Pesquisar este blog

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Chauí: Mídia condena sumariamente


Num evento em defesa da liberdade de expressão e por uma Ley de Medios, realizado no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, nessa segunda feira, a professora Marilena Chauí fez uma palestra antológica. O Lírio Verde reproduz em três postagens consecutivas, para permitir que os leitores se deliciem com o texto degustando-o passo a passo.


I. Democracia e autoritarismo social


Estamos acostumados a aceitar a definição liberal da democracia como regime da lei e da ordem para a garantia das liberdades individuais. Visto que o pensamento e a prática liberais identificam a liberdade com a ausência de obstáculos à competição, essa definição da democracia significa, em primeiro lugar, que a liberdade se reduz à competição econômica da chamada “livre iniciativa” e à competição política entre partidos que disputam eleições; em segundo, que embora a democracia apareça justificada como “valor” ou como “bem”, é encarada, de fato, pelo critério da eficácia, medida no plano do poder executivo pela atividade de uma elite de técnicos competentes aos quais cabe a direção do Estado. A democracia é, assim, reduzida a um regime político eficaz, baseado na idéia de cidadania organizada em partidos políticos, e se manifesta no processo eleitoral de escolha dos representantes, na rotatividade dos governantes e nas soluções técnicas para os problemas econômicos e sociais.
Ora, há, na prática democrática e nas idéias democráticas, uma profundidade e uma verdade muito maiores e superiores ao que liberalismo percebe e deixa perceber.
Podemos, em traços breves e gerais, caracterizar a democracia ultrapassando a simples idéia de um regime político identificado à forma do governo, tomando-a como forma geral de uma sociedade e, assim, considerá-la:
1. forma sócio-política definida pelo princípio da isonomia ( igualdade dos cidadãos perante a lei) e da isegoria (direito de todos para expor em público suas opiniões, vê-las discutidas, aceitas ou recusadas em público), tendo como base a afirmação de que todos são iguais porque livres, isto é, ninguém está sob o poder de um outro porque todos obedecem às mesmas leis das quais todos são autores (autores diretamente, numa democracia participativa; indiretamente, numa democracia representativa). Donde o maior problema da democracia numa sociedade de classes ser o da manutenção de seus princípios – igualdade e liberdade – sob os efeitos da desigualdade real;
2. forma política na qual, ao contrário de todas as outras, o conflito é considerado legítimo e necessário, buscando mediações institucionais para que possa exprimir-se. A democracia não é o regime do consenso, mas do trabalho dos e sobre os conflitos. Donde uma outra dificuldade democrática nas sociedades de classes: como operar com os conflitos quando estes possuem a forma da contradição e não a da mera oposição?
3. forma sócio-política que busca enfrentar as dificuldades acima apontadas conciliando o princípio da igualdade e da liberdade e a existência real das desigualdades, bem como o princípio da legitimidade do conflito e a existência de contradições materiais introduzindo, para isso, a idéia dos direitos ( econômicos, sociais, políticos e culturais). Graças aos direitos, os desiguais conquistam a igualdade, entrando no espaço político para reivindicar a participação nos direitos existentes e sobretudo para criar novos direitos. Estes são novos não simplesmente porque não existiam anteriormente, mas porque são diferentes daqueles que existem, uma vez que fazem surgir, como cidadãos, novos sujeitos políticos que os afirmaram e os fizeram ser reconhecidos por toda a sociedade.
4. graças à idéia e à prática da criação de direitos, a democracia não define a liberdade apenas pela ausência de obstáculos externos à ação, mas a define pela autonomia, isto é, pela capacidade dos sujeitos sociais e políticos darem a si mesmos suas próprias normas e regras de ação. Passa-se, portanto, de uma definição negativa da liberdade – o não obstáculo ou o não-constrangimento externo – a uma definição positiva – dar a si mesmo suas regras e normas de ação. A liberdade possibilita aos cidadãos instituir contra-poderes sociais por meio dos quais interferem diretamente no poder por meio de reivindicações e controle das ações estatais.
5. pela criação dos direitos, a democracia surge como o único regime político realmente aberto às mudanças temporais, uma vez que faz surgir o novo como parte de sua existência e, conseqüentemente, a temporalidade é constitutiva de seu modo de ser, de maneira que a democracia é a sociedade verdadeiramente histórica, isto é, aberta ao tempo, ao possível, às transformações e ao novo. Com efeito, pela criação de novos direitos e pela existência dos contra-poderes sociais, a sociedade democrática não está fixada numa forma para sempre determinada, pois não cessa de trabalhar suas divisões e diferenças internas, de orientar-se pela possibilidade objetiva de alterar-se pela própria práxis;
6. única forma sócio-política na qual o caráter popular do poder e das lutas tende a evidenciar-se nas sociedades de classes, na medida em que os direitos só ampliam seu alcance ou só surgem como novos pela ação das classes populares contra a cristalização jurídico-política que favorece a classe dominante. Em outras palavras, a marca da democracia moderna, permitindo sua passagem de democracia liberal á democracia social, encontra-se no fato de que somente as classes populares e os excluídos (as “minorias”) reivindicam direitos e criam novos direitos;
7. forma política na qual a distinção entre o poder e o governante é garantida não só pela presença de leis e pela divisão de várias esferas de autoridade, mas também pela existência das eleições, pois estas ( contrariamente do que afirma a ciência política) não significam mera “alternância no poder”, mas assinalam que o poder está sempre vazio, que seu detentor é a sociedade e que o governante apenas o ocupa por haver recebido um mandato temporário para isto. Em outras palavras, os sujeitos políticos não são simples votantes, mas eleitores. Eleger significa não só exercer o poder, mas manifestar a origem do poder, repondo o princípio afirmado pelos romanos quando inventaram a política: eleger é “dar a alguém aquilo que se possui, porque ninguém pode dar o que não tem”, isto é, eleger é afirmar-se soberano para escolher ocupantes temporários do governo.
Dizemos, então, que uma sociedade — e não um simples regime de governo — é democrática quando, além de eleições, partidos políticos, divisão dos três poderes da república, respeito à vontade da maioria e da minoria, institui algo mais profundo, que é condição do próprio regime político, ou seja, quando institui direitos e que essa instituição é uma criação social, de tal maneira que a atividade democrática social realiza-se como uma contra-poder social que determina, dirige, controla e modifica a ação estatal e o poder dos governantes.
Se esses são os principais traços da sociedade democrática, podemos avaliar as enormes dificuldades para instituir a democracia no Brasil. De fato, a sociedade brasileira é estruturalmente violenta, hierárquica, vertical, autoritária e oligárquica e o Estado é patrimonialista e cartorial, organizado segundo a lógica clientelista e burocrática. O clientelismo bloqueia a prática democrática da representação — o representante não é visto como portador de um mandato dos representados, mas como provedor de favores aos eleitores. A burocracia bloqueia a democratização do Estado porque não é uma organização do trabalho e sim uma forma de poder fundada em três princípios opostos aos democráticos: a hierarquia, oposta à igualdade; o segredo, oposto ao direito à informação; e a rotina de procedimentos, oposta à abertura temporal da ação política.
Além disso, social e economicamente nossa sociedade está polarizada entre a carência absoluta das camadas populares e o privilégio absoluto das camadas dominantes e dirigentes, bloqueando a instituição e a consolidação da democracia. Um privilégio é, por definição, algo particular que não pode generalizar-se nem universalizar-se sem deixar de ser privilégio. Uma carência é uma falta também particular ou específica que se exprime numa demanda também particular ou específica, não conseguindo generalizar-se nem universalizar-se. Um direito, ao contrário de carências e privilégios, não é particular e específico, mas geral e universal, seja porque é o mesmo e válido para todos os indivíduos, grupos e classes sociais, seja porque embora diferenciado é reconhecido por todos (como é caso dos chamados direitos das minorias). Assim, a polarização econômico-social entre a carência e o privilégio ergue-se como obstáculo à instituição de direitos, definidora da democracia.
A esses obstáculos, podemos acrescentar ainda aquele decorrente do neoliberalismo, qual seja o encolhimento do espaço público e o alargamento do espaço privado. Economicamente, trata-se da eliminação de direitos econômicos, sociais e políticos garantidos pelo poder público, em proveito dos interesses privados da classe dominante, isto é, em proveito do capital; a economia e a política neoliberais são a decisão de destinar os fundos públicos aos investimentos do capital e de cortar os investimentos públicos destinados aos direitos sociais, transformando-os em serviços definidos pela lógica do mercado, isto é, a privatização dos direitos transformados em serviços, privatização que aumenta a cisão social entre a carência e o privilégio, aumentando todas formas de exclusão. Politicamente o encolhimento do público e o alargamento do privado colocam em evidência o bloqueio a um direito democrático fundamental sem o qual a cidadania, entendida como participação social, política e cultural é impossível, qual seja, o direito à informação.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Supremo inaugura a era da infâmia



Crônicas do Motta

Não entendo quase nada dessa disciplina chamada Direito. Sei apenas que as leis fazem parte de toda sociedade civilizada e que o sistema judiciário é tão importante para a saúde das nações quanto, por exemplo, boas escolas, moradias e transporte público decentes ou bastante emprego.

Sem juízes em quem confiar, sem que os cidadãos saibam o bê-a-bá da máquina da Justiça, não há democracia nem perspectiva de construção de um país moderno.

