciar até que os fatos fossem esclarecidos, ainda que fosse por respeito à enormidade do que é a morte de um ser humano? O que cada um de nós faria nessa situação? E por quê?

Acho que é uma situação muito dura para qualquer pai – ou mãe. É duro dizer a um filho que ele errou. Em qualquer escala – e muito mais em uma escala dessa envergadura. É duríssimo. Mas é necessário. Não é fácil ser pai ou mãe exatamente porque a educação se dá nas escolhas difíceis. Educar é, em grande parte, ensinar aos filhos que eles são responsáveis pelos seus atos, dos mais simples aos mais complexos – e devem responder por eles. Mesmo que tudo o que gostaríamos, como pais amorosos, fosse voltar no tempo e apagar o passado.

Penso que um pai ou uma mãe deve se colocar ao lado do filho não para absolvê-lo, mas para apoiá-lo enquanto ele assume as consequências dos seus atos. Você errou, vai responder por seus erros, e eu vou estar ao seu lado. Ou: não sabemos se você errou, então vamos aguardar a apuração dos fatos. Se for concluído que você não errou, ótimo, mas mesmo assim uma pessoa morreu e é preciso lidar com essa tragédia. Ou: se for concluído que você errou, você vai responder pelos seus erros como a lei determina e um cidadão decente deve fazer, e eu vou ajudá-lo a seguir em frente apesar e a partir disso, aprendendo com a tragédia e não a esquecendo.
A revolta da opinião pública levou a muitas ironias – entre elas, as com o nome de Thor, o deus nórdico do trovão. Eike Batista seria uma versão contemporânea de Odin, o pai de Thor na mitologia, já que em nossa época é o dinheiro que concede algo próximo a uma divindade terrena. Nesse sentido, é curioso lembrar que nas histórias em quadrinhos inspiradas na mitologia nórdica, Odin expulsou Thor de Asgard. Thor, então um jovem arrogante e impulsivo, em uma de suas aventuras adolescentes invadira o reino dos gigantes de gelo, rompendo o tratado selado por Odin. A honra do pai e sua autoridade entre os deuses dependiam de punir exemplarmente o filho, que com suas ações havia prejudicado a todos e comprometido a segurança de Asgard.

Thor foi enviado para a Terra – um exílio que significava punição e aprendizado. Ao expulsar Thor, Odin disse a ele: “Tu és o filho favorito de Odin! Além de valente e nobre, tua alma é imaculada! Mas ainda assim és incompleto! Não tens humildade! Para consegui-la deverás conhecer a fraqueza… sentir dor! E para isso necessitas deixar o Reino Dourado e despir-te de tua aparência divina! A Terra, lá aprenderás que ninguém pode ser verdadeiramente forte se, em realidade, não for humilde! Por um tempo não mais serás o Deus do Trovão! A tua memória também tirarei! Agora, vai! Uma nova vida te espera!". Thor transformou-se então em um mortal chamado Donald Blake, médico talentoso mas manco. Até que aprendesse o dom da humildade e estivesse apto a cumprir seu destino.
Por que vale a pena lembrar esse episódio? Porque este é o Thor de Stan Lee, o grande criador da Marvel Comics. E Stan Lee é um homem nascido em 1922, que criou o seu deus do trovão no início da década de 60. Ao tecer o enredo, Lee revela a mentalidade da sua época. E nos mostra como a paternidade – e o que se compreendia como amor e como obrigação de um pai – já foi diferente. Nos lembra, portanto, que a construção da paternidade é cultural. E, portanto, mutante.
Acredito valer a pena pensar sobre o que é ser pai hoje. E que tipo de consequências essa ideia de paternidade, tão bem ilustrada na relação de Eike Batista com seu Thor da vida real, acarreta para a sociedade como um todo. Este episódio nos leva a várias vertentes de reflexão – e uma das mais interessantes é a nossa relação com os limites na educação de um filho.

Tenho muito cuidado em tocar em assuntos que envolvem tanta dor. Acho que testemunhar a morte de um ser humano – sendo ou não responsável por ela – é uma experiência devastadora, que deixa marcas profundas, para além da punição legal. Mesmo atropelar um homem de 80 anos e machucá-lo deve ser terrível. Não sei como é estar na pele de Thor. Tentei descobrir pelo twitter como ele se sentia em sua humanidade.

