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domingo, 26 de agosto de 2012

A ‘redenção’ de Joaquim Barbosa




Por Eduardo Guimarães

Acabo de ler mais um dos incontáveis textos de “colunistas” do consórcio demo-tucano-midiático paridos após o ministro do STF Ricardo Lewandowski ter inocentado o petista e ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha, contrariando o relator do processo do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, que votou por sua condenação.

Entre outras reflexões, desanima a previsibilidade que vai se comprovando sobre o que diriam esses “colunistas” sobre os votos antagônicos dos dois juízes. A última coluna que li foi de Miriam Leitão, que, como todos os seus congêneres na grande mídia, por óbvio deu razão a Barbosa.
Outra reflexão, que é a que orienta este texto, versou sobre a “redenção” de Barbosa na mídia que a sua posição sobre o mensalão, desde o início alinhada ao que ela quer, está lhe proporcionando agora, após ter sido alvo midiático por tanto tempo.

A maledicência midiática contra Barbosa teve início já em 2003, quando de sua nomeação como ministro do STF pelo então recém-empossado presidente Lula. Os mesmos “colunistas” insinuavam que o juiz chegara aonde chegara simplesmente por ser negro.
Segundo diziam aquelas más línguas, Lula queria um negro – qualquer negro – para a vaga que surgira naquela Corte e Barbosa era o que havia à mão. Como sempre ocorreu quando o ex-presidente deu oportunidades a negros – fosse no ensino superior, fosse na Suprema Corte –, eclodiu todo um discurso midiático sobre “meritocracia”, à qual o escolhido não faria jus.

Nos anos seguintes, as militâncias midiática e governista travariam, sobretudo na internet, um furioso embate sobre Barbosa. Governistas defenderiam a belíssima história de vida de um negro pobre, filho de pedreiro, e a mídia oposicionista diria que sua escolha fora “política”, como se as de todos os juízes do STF não fossem.

Barbosa, porém, fez por merecer o cargo de ministro do STF. Aos 16 anos, saiu de casa. Foi viver em Brasília, onde arranjou emprego na gráfica do jornal Correio Brasiliense e estudou em colégio público. Chegou à universidade e ao bacharelado em Direito na Universidade de Brasília, onde obteve seu mestrado em Direito do Estado.
Barbosa também foi Oficial de Chancelaria do Ministério das Relações Exteriores (1976-1979), tendo servido na Embaixada do Brasil em Helsinki, Finlândia, e depois foi advogado do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) (1979-84).
Prestou concurso público para procurador da República e foi aprovado. Licenciou-se do cargo e foi estudar na França por quatro anos, tendo obtido mestrado e doutorado pela Universidade de Paris em 1990 e 1993.
Retornou ao cargo de procurador no Rio de Janeiro. Foi professor concursado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foi visiting scholar no Human Rights Institute da faculdade de direito da Universidade Columbia em Nova York (1999 a 2000) e na Universidade da Califórnia Los Angeles School of Law (2002 a 2003).
Fez estudos complementares de idiomas estrangeiros no Brasil, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Áustria e na Alemanha. É fluente em francês, inglês, alemão e espanhol. Toca piano e violino desde os 16 anos de idade.

Ufa! É uma trajetória de tirar o fôlego. Ainda assim, ao ser indicado para o STF – uma corte para a qual as indicações têm menos que ver com o currículo do indicado do que com as conveniências políticas de quem indica –, só o que a mídia enxergou foi “populismo” de Lula, que o teria escolhido “só por ser negro”.
Os anos foram se passando e Barbosa continuou sendo alvo de narizes torcidos da elite midiática, sendo visto por ela como “o juiz negro de Lula”.

Essa situação se agravou em abril de 2009 durante sessão do STF que analisava uma lei paranaense que estendia a aposentadoria do setor público a funcionários de cartórios. Naquela oportunidade, Barbosa se desentendeu com o juiz “da oposição”, Gilmar Mendes.
Diga-se que os dois juízes já vinham se estranhando devido aos habeas corpus “cangurus” que Mendes dera a Daniel Dantas nas horas mortas da madrugada, e devido à perseguição do juiz “tucano” ao juiz Fausto de Sanctis e ao delegado da operação Satiagraha Protógenes Queiroz, condutas de Mendes que Barbosa criticava duramente.

A discussão entre os dois juízes foi duríssima e permaneceu por semanas a fio no noticiário. E, claro, confirmando a previsibilidade de viés que ressurge agora na disputa retórica entre o relator do inquérito do mensalão, o mesmo Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski. Todavia, à diferença de hoje, àquela época a mídia tomou partido do adversário do juiz negro.
Editoriais e colunas dos grandes jornais e os blogs e sites da grande mídia na internet praticamente trucidaram Barbosa. Na imprensa paulista, por exemplo, Folha de São Paulo, Estadão e Veja saíram, furiosamente, em defesa de Gilmar Mendes contra Joaquim Barbosa.

Em 24 de abril de 2009, a Folha publica o editorial “Altercação no STF”. O previsível editorial, já no primeiro parágrafo, demonstrava a que vinha:
“O ministro Joaquim Barbosa excedeu-se na áspera discussão travada anteontem com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. Não se justificam os argumentos “ad hominem” e a linguagem desabrida empregada por Barbosa em sessão aberta na mais alta corte brasileira (…)”

No mesmo dia, o Estadão, sempre mais passional, partiu para o insulto em editorial sob o título “Falta de compostura”:
“(…) Na sessão de quarta-feira, durante o julgamento de um recurso do governo do Paraná contra decisão do STF, que em 2006 considerou inconstitucional a lei que criou o fundo de previdência do Estado, o ministro Joaquim Barbosa, que dialogava com o presidente da Corte, Gilmar Mendes, perdeu a compostura (…)”

Na coluna de Eliane Cantanhêde, na Folha, tudo no Day After da “altercação” entre Barbosa e Mendes, não foi diferente:
“(…)Era uma discussão técnica qualquer, os dois (Barbosa e Mendes) se desentenderam e Barbosa perdeu a compostura (…)”

No blog de Reinaldo Azevedo, no portal da revista Veja, o pitbull da publicação repisa a questão racial em relação a Joaquim Barbosa:
“(…) Eu tenho verdadeiro horror, asco mesmo, de quem costuma reivindicar o lugar do oprimido (…)”
Os anos foram se passando e Barbosa acabou ficando com a relatoria do inquérito do mensalão. A partir dali, quando foi ficando claro que o fato de ter sido indicado por Lula não estava pesando no viés que assumira em relação ao caso, o discurso midiático contra si foi sendo abrandado, chegando, hoje, a se tornar o novo queridinho da mídia no STF.

Uma coisa é certa: a conduta de Barbosa no âmbito do inquérito do mensalão lhe valeu “redenção” na mídia. De juiz que chegara ao STF pelo único “mérito” de ser negro e de “juiz de Lula”, converteu-se em profundo conhecedor da lei e exemplo de “isenção” – sem, por óbvio, a ressalva de que o mérito de nomear um juiz “isento” é de Lula.

Joaquim Barbosa é um vencedor. Sua trajetória, antes empanada por acusações de cunho racial na mídia, não encontra mais óbices. A postura que adotou no julgamento do mensalão quebrou as resistências que a cor de sua pele sempre lhe gerou entre uma elite que agora o idolatra e defende, ao menos enquanto lhe for útil.


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