Essas coisas me vieram à cabeça depois de ver os rumos que o julgamento do caso do tal mensalão está tomando.

Ontem, segunda-feira, em mais uma das intermináveis sessões do Supremo Tribunal Federal, houve o caso de um ministro que quis condenar um sujeito que nem fazia parte do processo e outro que, segundo li, inverteu o ônus da prova, ou seja, condenou o réu porque ele não soube provar que não cometeu o crime.

Ora, se tais barbaridades realmente aconteceram nesse que é definido pelos jornalões como o mais importante julgamento da história, o que se há de pensar sobre outros casos julgados pelos notáveis magistrados do Supremo que não têm nem um milésimo da cobertura da imprensa, ou dos quais simplesmente ninguém, a não ser os envolvidos, toma conhecimento?

Desde criança - e isso já faz muito tempo - ouço dizer que o ônus da prova cabe ao acusador.

Sempre achei que essa fosse uma regra de ouro do Direito, justamente para evitar que a força da fofoca, dos boatos, da maledicência, da calúnia, da difamação ou da injúria se sobrepujasse aos fatos.

Sempre achei que o mundo estivesse longe da época em que acusar uma pessoa de ser uma bruxa bastava para enviá-la à morte: se resistisse às torturas, isso era uma prova de sua condição maléfica; se confessasse para se livrar das dores, estaria também se condenando.

Imputar o ônus da prova a quem acusa, se não garante um julgamento 100% justo, pelo menos equilibra a balança da Justiça, já que não basta um Roberto Jefferson da vida dizer que José Dirceu é chefe de uma quadrilha: ele, pelo menos é o que supunha, teria de levar ao Ministério Público as provas de que quem acusou é um criminoso. Se não fizer isso, o criminoso passa a ser o acusador, por falso testemunho.

Quando, porém, um ministro do Supremo, um sujeito que, teoricamente, estudou e se dedicou a vida inteira para chegar onde chegou, afirma que o ônus da prova agora cabe ao acusado, a nossa cabeça entra em parafuso e a gente se interroga se essa nova regra da Justiça vai valer para todos de agora em diante ou se ela será adotada apenas nesse julgamento do tal mensalão.

Se a resposta for a segunda opção, significa que o STF realmente, como muitas pessoas já suspeitavam, transformou o julgamento numa pantomina para agradar a determinados setores da sociedade que já condenaram os réus do processo por motivos político/ideológico/eleitorais.

Se a resposta for a primeira alternativa, quer dizer que agora todo o país está convidado a exercer livremente o mais elementar e vil dedo-durismo, sob as mais variadas justificativas.

Sem alarde, ao acolher, de modo tão entusiasmado, a palavra de um reles delator, o Supremo Tribunal Federal inaugura uma nova era na república brasileira, a da infâmia.

Como se vê, esse processo do tal mensalão está mesmo dando frutos.

Serra, o Nosferatu da política nacional.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Crise do capitalismo: E se não houver saída alguma?




Por Immanuel Wallerstein

A maior parte dos políticos e dos “especialistas” tem um costume arraigado de prometer tempos melhores à frente, desde que suas políticas sejam adotadas. As dificuldades econômicas globais que vivemos não são exceção, neste quesito. Seja nas discussões sobre o desemprego nos Estados Unidos, os custos alarmantes de financiamento da dívida pública na Europa ou os índices de crescimento subitamente em declínio, na Índia, China e Brasil, expressões de otimismo a médio prazo permanecem na ordem do dia.

Mas e se não houver motivos para elas? De vez em quando, emerge um pouco de honestidade. Em 7/8, Andrew Ross Sorkin publicou um artigo no New York Times em que oferecia “uma explicação mais direta sobre por que os investidores deixaram as bolsas de valores: elas tornaram-se uma aposta perdedora. Há toda uma geração de investidores que nunca ganhou muito”. Três dias depois, James Mackintosh escreveu algo semelhante no Financial Times: os economistas estão começando a admitir que a Grande Recessão atingiu permanentemente o crescimento… Os investidores estão mais pessimistas”. E, ainda mais importante, o New York Times publicou, em 14/8, reportagem sobre o custo crescente de negociações mais rápidas. Em meio ao artigo, podia-se ler: “[Os investidores] estão desconcertados por um mercado que não ofereceu quase retorno algum na última década, devido às bolhas especulativas e à instabilidade da economia global.

Quando se constata que muito poucos concentraram montanhas incríveis de dinheiro, pergunta-se: como o mercado de ações pode ter se tornado “perdedor”? Durante muito tempo, o pensamento básico sobre os investimentos afirmava que, a longo prazo, o ganho com ações, corrigido pela inflação, era alto – em especial, mais alto que o dos papéis do Estado (bônus). Esta era a recompensa pelos riscos derivados da grande volatilidade, a curto e médio prazo, das ações. Os cálculos variam, mas em geral admite-se que, no século passado, o retorno das ações foi bem mais alto que o dos bônus, desde, é claro, que a aplicação fosse mantida.

Não se leva tanto em conta que, no mesmo período de um século, os lucros das ações corresponderam mais ou menos a duas vezes o aumento do PIB – algo que levou alguns analistas a falar num “efeito Ponzi”. Ocorre que os maravilhosos ganhos com ações ocorreram, em grande parte, no período a partir do início dos anos 1970, a era do que é chamado de globalização, neoliberalismo e ou financeirização.

Mas o que ocorreu de fato, neste período? Deveríamos notar, de início, que o período pós-1970 seguiu-se à época de maior crescimento (por larga margem) na produção, produtividade e mais-valia global, na história do economia-mundo capitalista. É por isso que os franceses chamam este período de trente glorieuses – os trinta anos (1943-1973) gloriosos. Em minha linguagem analítica, foi uma fase A do ciclo Kondratieff. Quem possuía ações neste período deu-se, de fato, muito bem. Assim como os empresários em geral, os trabalhadores assalariados e os governos, no que diz respeito às receitas. Parecia que o capitalismo, como sistema-mundo, teria um poderoso impulso, após a Grande Depressão e as destruições maciças da II Guerra Mundial.

Porém, tempos tão bons não duraram para sempre, nem poderiam. Por um motivo: a expansão da economia-mundo baseou-se em alguns quase-monopólios, nas chamadas indústrias-líderes. Duraram até serem solapados por competidores que conseguiram, finalmente, entrar no mercado mundial. Competição mais acirrada reduziu os preços (sua virtude), mas também a lucratividade (seu vício). A economia-mundo mergulhou numa longa estaganção nos trinta ou quarenta anos inglórios seguintes (1970s – 2012 e além). Este período foi marcado por endividamento crescente (de quase todo mundo), desemprego global em alta e retirada de muitos investidores (talvez a maior parte) para os títulos do Tesouro dos Estados Unidos.

Tais papéis são seguros, ou pelo menos mais seguros, mas não muito lucrativos, exceto para um grupo cada vez menor de bancos e hedge funds que manipularam as operações financeiras em todo o mundo – sem produzir valor algum. Isso nos trouxe aonde estamos: um mundo incrivelmente polarizado, com os salários reais muito abaixo de seus picos nos anos 1970 (mas ainda acima de seus pisos, nos 1940) e as receitas estatais significativamente rebaixadas, também. Uma sequência de “crises da dívida” empobreceu uma sequência de zonas do sistema-mundo. Como resultado, o que chamamos de demanda efetiva contraiu-se em toda parte. É ao que Sorkin se referia, quando afirmou que o mercado de ações já não é atrativo, como fonte de lucros para acumular capital.

O núcleo do dilema tem a ver com as contraiçẽos centrais do sistema. O que maximiza os ganhos, a curto prazo, para os produtores mais eficientes (margens de lucro ampliadas), oprime os compradores, a longo prazo. À medida em que mais populações e zonas integram-se completamente à economia-mundo, há cada vez menos margem para “ajustes” ou “renovações” – e cada vez mais escolhas impossíveis para investidores, consumidores e governos.

Lembremos que a taxa de retorno, no século passado, foi o dobro do aumento do PIB. Isso poderia se repetir? É difícil de imaginar – tanto para mim, quanto para a maior parte dos investidores potenciais no mercado. Isso gera as restrições com que nos deparamos todos os dias nos Estados Unidos, Europa e, breve, nas “economias emergentes”. O endividamento é alto demais para se sustentar.

Por isso, temos, por um lado, um apelo político poderoso à “austeridade”. Ela significa, na prática, eliminar direitos (como aposentadorias, qualidade da assistência médica, gastos com educação) e reduzir o papel dos governos na garantia de tais direitos. Porém, se a maioria das pessoas tiver menos, elas gastarão obviamente menos – e quem vende encontrará menos compradores – ou seja, menor demanda efetiva. Portanto, a produção será ainda menos lucrativa (reduzindo os ganhos com ações); e os governos, ainda mais pobres.

É um círculo vicioso e não há saída fácil aceitável. Pode significar que não há saída alguma. É algo que alguns de nós chamamos crise estrutural da economia-mundo capitalista. Produz flutuações caóticas (e selvagens) quando o sistema chega a encruzilhadas, e surgem lutas duríssimas sobre que sistema deveria substituir aquele sob o qual vivemos.