Primeiro, percebi que Thor estava mais preocupado em garantir sua inocência, provar a culpa do morto e nos convencer da correção de seus atos, assegurando também o apoio material à família da vítima. Depois, na sexta-feira, 23/3, descobri que já tinha mudado de assunto. Thor estava dando a fãs no twitter o que chamou de “dica de endocrinologia do dia”: “Eu recomendo o uso da cabergolina (Dostinex) para baixar a prolactina. Comece com 0,25 mg por semana, por 4 semanas, e dose no sangue”, é um dos tuites. Na sexta-feira, copiei toda a página, como material de pesquisa para esta coluna. Pouco antes de publicá-la, voltei a entrar na sua conta de twitter e constatei que o post reproduzido acima havia sido apagado. Os demais permanecem lá.

Depois de prescrever uma receita que só um médico poderia, sugerindo inclusive a dose, para seus milhares de seguidores, imagino que alguém o tenha alertado que a postagem era irresponsável e indevida. Thor então escreveu: “Meus comentários sobre endocrinologia são inúteis. Não sou médico, não posso recomendar nada. Apenas gosto de botar para fora conhecimento”.

Em todo o episódio – trágico de várias maneiras, e de algumas outras que ainda vamos testemunhar – me chamou a atenção – positivamente – o silêncio de Luma de Oliveira, a mãe de Thor. Justamente ela, a celebridade, a ex-modelo, a musa do Carnaval, aquela que tudo expôs de si mesma. Procurada por repórteres, Luma pouco falou. Disse ao jornal O Globo, na sexta-feira 23/3: “Este não é o momento de dar entrevista. É o momento de sentimentos, de solidariedade”. Posso estar sendo ingênua, e a sobriedade de Luma seja apenas mais um cálculo, mas penso que a mãe de Thor estava sendo sincera.

Thor afirmou no twitter: “A frase que mais admiro é ‘The truth sets you free’. Author: Jesus”. Imagino que a original tenha sido pronunciada em aramaico, mas a tradução da frase postada por Thor seria: “A verdade vos liberta”. É possível. Mas talvez pai e filho um dia descubram, ainda que em seus pesadelos noturnos, naqueles que não se pode controlar mesmo sendo um superpai ou um superfilho, que a verdade é uma criatura complexa e que pode levar a territórios imprevisíveis. Ela pode libertar, sim – mas dificilmente sem dor. E dificilmente sem um profundo e corajoso olhar para dentro.



ELIANE BRUM

iEliane Brum, jornalista, escritora e documentarista.Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de um romance - Uma Duas (LeYa) - e de três livros de reportagem: Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo). E codiretora de dois documentários: Uma História Severina e Gretchen Filme Estrada. elianebrum@uol.com.br
@brumelianebrum (Foto: ÉPOCA).


Comentário do Senhor C.:

- Enquanto isso, num rincão qualquer, outro pai - desta vez, pilhando seu filho publicando na internet palavras nada lisongeiras e até ameaçadoras contra uma professora por ter-lhe prescrito um trabalho escolar do qual discordava - não teve qualquer dúvida: fez o filho pedir desculpas públicas na própria escola e numa publicação de jornal e suspendeu a conta na rede social em que o filho cometeu o ato impensado.

A refletir se dada a gravidade do caso - e mesmo diante do fato de que ninguém é previamente culpado ou inocente, antes de que a Justiça se pronuncie - este exemplo (pequena gota de orvalho diante do oceano de outros) não nos convida a pensar sobre o que faz do pai um pai? A condescendência ou a firmeza com suavidade? A omissão ou a presença intimidadora do exemplo e da correção de mal-feitos?

quarta-feira, 28 de março de 2012

Uma música com carinho para o STF: Tom Zé




O Pib da Pibe
Tom Zé

Catorze, catorze anos,
Doze anos, doze anos

Imagine um gringo daquele tamanho
Em cima da criança pobre nordestina,
Sufocada, magricela, seca, pequenina,
Ah, nossa senhora minha

O pib da pib que pimba no seco
Pimba no molhado
Pimba no seco saco seco
Peixe badesco na filha dos outros é refresco

Ô senhora, mãe senhora,
Nessa hora olha pra tua menina, senhora

A prostituição infantil barata
É a criança coitadinha do nordeste
Colaborando com o produto interno bruto
E esse produto enterra bruto

Refrão: que dor, que dor
Que suja a bandeira
Oi, essa quebradeira
Oisquindô - lalá

Catorze, catorze anos,
Doze anos, doze anos


STJ institucionaliza a prostituição infantil


A relatora do caso, ministra Maria Thereza de Assis Moura

Luis Nassif

A decisão do STJ institucionaliza no país a prostituição infantil. Ao considerar que não havia crime de estupro do adulto que pagou pelos serviços sexuais de uma criança de 14 anos, institui o vale-tudo sexual.

