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quarta-feira, 29 de junho de 2011

A Bolsa Escola de Paulo Renato














Correio Braziliense - 29/06/2011

Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

A morte de Paulo Renato de Souza foi registrada por nossa imprensa com atenção maior que aquela, normalmente, dedicada à de ex-ministros. Com razão, pois ele foi bem mais que apenas um ministro "normal", os que pouca (ou nenhuma) diferença fazem em sua passagem pela administração.

Seus necrológios dedicaram espaço considerável a ressaltar o papel que teve na concepção e no lançamento do Bolsa Escola, que se costuma identificar como precursor do Bolsa Família. É uma justa homenagem, pois foi dele, de fato, a iniciativa do primeiro programa. Mas é inexato daí derivar que tenha sido o "verdadeiro criador" do segundo, que Lula teria somente ampliado.

A imensa popularidade do Bolsa Família, a mais nítida marca do governo petista, levou o PSDB, nos últimos anos, a reivindicar (sem muito sucesso) sua autoria. Para ele, tudo teria começado em 1994, na gestão de José Roberto Magalhães Teixeira, prefeito tucano de Campinas, e se consolidado nacionalmente através do programa criado por Paulo Renato.
O Bolsa Escola foi instituído, em julho de 2001, como um "programa de renda mínima vinculada à educação". Não era, exatamente, uma inovação: naquela altura, tínhamos mais de 50 projetos parecidos sendo executados no Distrito Federal e em municípios espalhados pelo país, todos envolvendo algum nível de transferência regular de renda para as populações mais pobres.

Desses, muitos haviam sido criados em meados da década anterior, alguns com forte ênfase no compromisso da família beneficiária com a educação (como o do Distrito Federal, quando Cristovam Buarque era governador), outros sem exigir (na prática) contraprestações do beneficiário (como o da prefeitura de Campinas).

O paladino da ideia de "renda mínima" no Brasil é o senador Eduardo Suplicy. Foi por sua militância que o Senado aprovou, ainda em 1991, quase que por unanimidade (contando com o voto do PSDB), um programa nacional destinado a assegurá-la a todos os cidadãos. Na Câmara, recebeu parecer favorável da Comissão de Finanças e Tributação, mas não chegou a ir a plenário. Só em 1997, muito modificado, o Congresso aprovou um projeto assemelhado, autorizando o Executivo a apoiar municípios que lançassem "programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".

A federalização foi a novidade criada por Paulo Renato. O Bolsa Escola era maior que o simples apoio do governo federal às prefeituras. Por meio dele, a União assumia o controle e se responsabilizava por um programa de complementação de renda em larga escala.

Quem lê seus objetivos se impressiona com a ousadia e a rapidez. Iniciado quando faltava um ano e meio para o fim do governo FHC, a intenção do MEC era saltar de ínfimas 15 mil famílias beneficiárias, em meados de 2001, para 5,8 milhões em apenas 18 meses. De praticamente nada, a um programa maior que tudo que se fazia no setor.

Tira 10 quem explicar essa velocidade. O que, talvez, não seja difícil, se lembrarmos o que estava ocorrendo no cenário político naquele momento.

Entre tucanos de alta plumagem, havia quase um consenso: Lula perderia a eleição do ano seguinte, derrotado pelo medo do eleitor. Quem quer que fosse o candidato do PSDB era, a bem dizer, o novo presidente.

Paulo Renato queria ser candidato tanto quanto Serra, que era ministro da Saúde e tinha visibilidade. O que faltava ao ministro da Educação era algo equivalente aos genéricos, ao kit contra a Aids, ao Programa de Saúde da Família, que o adversário fazia bombar na mídia. Por que não um Bolsa Escola? Se fosse logo implantado e grande, seria um trunfo e tanto na disputa interna (que nada tinha de polida).

Isso não tira de Paulo Renato o mérito de sua criação. Para o país e, especialmente, para seus beneficiários, se o programa nasceu com objetivos político-eleitorais é menos importante que ser necessário, viável e bem concebido (ainda que, pela pressa, tivesse começado aos tropeços).

Consta que Paulo Renato nunca se conformou com o pequeno investimento publicitário que seu filho predileto mereceu do governo Fernando Henrique. Mas não devia ter ficado surpreso, pois sabia que o comando da área de comunicação do Planalto era mais simpático a Serra e nada faria para reforçar a posição do concorrente.

O resultado dessa disputa palaciana é que o Bolsa Escola ficou sem paternidade nítida. No longo prazo, foi o próprio PSDB quem mais se arrependeu de não tê-la assumido com estardalhaço.


O que há por trás da fusão Pão de Açúcar e Carrefour



Do ponto de vista concorrencial, é claro que a união entre Pão de Açúcar e Carrefour não é boa. A soma das duas redes representa quase 30% do setor supermercadista e isso é um nível de concentração que dificilmente será aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa da Economia – o Cade, que examina este tipo de fusões – sem que o grupo resultante não concordar em transferir uma parte significativa dos cerca 1.100 pontos de venda que, juntas, possuem.