Os políticos e “especialistas” preferem não enfrentar esta realidade e as escolhas que ela impõe. Mesmo um realista, como Sorkin, termina sua análise expressando a esperança que que a economia terá “um impulso”; e a sociedade, “fé a longo prazo”. Se você pensa que será suficiente, posso me oferecer para vender-lhe a Ponte de Brooklin.

Tradução: Antonio Martins/Outras Palavras


segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A parábola dos cegos



Na pinacoteca do Museo Nazionale di Capodimonte está exposto o famoso quadro do holandês Pieter Bruegel, pintado em 1568 e intitulado A Parábola dos Cegos, com a cena de um homem sem visão a guiar outros. À Ação Penal 470, apelidada de “mensalão”, foi imposto um “iter” às cegas, incomum, onde a busca do processo justo cedeu lugar à pressa atabalhoada.

No pretório excelso existem centenas de processos, com matérias relevantes, que aguardam anos para ingressar na pauta de julgamentos. Quanto ao mensalão, tão logo o relator Joaquim Barbosa concluiu o seu preparo, passou-se a forçar o ministro Ricardo Lewandowski a concluir a revisão em prazo determinado. Tudo para colocar o caso em pauta na primeira sessão após o recesso decorrente das férias forenses de julho.

Infelizmente, não foi levada em conta a inconveniência de se marcar um julgamento de grande impacto midiático em período eleitoral. Onde o processo criminal do mensalão, com foro privilegiado pela presença de três deputados e não desmembrado em relação aos 34 demais corréus, poderia ser explorado para demonizar partidos políticos e acusados. Mais ainda: com a par conditio desprezada no que diz respeito ao desmembrado “mensalão tucano”. Frise-se ainda a inexistência de urgência, ou melhor, nenhum risco, pela pena em abstrato tomada pelo máximo, de extinções de punibilidades de réus por proximidade de prescrições de pretensões punitivas.

Pelo que hoje se percebe, a pressa, além do fato de Carlos Ayres Britto buscar algo de relevância histórico-política para marcar a sua curta presidência, objetivava evitar a perda do voto, pela aposentadoria compulsória, em 3 de setembro, do ministro Cezar Peluso. Assim os ministros, na ausência do revisor Lewandowski, elaboraram um extenuante calendário de sessões. Do calendário ao fatiamento do julgamento, houve um festival de desencontros e de obviedades, como, por exemplo, cada ministro poder escolher, no seu voto, a metodologia desejada.

O fatiamento gera, porém, a cada item da proposta de condenação ou absolvição feita pelo relator manifestações balizadas, limitadas, do revisor e dos demais ministros. O fatiamento, por evidente, prejudica o script inicial, ou seja, o de Peluso, após o relator e o revisor, antecipar o seu voto completo. A antecipação, ressalte-se, apenas cabe nos casos de não fatiamento do julgamento. Essa inédita antecipação representaria uma teratologia lógico-procedimental. No popular, seria como o padre começar a missa pela bênção final.

Enquanto os ministros supremos procuram uma bússola para acertar o norte, não deve ter passado despercebido de Têmis, a deusa da justiça e da coerência, o voto de Joaquim Barbosa que absolveu, pela fórmula plena da ausência de provas e não pela da insuficiência, o ex-ministro Luiz Gushiken.
A única prova nos autos do mensalão a incriminar Gushiken era o relato, na CPI dos Correios, do corréu Henrique Pizzolato. Como Barbosa não engoliu a história contada por Pizzolato sobre os 360 mil reais recebidos, considerado o preço da sua corrupção, foi coerentemente desprezada pelo relator a delação extrajudicial contra Gushiken.

Ensinam os processualistas europeus que para ser aceita a delação do corréu é necessária a total admissão da sua responsabilidade. Aquele que delata deve concordar com o núcleo central acusatório. Fora isso, o julgador não pode “fatiar” a confissão, tirando a parte que entende verdadeira e excluindo a mendaz. E outra: na célebre lição de Enrico Altavilla, na obra La Psicologia Giudiziaria, “a acusação de um corréu não deve ser uma simples afirmação, antes precisa ser enquadrada numa narração exauriente”.
O famoso Tommaso Buscetta delatou os chefões da Máfia, mas admitiu a sua condição de mafioso e a coautoria em vários crimes. A isso se chamou Teorema Buscetta, aceito, na sua parte fundamental, pela corte de cassação da Itália.
No mensalão, Roberto Jefferson, o principal delator, admite ter recebido importância vultosa, mas esconde os nomes dos beneficiários do repasse. Fora isso, Jefferson atacou José Dirceu após vir a público o pagamento de propina a um diretor dos Correios indicado pelo PTB. Talvez por isso tudo, Jefferson conseguiu se eleger presidente do Partido Trabalhista Brasileiro.

A essa altura e com a costumeira coerência, Têmis, que nunca usou venda, apesar de ter se espalhado o contrário na Idade Média, deve estar com uma pergunta engatilhada: será que Barbosa, que não aceitou a delação de Pizzolato contra Gushiken, vai aceitar como válida a delação de Jefferson contra Dirceu?
No caso do ex-ministro, como insistiu o seu defensor constituído na sustentação oral, a única acusação contra ele, colhida na fase judicial, provém de Jefferson.

Wálter Maierovitch
No CartaCapital





domingo, 26 de agosto de 2012

A ‘redenção’ de Joaquim Barbosa




Por Eduardo Guimarães

Acabo de ler mais um dos incontáveis textos de “colunistas” do consórcio demo-tucano-midiático paridos após o ministro do STF Ricardo Lewandowski ter inocentado o petista e ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha, contrariando o relator do processo do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, que votou por sua condenação.

Entre outras reflexões, desanima a previsibilidade que vai se comprovando sobre o que diriam esses “colunistas” sobre os votos antagônicos dos dois juízes. A última coluna que li foi de Miriam Leitão, que, como todos os seus congêneres na grande mídia, por óbvio deu razão a Barbosa.
Outra reflexão, que é a que orienta este texto, versou sobre a “redenção” de Barbosa na mídia que a sua posição sobre o mensalão, desde o início alinhada ao que ela quer, está lhe proporcionando agora, após ter sido alvo midiático por tanto tempo.

A maledicência midiática contra Barbosa teve início já em 2003, quando de sua nomeação como ministro do STF pelo então recém-empossado presidente Lula. Os mesmos “colunistas” insinuavam que o juiz chegara aonde chegara simplesmente por ser negro.
Segundo diziam aquelas más línguas, Lula queria um negro – qualquer negro – para a vaga que surgira naquela Corte e Barbosa era o que havia à mão. Como sempre ocorreu quando o ex-presidente deu oportunidades a negros – fosse no ensino superior, fosse na Suprema Corte –, eclodiu todo um discurso midiático sobre “meritocracia”, à qual o escolhido não faria jus.

Nos anos seguintes, as militâncias midiática e governista travariam, sobretudo na internet, um furioso embate sobre Barbosa. Governistas defenderiam a belíssima história de vida de um negro pobre, filho de pedreiro, e a mídia oposicionista diria que sua escolha fora “política”, como se as de todos os juízes do STF não fossem.

Barbosa, porém, fez por merecer o cargo de ministro do STF. Aos 16 anos, saiu de casa. Foi viver em Brasília, onde arranjou emprego na gráfica do jornal Correio Brasiliense e estudou em colégio público. Chegou à universidade e ao bacharelado em Direito na Universidade de Brasília, onde obteve seu mestrado em Direito do Estado.
Barbosa também foi Oficial de Chancelaria do Ministério das Relações Exteriores (1976-1979), tendo servido na Embaixada do Brasil em Helsinki, Finlândia, e depois foi advogado do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) (1979-84).
Prestou concurso público para procurador da República e foi aprovado. Licenciou-se do cargo e foi estudar na França por quatro anos, tendo obtido mestrado e doutorado pela Universidade de Paris em 1990 e 1993.
Retornou ao cargo de procurador no Rio de Janeiro. Foi professor concursado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foi visiting scholar no Human Rights Institute da faculdade de direito da Universidade Columbia em Nova York (1999 a 2000) e na Universidade da Califórnia Los Angeles School of Law (2002 a 2003).
Fez estudos complementares de idiomas estrangeiros no Brasil, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Áustria e na Alemanha. É fluente em francês, inglês, alemão e espanhol. Toca piano e violino desde os 16 anos de idade.

Ufa! É uma trajetória de tirar o fôlego. Ainda assim, ao ser indicado para o STF – uma corte para a qual as indicações têm menos que ver com o currículo do indicado do que com as conveniências políticas de quem indica –, só o que a mídia enxergou foi “populismo” de Lula, que o teria escolhido “só por ser negro”.
Os anos foram se passando e Barbosa continuou sendo alvo de narizes torcidos da elite midiática, sendo visto por ela como “o juiz negro de Lula”.

Essa situação se agravou em abril de 2009 durante sessão do STF que analisava uma lei paranaense que estendia a aposentadoria do setor público a funcionários de cartórios. Naquela oportunidade, Barbosa se desentendeu com o juiz “da oposição”, Gilmar Mendes.
Diga-se que os dois juízes já vinham se estranhando devido aos habeas corpus “cangurus” que Mendes dera a Daniel Dantas nas horas mortas da madrugada, e devido à perseguição do juiz “tucano” ao juiz Fausto de Sanctis e ao delegado da operação Satiagraha Protógenes Queiroz, condutas de Mendes que Barbosa criticava duramente.