Essa tragédia é de responsabilidade direta da demanda, dos adultos que pagam pelos serviços sexuais das crianças. Há uma dimensão cultural nesses abusos, especialmente em regiões menos desenvolvidas. Trata-se de pedofilia sim, em cima de crianças socialmente indefesas.

A maneira de coibir é punir, assim como se faz com o turismo sexual.O STJ alega que precisa se curvar aos dados da realidade e que se a criança praticava prostituição, foi sexo consentido.

Os dados da realidade indicam que a impunidade dos adultos é o principal combustível para a prostituição das crianças. O STJ sancionou uma doença social.



DENÚNCIA: Veja envolvida no golpe que tentou derrubar Lula

“Cachoeira e Demóstenes armaram o mensalão”



Quem diz é o ex-prefeito de Anápolis (GO) Ernani de Paula, que conviveu com os dois; ele foi amigo do contraventor e sua mulher Sandra elegeu-se suplente do senador do DEM em 2002; “Cachoeira filmou, Policarpo publicou e Demóstenes repercutiu”, disse ele ao 247

Marco Damiani _247 – O Mensalão, maior escândalo político dos últimos anos, que pode ser julgado ainda este ano pelo Supremo Tribunal Federal, acaba de receber novas luzes. Elas partem do empresário Ernani de Paula, ex-prefeito de Anápolis, cidade natal do contraventor Carlinhos Cachoeira e base eleitoral do senador Demóstenes Torres (DEM-GO).

Estou convicto que Cachoeira e Demóstenes fabricaram a primeira denúncia do mensalão”, disse o ex-prefeito em entrevista ao 247. Para quem não se lembra, trata-se da fita em que um funcionário dos Correios, Maurício Marinho, aparece recebendo uma propina de R$ 5 mil dentro da estatal. A fita foi gravada pelo araponga Jairo Martins e divulgada numa reportagem assinada pelo jornalista Policarpo Júnior. Hoje, sabe-se que Jairo, além de fonte habitual da revista Veja, era remunerado por Cachoeira – ambos estão presos pela Operação Monte Carlo. “O Policarpo vivia lá na Vitapan”, disse Ernani de Paula ao 247.

O ingrediente novo na história é a trama que unia três personagens: Cachoeira, Demóstenes e o próprio Ernani. No início do governo Lula, em 2003, o senador Demóstenes era cotado para se tornar Secretário Nacional de Segurança Pública. Teria apenas que mudar de partido, ingressando no PMDB. “Eu era o maior interessado, porque minha ex-mulher se tornaria senadora da República”, diz Ernani de Paula. Cachoeira também era um entusiasta da ideia, porque pretendia nacionalizar o jogo no País – atividade que já explorava livremente em Goiás.

Segundo o ex-prefeito, houve um veto à indicação de Demóstenes. “Acho que partiu do Zé Dirceu”, diz o ex-prefeito. A partir daí, segundo ele, o senador goiano e seu amigo Carlos Cachoeira começaram a articular o troco.

O primeiro disparo foi a fita que derrubou Waldomiro Diniz, ex-assessor de Dirceu, da Casa Civil. A fita também foi gravada por Cachoeira. O segundo, muito mais forte, foi a fita dos Correios, na reportagem de Policarpo Júnior, que desencadeou todo o enredo do Mensalão, em 2005.

Agora, sete anos depois, na operação Monte Carlo, o jornalista de Veja aparece gravado em 200 conversas com o bicheiro Cachoeira, nas quais, supostamente, anteciparia matérias publicadas na revista de maior circulação do País.

Até o presente momento, Veja não se pronunciou sobre as relações de seu redator-chefe com o bicheiro. E, agora, as informações prestadas ao 247 pelo ex-prefeito Ernani de Paula contribuem para completar o quadro a respeito da proximidade entre um bicheiro, um senador e a maior revista do País. Demonstram que o pano de fundo para essa relação frequente era o interesse de Cachoeira e Demóstenes em colocar um governo contra a parede. Veja foi usada ou fez parte da trama?