A discussão entre os dois juízes foi duríssima e permaneceu por semanas a fio no noticiário. E, claro, confirmando a previsibilidade de viés que ressurge agora na disputa retórica entre o relator do inquérito do mensalão, o mesmo Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski. Todavia, à diferença de hoje, àquela época a mídia tomou partido do adversário do juiz negro.
Editoriais e colunas dos grandes jornais e os blogs e sites da grande mídia na internet praticamente trucidaram Barbosa. Na imprensa paulista, por exemplo, Folha de São Paulo, Estadão e Veja saíram, furiosamente, em defesa de Gilmar Mendes contra Joaquim Barbosa.

Em 24 de abril de 2009, a Folha publica o editorial “Altercação no STF”. O previsível editorial, já no primeiro parágrafo, demonstrava a que vinha:
“O ministro Joaquim Barbosa excedeu-se na áspera discussão travada anteontem com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. Não se justificam os argumentos “ad hominem” e a linguagem desabrida empregada por Barbosa em sessão aberta na mais alta corte brasileira (…)”

No mesmo dia, o Estadão, sempre mais passional, partiu para o insulto em editorial sob o título “Falta de compostura”:
“(…) Na sessão de quarta-feira, durante o julgamento de um recurso do governo do Paraná contra decisão do STF, que em 2006 considerou inconstitucional a lei que criou o fundo de previdência do Estado, o ministro Joaquim Barbosa, que dialogava com o presidente da Corte, Gilmar Mendes, perdeu a compostura (…)”

Na coluna de Eliane Cantanhêde, na Folha, tudo no Day After da “altercação” entre Barbosa e Mendes, não foi diferente:
“(…)Era uma discussão técnica qualquer, os dois (Barbosa e Mendes) se desentenderam e Barbosa perdeu a compostura (…)”

No blog de Reinaldo Azevedo, no portal da revista Veja, o pitbull da publicação repisa a questão racial em relação a Joaquim Barbosa:
“(…) Eu tenho verdadeiro horror, asco mesmo, de quem costuma reivindicar o lugar do oprimido (…)”
Os anos foram se passando e Barbosa acabou ficando com a relatoria do inquérito do mensalão. A partir dali, quando foi ficando claro que o fato de ter sido indicado por Lula não estava pesando no viés que assumira em relação ao caso, o discurso midiático contra si foi sendo abrandado, chegando, hoje, a se tornar o novo queridinho da mídia no STF.

Uma coisa é certa: a conduta de Barbosa no âmbito do inquérito do mensalão lhe valeu “redenção” na mídia. De juiz que chegara ao STF pelo único “mérito” de ser negro e de “juiz de Lula”, converteu-se em profundo conhecedor da lei e exemplo de “isenção” – sem, por óbvio, a ressalva de que o mérito de nomear um juiz “isento” é de Lula.

Joaquim Barbosa é um vencedor. Sua trajetória, antes empanada por acusações de cunho racial na mídia, não encontra mais óbices. A postura que adotou no julgamento do mensalão quebrou as resistências que a cor de sua pele sempre lhe gerou entre uma elite que agora o idolatra e defende, ao menos enquanto lhe for útil.


Culpados ou não

O martelo da Justiça tem dois lados
 Janio de Freitas

O que dizer da inclusão do dado inverídico, supõe-se que por falta de exame na acusação do relator?

Dois erros comprometedores da acusação, cometidos e repetidos pelo procurador-geral Roberto Gurgel e pelo ministro-relator Joaquim Barbosa, no julgamento do mensalão, poderiam ser muito úteis aos ansiosos por condenações gerais, prontos a ver possíveis absolvições como tramoia.

A acusação indicou que a SMPB, agência publicitária de Marcos Valério, só realizou cerca de 1% do contrato de prestação de serviços com a Câmara dos Deputados, justificando os restantes 99%, para efeito de recebimento, com alegadas subcontratações de empresas.

A investigação que concluiu pela existência desse desvio criminoso foi da Polícia Federal, no seu inquérito sobre o mensalão. Iniciado o julgamento, várias vezes ouvimos e lemos sobre o desvio só possível com o conluio entre a agência e, na Câmara, interessados em retribuição por sua conivência.

O percentual impressionou muito. Mas o desvio não foi de 99%.

O ministro Ricardo Lewandowski, revisor da acusação feita pelo relator e, por tabela, da acusação apresentada pelo procurador-geral, deu-se ao trabalho de verificar os pagamentos feitos pela SMPB, para as tais subcontratações referidas pela acusação.

Concluiu que os pagamentos por serviços de terceiros, alegados pela agência, estavam bastante aquém do apresentado na acusação: cerca de 87% do contratado com a Câmara.

Como admitir que um inquérito policial apresente dado inverídico, embora de fácil precisão, com gravíssimo comprometimento das pessoas investigadas?

E como explicar que o Ministério Público, nas pessoas do procurador-geral e dos seus auxiliares, acuse e peça condenações sem antes submeter ao seu exame as afirmações policiais? E o que dizer da inclusão do dado inverídico, supõe-se que também por falta de exame, na acusação produzida pelo relator? Isso já no âmbito das atribuições do Supremo Tribunal Federal.

O erro de percentual está associado a outro, de gravidade maior. Assim como não houve os 99%, não houve a fraude descrita na acusação, ao que constatou o ministro revisor.

Os pagamentos às supostas empresas subcontratadas foi, de fato, pagamento de publicidade institucional da Câmara de Deputados nos principais meios de comunicação, com o registro dos respectivos valores. O percentual gasto foi adequado à média de 85% citada por publicitários ouvidos para o processo.

Faltasse a verificação feita pelo revisor Lewandowski, o dado falso induziria a condenações -se do deputado João Paulo Cunha, de Marcos Valério ou de quem quer que fosse já é outro assunto.

Importa é que, a ocorrer, seriam condenações injustas feitas pelo Supremo Tribunal Federal. Por desvio de veracidade.

Uma das principais qualidades da democracia é o julgamento que tanto pode absolver como condenar, segundo os fatos conhecidos e a razão. É o que o nosso pedaço de democracia deve exigir do julgamento do mensalão.

As Fatias do Ministro


Por Marcos Coimbra


Deixando as tecnicalidades jurídicas para os técnicos, o que ressalta da decisão do relator do processo do mensalão no Supremo, o ministro Joaquim Barbosa, de “fatiar” seu voto é que ele desconfia da tese central da denúncia.

E, como seus pares resolveram segui-lo, parece que todos têm dúvidas, no mínimo, semelhantes às dele - senão maiores.

O fulcro da denúncia da Procuradoria-Geral da União é que, entre 2004 e 2205, teria existido uma “quadrilha” de 40 pessoas (número idêntico à de Ali Baba por uma simples coincidência - e não por jogada marqueteira de gosto duvidoso), que agiria em conjunto na compra (e venda) de parlamentares para obter apoio político para o governo Lula.

Esse seria o comportamento que justificaria considerá-la responsável pelo “maior escândalo político de nossa história”, como não se cansou de repetir a chamada “grande imprensa”.

Os integrantes “ativos” da quadrilha arranjariam ilicitamente recursos para dar aos deputados. Em troca, esses votariam seguindo a orientação do governo nos momentos que determinasse. De forma a que tudo funcionasse adequadamente, haveria ainda integrantes especializados em azeitar a operacionalização do esquema.

Como toda “quadrilha” que se preza, ela teria um “chefe” e apenas um. Sob seu comando, todos os membros atuariam para alcançar um único fim.

Se todos os acusados não tivessem participado do mesmo complô, como falar de uma só “quadrilha”? Como chamar a todos de “mensaleiros” - o neologismo pejorativo que a “grande imprensa” inventou para destacá-los - se tivessem feito coisas diferentes, desarticuladas dos atos dos outros?

E se alguns tivessem cometido irregularidades menos graves, sem impacto relevante nas instituições, o que estariam fazendo no “julgamento do mensalão”? Na solenidade da mais alta Corte, não deveria haver lugar para bagrinhos. Só os peixes grandes mereceriam a distinção.

Quando Joaquim Barbosa resolveu “fatiar” o julgamento, estava implícito que entendia que era preciso tratar desigualmente o que é desigual.

Sem discutir o mérito de seu voto relativo à “fatia” onde está o deputado João Paulo Cunha - que é, aliás, amplamente discutível, como o mostrou o revisor, Ricardo Lewandowski, que o rejeitou na íntegra - o que o ministro fez foi raciocinar como se não existisse uma “quadrilha”. Percebendo que seria absurdo condenar o ex-presidente da Câmara dos Deputados por integrar a tal “quadrilha do mensalão”, considerou-o culpado por ter beneficiado uma empresa privada para obter vantagem pessoal.

Na opinião do relator, ele teria recebido R$ 50 mil para destinar uma conta de publicidade de R$ 11 milhões para a agência de publicidade de Marcos Valério.

E que relação isso teria com o “tenebroso complô” arquitetado pelo “chefe da quadrilha”?

Nenhuma.

Daí a ideia de “fatia”. Que daria algum nexo ao amontoado de situações díspares e mal integradas que a denúncia juntou. Ou seja, o relator admite que a tese central da Procuradoria-Geral é fraca, mas tenta salvá-la, propondo que suas partes desconjuntadas sejam vistas como “fatias”.

E no caso do ex-diretor do Banco do Brasil? O que estariam fazendo no Supremo os acusados de ilícitos nessa “fatia”? Nenhum tem foro privilegiado, nenhum ocupou cargo público. Se suas condutas estão sendo julgadas em separado, por que lhes negar o direito a um processo normal, que se inicia na primeira instância?

E desde quando é atribuição do Supremo Tribunal Federal discutir questões como as que constam dessa “fatia”?

De “fatia” em “fatia”, o que o ministro relator está fazendo é concordar que a “quadrilha” nada mais é que uma construção artificiosa. Só com muita imaginação e pouca lógica é possível vê-la.

De tanto recortar, vai acabar fazendo como a cozinheira. Quando termina de descascar a cebola, constata que não há nada dentro dela.

sábado, 25 de agosto de 2012

A praga do “pensamento único”

Pensamento único

Por Claudio Bernabucci


John K. Galbraith, um dos mais importantes economistas do século XX, pronunciou-se algumas vezes sobre a “imbecilidade dos capitalistas”. A observação factual da crise sistêmica que o mundo está vivendo, sem perspectiva de solução equilibrada dentro das regras existentes, levaria a pensar que a afirmação do economista canadense tivesse fundamento.

No entanto, do ponto de vista das ideias, devemos reconhecer que, nas últimas décadas, o capitalismo neoliberal teve a capacidade de exercer uma hegemonia ímpar sobre todas as atividades humanas. Sofisticados instrumentos teóricos e culturais permitiram a esta nova ideologia eliminar qualquer resistência e crítica significativas, a ponto de se configurar como um “pensamento único”. Só recentemente, diante dos graves escândalos no coração do sistema, este primado começou a ser posto em discussão de forma incisiva.

Já mencionamos a batalha de ideias em curso e a relação de forças existentes. Vale a pena reiterar que estamos assistindo a uma autêntica guerra global dentro do sistema capitalista, da qual o neoliberalismo sairá derrotado ou vencedor. No último caso, podemos estar certos: o que resta da democracia no planeta estaria seriamente comprometido. Neste quadro, a circulação das ideias em escala planetária é fundamental para a definição do resultado. Somente por meio da difusão de pensamentos plurais e antitéticos ao dominante, poderão ser conquistadas as mentes e os corações habilitados a criar uma nova civilização para superar as injustiças de um mundo onde minorias não eleitas decidem o destino de bilhões de seres humanos.

A ferramenta principal é a mídia. A livre difusão da internet – com a grave exceção da China –, apesar de limitada, permite uma informação de baixo para cima que tem aberto brechas importantes no monólito do pensamento único. Os jornais independentes sempre foram minoria e, na chamada grande imprensa, as vozes autônomas são escassas, relegadas aos espaços de debates: espécie de reserva indígena-intelectual, que visa demonstrar o pluralismo de um jornal, enquanto a informação transmitida em todas as outras páginas defende pura e simplesmente a ordem existente. Mundo afora, o cidadão é informado sobre a crise econômico-financeira de forma predominantemente mecanicista, tecnicista e distorcida. As causas principais das convulsões em curso são eludidas: in primis a desregulamentação insensata do sistema financeiro, origem de fraudes e falências.

As análises de economistas e jornalistas alinhados ao neoliberalismo, e que ainda são maioria, chegam de hábito a um beco sem saída, a um porto das névoas, quando tocam o tema “mercados”. Neste ponto, as dúvidas desaparecem, as perguntas se extinguem – Ipse dixit! – em obséquio aos inomináveis e onipotentes titereiros donos dos “mercados”.

Sendo assim, os cortes sociais realizados pelos governos europeus, alvos de ataques especulativos, são descritos mecanicamente como respostas obrigatórias, para satisfazer às exigências ou aos humores dos “mercados”. Obviamente, isso é feito sem informar quais grupos de interesses e forças concretas estão por trás dos tais “mercados”. As imponentes transferências de riquezas provocadas pela gangorra dos spreads ou negociatas das bolsas de valores, a existência de imensas fortunas escondidas nos “paraísos fiscais”, são fatos descritos de forma fria e tecnicista, incompreensível para o cidadão comum, oferecendo uma representação da realidade absolutamente surrealista, sem análise alguma sobre as causas e consequências.

A situação da mídia brasileira cabe perfeitamente neste quadro, com algum agravante. O “pensamento único” da chamada grande imprensa é bem mais extenso aqui do que em outros países de democracia madura. A esse aspecto acrescenta-se um partidarismo acentuado, unilateralmente antigovernamental, que contrasta com uma concepção da informação como serviço pluralista à cidadania. O governo brasileiro não pode ser isento de críticas, mas o mérito de ser um dos poucos no mundo que na última década conseguiram crescimento econômico e diminuição das desigualdades, deveria ser reconhecido em homenagem aos fatos.

Em suma, a opinião pública mundial padece de uma informação parcial ou distorcida, que esconde a realidade de um planeta onde a desigualdade sem freios e a avidez do lucro estão comprometendo as possibilidades de construir um futuro comum. Esta “cegueira” é na maioria das vezes fruto de partidarismo ideológico, que esconde interesses oligárquicos supranacionais; outras vezes é consequência da incapacidade de sair do esquema prefixado de pensar e agir. Para reverter esse quadro perigoso, é preciso que se difunda o pensamento crítico, hoje minoritário. O papel da mídia independente é de informar sobre os fatos e ideias que os outros não querem ou não podem contar.



sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Que país é este?

É um país sede de um reino onde o Sol nunca se punha...
O país que hoje sitia o jornalista Julian Assange e ameça invadir a Embaixada do Equador num gesto de desprezo pela Convenção de Viena sobre o direito de asilo e imunidade diplomática, é o mesmo país que concedeu asilo diplomático a Augusto Pinochet - um dos maiores trogloditas latinoamericanos do último século.
Jeferson Miola

O asilo concedido pela República do Equador ao jornalista Julian Assange surge como um feixe incandescente sobre o obscurantismo medieval que caracteriza a elite conservadora da Inglaterra. E aqui não se trata de diferenciar, no binário sistema político inglês, o Partido Conservador de Margareth Tatcher e seus antecessores e sucessores históricos, do Partido Trabalhista de Tony Blair e seus antecessores e sucessores históricos – simplesmente porque são idênticos na condução da economia, da política e dos assuntos de Estado.

Entre o período da ortodoxia liberal com Tatcher e o período da ortodoxia neoliberal com Blair, tênues nuances diferenciaram os dois tempos. No essencial, foram idênticos: promotores de guerras [Malvinas e Iraque, respectivamente]; satélites europeus dos EUA; cúmplices do capital financeiro internacional; supressores de direitos sociais e laborais; minimalizadores do papel do Estado e, especialmente, imperialistas e colonialistas.

A elite conservadora contemporânea da Inglaterra em muito se assemelha à velha e tradicional aristocracia inglesa. Guerras, colonialismo, imposição religiosa, financeirização econômica são características que percorrem séculos de formação de um pensamento conservador hegemônico. O regime monárquico inglês é, em si mesmo, o veículo de transmissão dessa [quase] “teologia secular”. É o elo de ligação entre o passado e o presente do conservadorismo que plasma a sociedade inglesa. E a rainha Elizabeth é a prova fiel do fenômeno: reina há 60 anos! No século 21, a sociedade que incensa sua monarquia se distancia anos-luz da modernidade. E seu alter ego se identifica com a herança de uma monarquia anti-humanista e bárbara que há menos de 150 anos decapitava os oponentes da Corte.

O país que hoje sitia o jornalista Julian Assange e ameça invadir a Embaixada do Equador num gesto de desprezo pela Convenção de Viena sobre o direito de asilo e imunidade diplomática, é o mesmo país que concedeu asilo diplomático a Augusto Pinochet - um dos maiores trogloditas latinoamericanos do último século. A história é curiosa. O juiz Baltazar Garzón litigou contra o Estado da Inglaterra pelo cumprimento de um mandato internacional de prisão contra Pinochet, recusado ferrenhamente pelo governo inglês, que assim asilou um criminoso. E o juiz espanhol novamente luta contra o Estado da Inglaterra, desta vez para assegurar o direito de asilo e de saída do país ao jornalista Julian Assange, encontrando a ferrenha resistência do governo inglês.

O país que colonizou e dilapidou grande parte da África e Asia inteiras - da Índia à Nigéria - e inspirou a trágica monstruosidade do Apartheid, na África do Sul, é o mesmo país que coloniza as Ilhas Malvinas, distante a 12.700 Km de Londres, para piratear sua costa e seu petróleo. Se recusa a dialogar e encontrar o entendimento para o conflito; ao contrário, se pinta para a guerra em defesa da usurpação.

No Comitê de Descolonização da ONU estão identificados 16 territórios em todo o mundo que ainda são colônias, sem autonomia e sem soberania. O Reino Unido coloniza 10 desses territórios, que estão localizados na Ásia, na Europa, na América Latina e no Caribe. O desrespeito às resoluções das Nações Unidas sobre a erradicação do colonialismo é sistemático.