Silêncios denunciam imprensa no caso Demóstenes


Marcelo Semer
Terra Magazine


Demóstenes Torres é promotor de justiça. Foi Procurador Geral da Justiça em Goiás e secretário de segurança do mesmo Estado.
No Senado, é reputado como um homem da lei, que a conhece como poucos. Além de um impiedoso líder da oposição, é vanguarda da moralidade e está constantemente no ataque às corrupções alheias. A mídia sempre lhe deu muito destaque por causa disso.

De repente, o encanto se desfez.
O senador da lei e da ordem foi flagrado em escuta telefônica, com mais de trezentas ligações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, de quem teria recebido uma cozinha importada de presente.

A Polícia Federal ainda apura a participação do senador em negócios com o homem dos caça-níqueis e aponta que Cachoeira teria habilitado vários celulares Nextel fora do país para fugir dos grampos. Um deles parou nas mãos de Demóstenes.

Há quase um mês, essas revelações têm vindo à tona, sendo a última notícia, um pedido do senador para que o empresário pagasse seu táxi-aéreo.
Mesmo assim, com o potencial de escândalo que a ligação podia ensejar, vários órgãos de imprensa evitaram por semanas o assunto, abrandando o tom, sempre que podiam.

Por coincidência, são os mesmos que se acostumaram a dar notícias bombásticas sobre irregularidades no governo ou em partidos da base, como se uma corrupção pudesse ser mais relevante do que outra.
Encontrar o nome de Demóstenes Torres em certos jornais ou revistas foi tarefa árdua até para um experiente praticante de caça-palavras, mesmo quando o assunto já era faz tempo dominante nas redes sociais. Manchetes, nem pensar.

Avançar o sinal e condenar quando ainda existem apenas indícios é o cúmulo da imprudência. Provocar o vazamento parcial de conversas telefônicas submetidas a sigilo beira a ilicitude. Caça às bruxas por relações pessoais pode provocar profundas injustiças.
Tudo isso se explica, mas não justifica o porquê a mesma cautela e igual procedimento não são tomados com a maioria dos "investigados" - para muitos veículos da grande mídia, a regra tem sido atirar primeiro, perguntar depois.

Pior do que o sensacionalismo, no entanto, é o sensacionalismo seletivo, que explora apenas os vícios de quem lhe incomoda. Ele é tão corrupto quanto os corruptos que por meio dele se denunciam.
Todos nós assistimos a corrida da grande imprensa para derrubar ministros no primeiro ano do governo Dilma, manchete após manchete. Alguns com ótimas razões, outros com acusações mais pífias do que as produzidas contra o senador.

Não parece razoável que um órgão de imprensa possa escolher, por questões ideológicas, empresariais ou mesmo partidárias, que escândalo exibir ou qual ocultar em suas páginas. Isso seria apenas publicidade, jamais jornalismo.
Durante muito tempo, os jornais vêm se utilizando da excludente do "interesse público" para avançar sinais na invasão da privacidade ou no ataque a reputações alheias.

A jurisprudência dos tribunais, em regra, tem lhes dado razão: para o jogo democrático, a verdade descortinada ao eleitor é mais importante do que a suscetibilidade de quem se mete na política.
Mas onde fica o "interesse público", quando um órgão de imprensa mascara ou deliberadamente esconde de seus leitores uma denúncia de que tem conhecimento?

O direito do leitor, aquele mesmo que fundamenta as imunidades tributárias, o sigilo da fonte e até certos excessos de linguagem, estaria aí violentamente amputado.

Porque, no fundo, se trata mais de censura do que de liberdade de expressão.


Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia. Coordenador de "Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de "Crime Impossível" (Malheiros) e do romance "Certas Canções" (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo.

A culpa não é do SUS




A reportagem veiculada pelo programa Fantástico, da Rede Globo, no domingo, dia 18 de março corrente, indubitavelmente choca pela contundência ao exibir imagens explícitas de corrupção ativa e passiva. A prática da corrupção permeia a vida pública e privada brasileira, em todos os seus escalões e níveis, sendo até agora infensa a qualquer tipo de abordagem saneadora, constituindo uma verdadeira praga. É impossível outra atitude que não a de repúdio ao que foi mostrado.

Apesar de deixar claro o repúdio mais absoluto a essa excrescência, a corrupção, que assola a vida nacional, a reportagem veiculada pelo Fantástico e longamente repercutida dia a dia pela Rede Globo, suscita algumas considerações que, embora se refiram a aspectos muito sutis – que se não forem devidamente considerados redundariam em provocações gratuitas –, não podem passar despercebidas. O primeiro aspecto é quanto à ética e à legalidade de uma reportagem concretizada em tais condições.