A ilegal – à luz do direito internacional - reação da Inglaterra ante o asilo concedido pelo Equador a Julian Assange não surprende. É expressão do seu poder num mundo que teve as normas internacionais subvertidas pela chamada “guerra preventiva” da doutrina terrorista de Bush e Blair. Segundo esta doutrina, os EUA e a Inglaterra são os guardiões da segurança e da ordem mundial. Nesta qualidade, caçam os cidadãos que representam “perigo para a humanidade”. O inofensivo e trabalhador brasileiro Jean Charles, por exemplo, foi alvejado por esta doutrina: tiros certeiros na cabeça, numa estação do metrô londrino.

A ação inglesa no episódio Julian Assange, ameaçando invadir a Embaixada equatoriana e se recusando a conceder o salvo-conduto, traduz sua profunda devoção aos desejos do império estadoudinense e o desrespeito com a comunidade internacional. A Inglaterra faz de tudo para viabilizar a extradição de Assange aos EUA, onde ele seria julgado arbitrariamente a la guantánamo e possivelmente condenado à prisão perpétua ou à pena de morte. Isso mesmo, pena de morte - outro traço do obscurantismo de uma cultura medieval e bárbara, incompatível com uma visão iluminista de mundo.

Julian Assange cometeu o crime de fundar o Wikileaks e assim exercer a liberdade de informar e de revelar os meandros do establishment dos EUA e as vísceras da política externa intervencionista e belicista que desenvolve no mundo. Curiosamente, o país acusado pelos EUA e pela Inglaterra de tolher a liberdade de imprensa, o Equador, é o mesmo que concede asilo político a um dos maiores símbolos contemporâneos da luta pela liberdade de informação, pela verdade dos fatos e pela democratização da mídia.



Jeferson Miola foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.



quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Nova jurisprudência: contra o PT, basta acusar!

O martelo da Justiça tem lado?
O conservadorismo brasileiro vive um dilema meramente formal. Diferente do golpismo - com o qual não hesita em marchar quando a situação recomenda - prefere em geral meios institucionais para atingir os mesmos fins.

Às vezes, a coisa emperra,caso agora do julgamento do chamado 'mensalão', em que já se decidiu condenar; onde se patina é na escolha do lubrificante para deslizar a sentença no mundo das aparências.

A dificuldade remete a um detalhe: faltam provas cabais de que o crime não equivale ao disseminado caixa 2 de campanha, com todas as aberrações que a prática encerra, a saber: descarna partidos, esfarela programas, subverte a urna e aleija lideranças.

Reconhecê-lo, porém, tornaria implícita a precedência tucana com o valerioduto mineiro.

É no esforço de singularizar o que é idêntico que se unem os pelotões empenhados em convencer a opinião pública de que, no caso do PT, houve compra de voto com dinheiro público para aprovar projetos de interesse do governo Lula no Congresso.

O procurador Gurgel jogou a ísca: é da natureza desses esquemas não deixar rastros. A flexibilidade agradou. Colunistas compartilham abertamente o argumento da 'suspeição natural', inerente ao PT, logo, dispensável de provas.

Não se economiza paiol na fuzilaria.

Nas quatro semanas até 13 de agosto, segundo informou Marcos Coimbra, na Carta Capital, 65 mil textos foram publicados na imprensa sobre o "mensalão". No Jornal Nacional da Globo para cada 10 segundos de cobertura neutra houve cerca de 1,5mil negativos.

Um trecho ilustrativo da marcha forçada em direção à nova jurisprudência saiu no 'Estadão' desta 4ª feira, 22-08: "impossível não crer que Lula e toda a cúpula do PT soubessem dos meandros do mensalão. (...) dentro de um partido em que o projeto de poder sempre se confundiu com o futuro e o bem-estar da coletividade no qual ele existe, me parece impossível que Lula, José Dirceu, o famoso capitão do time, e outros próceres não tivessem articulado o plano de chegar ao socialismo compadresco petista pelo capitalismo selvagem nacional - o infame mensalão...." (Roberto Damatta, Estadão 22-08).

Deve-se creditar o pioneirismo desse método a quem de direito. Em 2005, incapaz de sustentar 'reportagem' em que acusava o PT recebera US$ 5 milhões das FARCs na campanha eleitoral de 2002, a revista VEJA desdenhou do alto de sua inexpugnável isenção e sapecou: "em todo o caso, nada prova que o PT não recebeu".

O ovo chocado no ventre da serpente foi resumido assim pelo jornalista e escritor Bernardo Kuscinski: "Agora para condenar não é preciso provar a acusação; basta fazê-la".

por Saul Leblon


terça-feira, 21 de agosto de 2012

Otários futebol clube!


O que você vê na foto?
Um jovem futebolista que, num jatinho disponibilizado por seu clube, faz longa viagem para defendê-lo no Campeonato Brasileiro, 28 horas depois de ter atuado num amistoso da Seleção ?

Foi assim que a imprensa noticiou, alguns elogiando a abnegação de Neymar, outros recriminando o sacrifício que o Santos lhe impôs.

Tudo errado. Na verdade, a foto mostra um garoto-propaganda no desempenho do seu ofício, conforme esclareceu o blogue do Milton Neves:
"Neymar veio de jatinho de Estocolmo para Florianópolis não por amor ao Santos ou por pressão de seus patrocinadores que não pagaram a viagem do menino prodígio.


O jogo era algo desimportante pro Peixe, em nada alteraria as doze campanhas publicitárias estreladas e já gravadas por ele na TV e não houve também 'exploração física' de Neymar.

Houve apenas a 'coincidência' da Labace, a Feira Internacional de Jatos Executivos que rola em São Paulo.
Neymar veio em jatinho que seria exposto na feira e que viria vazio 'batendo lata', mas com o compromisso – remunerado ou não – de se fotografar na cama da aeronave, colocar no twitter e gerar o que chamamos no mercado publicitário de 'mídia espontânea'".
Se os jornalistas humilhados pela tabelinha Labace-Neymar tivessem um mínimo de dignidade profissional, denunciariam que o gol promocional foi irregular.

Antigamente, cairíamos de pau em cima dos espertinhos e do farsante. Hoje, com a honrosa exceção do Milton Neves, os coleguinhas só faltou emoldurarem e pendurarem na parede seu diploma de otário...

by Náufrago da Utopia



A compra de votos para a reeleição de FHC



Em maio de 1997, a Folha de S. Paulo publicou matéria com transcrição da gravação de uma conversa na qual os deputados Ronivon Santiago e João Maia, do PFL do Acre, confessavam ao repórter Fernando Rodrigues, ter recebido R$ 200 mil para votar a favor da emenda que instituía a reeleição para presidente da República, governadores e prefeitos.

Da série "Escândalos não investigados da era FHC",  veja também:
A reeleição de Fernando Henrique Cardoso começou mesmo a ser urdida em círculos fechados nos primeiros seis meses do governo, em 1995. Numa reunião em Nova York, com banqueiros, Pedro Malan deixou escapar as intenções da cúpula da aliança neoliberal. Alguns jornais repercutiram a fala de Malan, que dizia quatro anos ser muito pouco para Fernando Henrique realizar o seu plano de governo e que, de duas uma, ou ampliaria o mandato para cinco anos ou instituiria a reeleição.
Sérgio Motta, na época Ministro das Comunicações e principal articulador político do governo, dizia que o PSDB se estruturava para permanecer no governo por pelo menos vinte anos. O PFL, na mesma época, lançou seu projeto PFL-2000, uma estratégia eleitoral e de ocupação de espaços políticos muito bem montada. Naquele momento o horizonte de permanência no poder da aliança neoliberal era largo. Havia popularidade presidencial de sobra para gastar. Grande parte dos formadores de opinião da grande mídia mostrava-se convencida da "modernidade" do governo, até a tungada de 1998, quando o Brasil sofreu um mega ataque especulativo e o governo fez uma desvalorização recorde do real, levando o país a uma das mais dramáticas crises financeiras.
Editoriais e artigos de opinião, longas reportagens nas revistas e jornais de grande circulação e redes de televisões estão documentados, é só ter o trabalho de ir aos arquivos para ver as perspectivas dos governistas naquela época.
As denúncias de autoritarismo, corrupção, tráfico de influência, vulnerabilidade econômica, erros do Plano Real, nada disso era capaz de mudar a gramática da grande mídia. Foram tempos difíceis para os oposicionistas que enfrentavam os governistas no Congresso Nacional e nos debates país a fora. Imperava o "pensamento único", a esquerda era taxada de “dinossauros”. Mas, aos poucos os fatos se encarregaram de desnudar a face oculta do governo Fernando Henrique Cardoso. A denúncia de compra de votos de parlamentares do PFL e do PMDB, para aprovação da emenda constitucional que instituiu a reeleição, é um deles.
Em maio de 1997, o jornal Folha de S. Paulo publicou extensa matéria com transcrição da gravação de uma conversa na qual os Deputados Ronivon Santiago e João Maia, ambos do PFL do Acre, confessavam ao repórter Fernando Rodrigues, ter recebido R$ 200 mil para votar a favor da emenda constitucional que instituía a reeleição para presidente da República, governadores e prefeitos. Naquele momento a emenda já havia sido aprovada na Câmara dos Deputados e aguardava a votação no Senado.
Segundo eles, o deputado Pauderney Avelino, PFL/AM, e o então presidente da Câmara, Luiz Eduardo Magalhães, PFL/BA, eram os intermediários das negociações. Na matéria da Folha de São Paulo consta que Ronivon Santiago e João Maia revelaram alguns detalhes das negociações. Os deputados disseram a Fernando Rodrigues que o assunto era tratado diretamente com o então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, o principal articulador político do governo e fiel escudeiro de Fernando Henrique Cardoso. O jornal informou ainda que os pagamentos eram feito pelos então governadores: Amazonino Mendes, PFL/AM e Orleir Cameli, PFL/AC. Na gravação, segundo o jornal, Ronivon Santiago dizia que os deputados de estados do norte, Osmir Lima, Chicão Brígido e Zila Bezerra, também, haviam vendido seus votos.
No dia seguinte, após a publicação da matéria, foi constituída uma comissão de sindicância para apurar as denúncias. Os partidos de oposição começaram a colher assinaturas para instalação de uma CPI, mas acabaram enfrentando uma manobra pesada do governo, que tinha maioria esmagadora. O noticiário da época informa que cargos e verbas foram distribuídos para os deputados da base governista para não assinarem o requerimento da CPI.
Enquanto isso, a comissão de sindicância corria contra o tempo. Era perceptível no movimento da comissão a intenção de esvaziar os argumentos para a instalação da CPI. Ao final do prazo estabelecido para a apuração, a comissão apresentou relatório dizendo que não havia necessidade de uma CPI porque as provas eram insuficientes. A comissão tomou uma decisão que pulverizou a apuração do caso. O relatório recomendou que a Procuradoria-Geral da República, chefiada por Geraldo Brindeiro, recém-reconduzido ao cargo e chamado “Engavetador-geral da República, cuidasse das investigações sobre o envolvimento do ex-ministro Sérgio Motta, que as Assembléias do Acre e do Amazonas tomassem as providências necessárias para averiguar as denúncias contra os respectivos governadores e que a Câmara dos Deputados tratasse do caso dos deputados. Ao final todos foram inocentados por falta de provas, a emenda constitucional foi aprovada no Senado e Fernando Henrique Cardoso ganhou o seu segundo mandato.
A apuração desse caso não fugiu à regra dos demais. Foram preservados réus-confessos e sacrificadas as instituições. O Congresso ficou desmoralizado perante a opinião pública e o governo seguiu sua rota de decadência moral.