No entanto, não se pode esquecer que liberdade de imprensa implica compromisso com a legalidade, com a ética, e pede, em contrapartida, responsabilidade. É defensável que um repórter, com o suporte de uma empresa de comunicação de indiscutível competência e ampla penetração na vida brasileira, assuma uma personalidade falsa para obter informações, ainda que seja sobre tema de alta relevância para o aprimoramento da vida nacional? Os fins perseguidos justificam a utilização desses meios? É correto recorrer à falsidade ideológica para tal objetivo? Esse tipo de imprensa deve ser incentivado, suportado e defendido como efetivo exercício de liberdade profissional?

Outra consideração que não pode deixar de ser evidenciada tem a ver com o gestor do hospital público, cenário dos lamentáveis flagrantes registrados pelas câmaras da televisão. O que teria levado o médico Edimilson Migowski a permitir que a operação tivesse lugar na instituição sob o seu comando, o Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG), da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)? O que levaria esse gestor a dar a sua cara a tapa, expondo, na tela da televisão, a sua incompetência para enfrentar a corrupção em curso entre os seus subordinados? Será de fato incompetência ou inapetência para enfrentar o desafio? Que subordinados são esses, e que poder maior que o do diretor os sustenta, para consumar os seus atos de corrupção: respaldo político ou qualquer outra forma espúria de poder que o diretor não pudesse encarar pelos meios oficiais?

Será que esse gestor é tão ingênuo que não considerou um dado irretorquível: o de que ele é conivente com os fatos ocorridos nos porões da sua instituição e que vai responder por eles, na sua qualidade de funcionário público e de cidadão brasileiro? O fato de haver apoiado a estratégia da reportagem configura dois crimes: incentivo ao exercício da falsidade ideológica e conivência com os atos que certamente vinham ocorrendo, desde antes da reportagem, sem que fosse capaz de denunciá-los. De pronto, ele agrediu o Estatuto do Funcionário Público, que não permite a qualquer gestor investir na qualidade de servidor alguém que de fato não o é, permitindo que pratique, em nome da instituição, atos que seriam exclusivos de alguém que fosse concursado ou, no mínimo contratado para o posto pelo regime das leis trabalhistas. O suposto responsável pelas compras era um estranho ao meio funcional. Seria o mesmo que ele permitisse que um falso médico praticasse cirurgias, pondo em risco a vida de outrem, para averiguar irregularidades nas práticas atinentes a um centro cirúrgico.

Também produz estranheza que o segmento escolhido para exemplificar a corrupção tenha sido a saúde pública. Por que motivo isso teria ocorrido, quando há muitos outros, com potencial financeiro infinitamente maior, por movimentarem recursos astronômicos e que são recorrentes, na própria mídia, como indiscutivelmente dados à prática da distribuição de largas propinas, que têm produzido não poucos casos de enriquecimento ilícito fantásticos? O alvo secundário terá sido agredir as políticas públicas de saúde, desvalorizando-as mais do que já estão junto à opinião pública, como forma de favorecer a medicina privada, que cresce a olhos vistos no país, a custa dos preços absurdos dos planos médicos e dos repasses de recursos públicos?

Diante da péssima distribuição de riquezas aqui registrada e da consequente penúria de grande parcela da população nacional, promover políticas públicas de saúde ainda constitui providência de primeira necessidade. É uma compensação para os menos favorecidos. E o Brasil consagrou esse princípio, com base na sua lei maior, a Constituição Federal e em outros dispositivos voltados para assegurar um mínimo de dignidade humana no acesso à saúde dos brasileiros mais carentes.

A maneira pela qual se configurou esse atendimento se traduziu no Sistema Único de Saúde (SUS), que vem sendo bombardeado por todos os lados por seus inimigos. Então, por que exterminá-lo? É uma dívida social e há que ser paga. Portanto, atacar o SUS, tentar bombardear a sua estrutura é um desserviço e a sua concretização fará o país mergulhar em problemas ainda maiores do que os hoje enfrentados.

O SUS hoje é integrado, em todo o país por 6.500 hospitais. Desses, 48% pertencem à iniciativa privada, que recebem perto da metade dos repasses federais para estados e municípios, atualmente, segundo o próprio O Globo, em editorial no dia 21 de março último, da ordem de R$ 175 bilhões, oriundos dos impostos pagos pelos cidadãos. Não será ele também indício de uma corrupção mais aguda e mais profunda do que aquele mostrado na reportagem encenada no IPPMG? Parece que voltamos ao ponto de partida: a corrupção não pode ser analisada no varejo. É coisa do atacado.