Laurez Cerqueira, jornalista e escritor, autor de “Florestan Fernandes vida e obra” e “Florestan Fernandes – um mestre radical.”
No Carta Maior
Dois safos no detrito de maré baixa:



segunda-feira, 20 de agosto de 2012

CUBA HOJE: UMA VERSÃO DIFERENTE DA QUE SE VÊ NA MÍDIA



A Radical Livros está lançando “Cuba Sem Bloqueio: a revolução cubana e seu futuro, sem as manipulações da mídia dominante”, de Hideyo Saito e Antonio Gabriel Haddad. Como anuncia o título, trata-se de um trabalho que mostra a realidade cubana atual de forma clara e direta, sem as mistificações criadas pelos meios de comunicação dominantes.

Qualquer fato contrário à revolução cubana merece destaque nessa imprensa, como exemplifica o caso de um ato do grupo dissidente Damas de Branco, que reuniu dez pessoas em Havana e foi chamada de capa de O Estado de S. Paulo. Qual outra manifestação desse tamanho mereceria tal tratamento? Contrariamente, qualquer notícia favorável à revolução é ignorada, como quando a revista Veja entrevistou o pedagogo e economista Martin Carnoy, que estava no Brasil para lançar o livro “A vantagem acadêmica de Cuba: por que seus alunos vão melhor na escola”, e conseguiu não falar no ensino cubano.

O mesmo aconteceu quando a Unesco divulgou os resultados das duas pesquisas comparativas sobre o ensino na América Latina, uma de 1997 e outra de 2007: a grande imprensa brasileira abriu um bom espaço para falar sobre o desempenho do Brasil, mas não mencionou que os estudantes cubanos ficaram em primeiro lugar em ambas.

Exemplos como esses se multiplicam. Por isso, o título do livro alude a uma Cuba “sem bloqueio”, referindo-se, neste caso, ao bloqueio de informação correta sobre o país, erguido pelos oligopólios da comunicação. É devido a esse bloqueio que a realidade de Cuba continua pouco conhecida entre nós.

Para furar esse “bloqueio informativo”, os autores pesquisaram tanto em fontes cubanas como estrangeiras. Foram consultados livros, pesquisas acadêmicas, estatísticas e estudos de instituições cubanas e multilaterais (como o Banco Mundial e a ONU), publicações de think tanks como o Conselho de Relações Exteriores (Council on Foreign Relations) dos Estados Unidos, além de periódicos, fontes de internet e outras.

Nos 12 capítulos compostos com base no material assim reunido, Hideyo Saito e Antonio Gabriel Haddad dão vida a um processo de construção social que procura enfrentar seus problemas, encarados como consequência de erros e de dificuldades políticas e econômicas de toda ordem, mas também de agressões e de obstáculos criados pelas potências dominantes.

O livro mostra, assim, a existência de uma grande mobilização popular no país, tendo como evento central o debate em torno do aperfeiçoamento do socialismo cubano. Cubanos de todos os estratos sociais participam livremente dessas discussões, por vezes com grande acuidade crítica. Essa efervescência se reflete em conversas particulares, em assembleias, em obras artísticas, em publicações acadêmicas especializadas ou na mídia local.

Definitivamente, “Cuba Sem Bloqueio” não fala sobre um paraíso terrestre. Mas levanta em alto e bom som a questão: “Quantos países capitalistas exibem uma sociedade razoavelmente harmônica, sem concentração de riqueza, sem miséria, sem fome, sem analfabetismo, sem violência social e sem crianças abandonadas”, como a de Cuba? Uma possível resposta está em sua introdução, quando cita Noam Chomsky: “O que é intolerável para essa mídia (‘o verdadeiro crime de Cuba’) são os êxitos cubanos, que podem servir de exemplo para povos de países subdesenvolvidos”.

ISBN: 978-85-98600-15-4
Formato: 16 x 23 cm
Páginas: 448
Preço: R$ 45,00
Compre aqui


domingo, 19 de agosto de 2012

O Bode na Sala


Por Marcos Coimbra

Todo mundo conhece a história do bode na sala.

Sua conclusão é que, às vezes, para resolver um problema, é preciso criar artificialmente outro maior. Como o da família que vivia apertada em uma casa minúscula. Ela foi se aconselhar com um sábio e ouviu a recomendação de colocar na sala um bode.

A vida tornou-se insuportável. Voltaram ao ancião, que mandou tirá-lo de lá.

Ficaram tão contentes livrando-se do problemão que o anterior virou um probleminha. Pararam de lamentar o desconforto da casa acanhada e festejaram.

Uma parte das oposições brasileiras parece estar raciocinando dessa maneira em relação ao julgamento do “mensalão”.

Não é que inventaram um bode, talvez imaginando que ganhariam alguma coisa retirando-o?

É o que parece quando se vê a ânsia com que alguns colunistas e comentaristas se puseram a elucubrar sobre um fato até ontem inexistente.

O pretexto foram as declarações do advogado do ex-deputado Roberto Jefferson perante o Supremo Tribunal Federal ao defendê-lo.

Como se não bastasse a histrionice de seu cliente - notável, entre outras coisas, por já haver apresentado meia dúzia de versões contraditórias sobre algo que batizou e depois assegurou que nunca existira - o personagem aproveitou seus minutos de visibilidade nacional para “denunciar” o ex-presidente Lula.

É evidente que Lula pode ser questionado, como qualquer cidadão, independentemente do cargo que ocupou. Tanto que já o tinha sido, nessa mesma Corte. Que havia avaliado a consistência do que fora alegado contra ele e deliberado que não justificava qualquer providência.

O disparate do gesto é evidente. O que o advogado fez foi apenas exibir sua ignorância a respeito das regras do julgamento de que participava - e com retórica medíocre.

Pior, no entanto, foi perceber como algumas redações receberam seu rompante.

Os defensores dos demais réus, que cumpriram seu papel com respeito ao Tribunal e aos compromissos profissionais básicos, foram ridicularizados quase unanimemente, como se fosse absurdo que lutassem pelos clientes.

O único advogado que resolveu jogar para a platéia teve um dia de herói. Fez a pauta de muitos “analistas sérios”.

Quem se ancora em gente desse calibre mostra que anda pobre de argumentações.

Mas a extemporânea volta da discussão a respeito de Lula acaba por revelar outra coisa. Que aqueles que apostavam que o julgamento do “mensalão” o desgastaria, assim como a Dilma e a seu partido, agora temem pela fragilidade da denúncia.

Nas pesquisas eleitorais disponíveis, não se percebe prejuízo para os candidatos petistas - ou vantagem para os adversários - causado por esse motivo, passadas já três semanas do início. Como se vê, por exemplo, em São Paulo, onde, por enquanto, Serra míngua e Haddad cresce.

Se a denúncia da Procuradoria-Geral só fica em pé graças a muito anabolizante de mídia, se nada indica que afete grandemente as eleições municipais, o que resta?