Mário Augusto Jakobskind
É correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE Direto da Redação

terça-feira, 27 de março de 2012

O que o Demóstenes vai dizer agora?



Demóstenes Torres/ABr

Ricardo Kotscho


Até o momento, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) não subiu à tribuna nem deu qualquer explicação para responder às mais recentes denúncias sobre o seu envolvimento com o contraventor Carlinhos Cachoeira, mas já entregou ao presidente do DEM, José Agripino Maia, uma carta em que renuncia à liderança do partido.

"A fim de que eu possa acompanhar a evolução dos fatos nos últimos dias, comunico a Vossa Senhoria que estou deixando a liderança do partido", diz a mensagem do senador.

***
É grande a expectativa em Brasília sobre o que vai dizer agora à tarde o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), após a saraivada de denúncias contra ele que pipocaram na imprensa nos últimos dias sobre as suas ligações com o notório contraventor Carlinhos Cachoeira.

Apenas uma semana atrás, Demóstenes subiu à tribuna do Senado com pompa e circunstância para se mostrar ofendido, indignado, injuriado com as insinuações de que ele possa ter feito algo de errado além de manter uma desinteressada amizade com o bicheiro, que agora está hospedado num presídio de segurança máxima.

Condoídos com a situação do colega, 44 senadores pediram apartes _ todos eles para se solidarizar com Demóstenes e elogiar as suas qualidades de homem público. Ninguém lhe perguntou sobre o teor das quase 300 conversas telefônicas que manteve com Cachoeira e os ricos presentes de casamento que este lhe ofertou.

Depois disso, ficamos sabendo que Demóstenes pediu dinheiro ao amigo, encarregou-o de pagar as despesas de seu táxi-aéreo e até da suspeita de participação nos lucros do jogo do bicho _ logo ele, o senador que se apresentava como o último varão honesto da República, valente acusador de ministros, defensor implacável da moralidade pública.

A situação de Demóstenes Torres se agravou tanto na última semana que agora até o DEM está pensando em expulsá-lo do partido, caso o procurador-geral Roberto Gurgel se decida finalmente a pedir a abertura de inquérito sobre o envolvimento do senador com o "empresário de jogos" Carlinhos Cachoeira.

Acontece que Gurgel não parece mostrar a mínima pressa para cumprir sua tarefa, já que tem conhecimento das investigações da Polícia Federal desde 2009 e não se manifestou ainda depois que a operação Monte Carlo pegou a quadrilha acusada de explorar máquinas caça-níqueis, quando apareceu a ligação de Demóstenes com Cachoeira.

Pelas declarações dadas por senadores nesta segunda-feira em Brasília, parece que o impoluto senador goiano perdeu sua base de sustentação. Senadores, como Pedro Taques (PDT-MT), que antes o defendiam, pediram que ele faça um novo pronunciamento.

"O caso é grave. Esta Casa não terá moral para convidar, intimar qualquer cidadão a depor se nós não ouvirmos os esclarecimentos do senador", cobrou Taques. Vai falar o quê agora, se é que vai falar?

A sua defesa agora se limita ao novo líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), e ao advogado criminalista Antonio Carlos de Alemida Castro, o Kakai.

Braga mostrou-se surpreso com a possibilidade de Demóstenes sofrer um processo no Conselho de Ética, que poderia levá-lo à cassação: "Eu não entendo até onde poderia se caracterizar a falta de decoro". Ainda não entendeu? Que santa ingenuidade... É no mínimo estranho que a única voz que saiu em defesa do senador acusado seja a do líder do governo.

Kakai limita sua defesa a afirmar que o senador só poderia ter suas conversas com Cachoeira gravadas pela Polícia Federal com autorização do Supremo Tribunal Federal. Claro, claríssimo. Não importa que a enteada de Gilmar Mendes trabalhe no gabinete de Demóstenes Torres. Afinal, são todos apenas amigos.

Quem estava sendo gravado pela PF, com autorização judicial, era o bicheiro _ Demóstenes só entrou na história por acaso porque, entre outros mimos, ganhou de presente de Cachoeira um telefone à prova de escutas policiais.

Quer dizer que, segundo o nobre advogado, sem autorização do STF Demóstenes é inocente e as gravações não servem como prova? Assim fica difícil acabar com a impunidade no País - uma das bandeiras eleitorais de Demóstenes, antes de passar de acusador a acusado.