Pôr um bode na sala. Reaquecem uma acusação contra Lula, imaginando que, para “protegê-lo”, o “lulopetismo” ofereça a cabeça dos acusados.

Duplo erro. Nem Lula precisa disso, nem existe alguém que queira fazer a negociação.

sábado, 18 de agosto de 2012

Brasil está entre os maiores doadores de alimentos do mundo




Por Danilo Macedo e Renata Giraldi, da Agência Brasil | Yahoo! Brasil – 12 horas atrás

Ao doar apenas até agosto deste ano, US$ 75 milhões em comida para os países que enfrentam situações de crise, o Brasil passa a ser considerado um dos maiores colaboradores do Programa Mundial de Alimentos (PMA) da comunidade internacional. Em 2011, o governo brasileiro doou mais de 300 mil toneladas de comida para 35 países. Paralelamente, o Brasil é apontado como uma das nações que mais se destacam no apoio à ajuda humanitária.

Em comunicado, o PMA ressaltou a atuação do Brasil tanto na doação de alimentos como na assistência humanitária internacional, por meio de parcerias. O governo brasileiro comunicou que manterá as doações de alimentos não só até dezembro como também em 2014.

A ideia é distribuir até o fim do ano 90 mil toneladas de arroz para a Bolívia e Honduras, na América Latina, e Burundi, Congo, Etiópia, Gâmbia, Uganda, Moçambique, Níger, Senegal e Zimbábue, na África.

O Brasil colabora com missões de paz no Haiti, país cujo governo atua para buscar a estabilidade política, econômica e social, e na Síria, que há 17 meses enfrenta confrontos internos devido às divergências entre o presidente, Bashar Al Assad, e a oposição.

O Ministério das Relações Exteriores informou que o Brasil mantém uma série de parcerias com vários países para estimular a produtividade agrícola e o desenvolvimento rural, na tentativa de buscar a segurança alimentar.

"As experiências em programas de alimentação escolar, em que os alimentos são comprados a partir de pequenos agricultores locais podem enriquecer o debate entre o Brasil e os governos africanos em torno da promoção do direito à alimentação", disse o diretor do Centro de Excelência do Programa Mundial de Alimentos para a África, Daniel Balaban, que atua em parceria com o Brasil.

Só no Haiti, o país mais pobre das Américas, mais de 24 mil toneladas de arroz e feijão brasileiros foram distribuídas para os moradores que sofreram com o terremoto de janeiro de 2010. Os custos de distribuição foram cobertos pela Espanha. Na África, mais de 65 mil toneladas de milho e feijão brasileiros foram doados para países, como a Somália.




quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O caso Wikileaks-Assange: o Império Britânico mostra o que é democracia





A invasão da embaixada equatoriana em Londres abriria uma virtual caixa de pandora diplomática. No “The Times”, Roger Boyes opinou que, com essa medida, não só seria praticamente inevitável uma ruptura de relações com Equador, como a tensão diplomática se estenderia com certeza “a Venezuela, a Bolívia e até ao Brasil”. Além disso, uma ocupação da embaixada para prender Assange poderia ser utilizada como precedente para ataques contra embaixadas britânicas ou de outros países. O artigo é de Marcelo Justo, direto de Londres.
Marcelo Justo - Carta Maior

Londres - O Equador terminou com o suspense. A decisão do governo de Rafael Correa de garantir o asilo político a Julian Assange teve como corolário a resposta da chancelaria britânica que a qualificou como “lamentável” e indicou que cumprirá com sua “obrigação legal” de extraditar para a Suécia o fundador do Wikileaks.

Após quase dois meses do ingresso de Assange na sede diplomática equatoriana em Londres solicitando asilo político, a tensão subiu vários graus. Em uma coletiva de imprensa em Quito, o ministro de Relações Exteriores, Ricardo Patiño, assinalou que a decisão se baseava na Constituição equatoriana e no direito internacional. “O Equador acredita que é justificado o temor de Julian Assange de ser uma vítima política por sua defesa da liberdade de informação”, indicou. Segundo Assange, a acusação de delito sexual feita pela justiça sueca é parte de uma estratégia político-diplomática estadunidense para conseguir sua extradição e julgamento pela revelação de cerca de 90 mil documentos secretos via Wikileaks, acusação que, nos EUA, é passível de pena de morte.

O chanceler equatoriano indicou que solicitou uma reunião urgente à União das Nações Sulamericanas (Unasul) e à Alternativa Bolivariana para os Povos da América (ALBA). Patiño expressou seu desejo de que o Reino Unido conceda um salvo-conduto para que Assange possa viajar ao Equador, assinalando que o direito de asilo tem precedência sobre qualquer outra legislação nacional ou internacional. “O asilo é um direito fundamental que pertence ao sistema de normas imperativas do direito”, disse Patiño. O chanceler destacou que empreendeu longas negociações com o Reino Unido, a Suécia e os Estados Unidos e que nenhum desses países ofereceu garantias sobre o futuro de Assange.

A chancelaria britânica, por sua vez, disse que o Reino Unido não outorgará o salvo-conduto a Assange para que possa sair da embaixada. Na quarta-feira, em uma nota enviada pela embaixada britânica em Quito para o governo equatoriano, o governo advertiu que a lei britânica contemplaria a suspensão temporária da imunidade diplomática. A lei de Recintos Diplomáticos e Consulares de 1987 autorizaria o governo a “revogar o status diplomático” de um edifício se a lei está sendo violada. O parlamento britânico aprovou a lei depois que, em 1984, disparos foram feitos desde a embaixada líbia contra opositores que protestavam contra o governo de Muamar Kadafi, causando a morte da agente britânica Yvonne Fletcher.

A chancelaria britânica assinalou que está disposta a negociar um acordo satisfatório para ambas as partes, mas descartou de saída a possibilidade de conceder um salvo conduto. Segundo a imprensa britânica só há outras duas opções.

A aplicação da lei de 1987 abriria uma virtual caixa de pandora diplomática. No “The Times”, Roger Boyes opinou que, com essa medida, não só seria praticamente inevitável uma ruptura de relações com Equador, como a tensão diplomática se estenderia com certeza “a Venezuela, a Bolívia e até ao Brasil”.

Não é o mais aconselhável para um país que fez este ano um giro pela América Latina para retomar sua relação com a região e definiu o Brasil como um dos mercados dos BRICs a conquistar para sair da recessão econômica. Segundo a BBC, a este problema se agregaria outro de maior repercussão internacional. Uma ocupação da embaixada para prender Assange poderia ser utilizada como precedente para ataques contra embaixadas britânicas ou de outros países: um virtual mini-caos. Mas se esta estratégia não for adotada, o fundador do Wikileaks terá que permanecer na embaixada: a polícia poderia detê-lo assim que pusesse um pé fora do prédio.

Neste cenário, tudo se abre para um desenlace tipo filme de Hollywood. O Equador poderia tentar levar Assange ap aeroporto em carro da embaixada que também gozaria de imunidade ou, mesmo, fazê-lo viajar escondido na mala diplomática. “Há regras estritas para o equipamento diplomático que permitem aos países transportar a documentação que necessitem. Estas valises diplomáticas podem ser de qualquer tamanho, mas são para documentos oficiais. É difícil ver como se poderia esconder uma pessoa nelas para subi-la ao avião”, especula a BBC. É de supor que o próprio avião deveria ter uma certa imunidade diplomática. É fácil ver como, na escada da aeronave, o filme de espionagem poderia se transformar em uma farsa digna de Mister Bean.

Um empate técnico parece mais factível. Em outras palavras, Julian Assange permaneceria na embaixada. Há muitos antecedentes neste sentido. É provável que o cardeal Jozesf Mindszenty detenha o recorde de tempo: ele passou 15 anos na embaixada dos Estados Unidos em Budapest, a partir da invasão soviética da Hungria, em 1956. Assange poderá superá-lo?

Tradução: Katarina Peixoto


terça-feira, 14 de agosto de 2012

Desempenho de cotistas fica acima da média


Mariana Mandelli - O Estado de S.Paulo

Estudos realizados pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e pela Universidade de Campinas (Unicamp) mostraram que o desempenho médio dos alunos que entraram na faculdade graças ao sistema de cotas é superior ao resultado alcançado pelos demais estudantes.

O primeiro levantamento sobre o tema, feito na Uerj em 2003, indicou que 49% dos cotistas foram aprovados em todas as disciplinas no primeiro semestre do ano, contra 47% dos estudantes que ingressaram pelo sistema regular.

No início de 2010, a universidade divulgou novo estudo, que constatou que, desde que foram instituídas as cotas, o índice de reprovações e a taxa de evasão totais permaneceram menores entre os beneficiados por políticas afirmativas.

A Unicamp, ao avaliar o desempenho dos alunos no ano de 2005, constatou que a média dos cotistas foi melhor que a dos demais colegas em 31 dos 56 cursos. Entre os cursos que os cotistas se destacaram estava o de Medicina, um dos mais concorridos - a média dos que vieram de escola pública ficou em 7,9; a dos demais foi de 7,6.

A mesma comparação, feita um ano depois, aumentou a vantagem: os egressos de escolas pública tiveram média melhor em 34 cursos. A principal dificuldade do grupo estava em disciplinas que envolvem matemática.