Evidente que, salvo uma ou outra superposição geográfica de duas lojas de grande porte, a venda será das unidades menores. e não é provável que faltem compradores.
O mais importante, porém, é discutir porque isso está acontecendo e se o BNDES – através de sua subsidiária BNDESpar – deve participar do negócio.

Negócio, que, aliás, é extremamente complicado. Vamos tentar resumir, ajudados pela excelente matéria publicada hoje no Valor pelas repórteres Graziella Valenti e Vanessa Adachi.

Em 2005, Abílio Diniz vendeu 50% do controle da companhia para o grupo varejista francês Casino. Na venda, houve um acordo para que ele permanecesse como controlador até 2012, quando o controle passaria aos franceses.

O grupo Carrefour, principal concorrente do Casino, vai mal das pernas na França – embora domine lá o setor, contra 12% apenas de participação do grupo Casino - e ramo brasileiro de seus negócios era alvo da cobiça do próprio Casino (via Pão de Açúcar) e do americano WalMart, pelo fato de que a matriz queria evitar os prejuízos que colhe aqui, por má administração.

Pão de Açúcar, Carrefour e Walmart são, pela ordem, as três maiores empresas do ramo no Brasil. A quarta também é estrangeira, a Cencosud, do Chile, que controla as redes Bretas (em Minas) e GBarbosa (no Nordeste) e fatura R$ 5 bi por ano.Lá você verá que o Walmart é o líder mundial, com faturamento de US$ 408 bilhões em 2009, seguido do Carrefour, com US$ 121 bilhões. O Casino aparece em 26º, com faturamento de US$ 37 bi e o Pão de Açúcar em 75º e US$ 11,8 bilhões.

Só que, em matéria de resultado, o brasileiro lidera com folga mais do que acentuada. De lá para cá seu faturamento cresceu, em reais, 37%. Em dólares, embora não se possa dar o percentual, porque o relatório da Deloitte não dá a data de conversão, isso deve chegar ultrapassar 50%.



Esse crescimento dá ideia do “boom” do setor no Brasil, empurrado pela elevação do poder de compra das classes populares.
Para se ter uma ideia, coloco aí ao lado um gráfico do mercado mundial de produtos de higiene, cosméticos e perfumaria – segunda força de vendas dos supermercados, após os alimentos.

Veja que o Brasil já surge como terceiro mercado mundial no setor, avançando rapidamente.

Mas, como este negócio entre o Pão de Açúcar e Carrefour tem escala mundial, é bom ter uma ideia do tamanho destes grupos consultando o relatório deste ano da consultoria Deloitte (aqui, em pdf e em inglês).

E no setor de alimentos – carro-chefe dos supermercados – nem é preciso falar, porque todos sabem que não apenas o consumo aumenta como é unânime a avaliação de que eles subiram, sobem e subirão mundialmente de preço.

Aí está porque o setor de varejo atrai a cobiça dos grandes grupos econômicos.
E este setor, no Brasil, ficaria, a partir do ano que vem, com seus maiores grupos – que respondem por cerca de 50% das vendas – sob controle estrangeiro.

Bom, agora o outro ponto. Mesmo sendo para o país não ficar com o setor totalmente internacionalizado, o BNDESpar deveria entrar no negócio, usando dinheiro do Estado?

A Miriam Leitão acha que não e disse hoje no Bom Dia Brasil:

“O nosso dinheiro não tem nada a ver com isso. O BNDES pensar em participar desse processo é estranho. O BNDES não só emprestaria dinheiro, como entraria de sócio na nova empresa. É importante lembrar que o BNDES recebe dinheiro de endividamento público. O tesouro se endivida para colocar dinheiro no BNDES, que pega esse dinheiro para entrar de sócio em um supermercado?”

Está se confundindo - não a Leitão, que sabe exatamente disso – empréstimo do BNDES com compra de participação acionária – sociedade, se preferirem.
Um dos papéis do BNDES é, sim, ser sócio – e viabilizar negócios – em atividades privadas que se exerçam em larga escala e com níveis de concentração e investimento significativos. E estes negócios devem se pautar por dois critérios: serem impulsionadores de nossa economia, gerando cadeias de produção e comercialização e serem, comercialmente, bons negócios, embora talvez não em prazo, condições e volume de capital que atraiam recursos privados.

Ora, até Merval Pereira e o Carlos Alberto Sardemberg reconheceram, também hoje, na CBN, que o negócio é lucrativo para o BNDES.

E no aspecto estratégico, é bom?
Uma cadeia de supermercados vende o que? Alimentos industrializados. O Brasil, entre suas grandes vocações, produz o que? Alimentos. Evidente que um participação brasileira na segunda rede mundial de supermercados vai auxiliar a colocação de produtos brasileiros em suas gôndolas.

A última questão é: isso é um ganho de poder pessoal para o Sr. Abilio Diniz? Sim. Tornará a nova empresa um “quintal” da família Diniz? Não. Por que?
A reportagem de Graziella Valenti e Vanessa Adachi ajuda a responder.

“Diniz, Casino e todos os atuais acionistas de Pão de Açúcar migrarão para a holding chamada NPA. Nessa nova empresa, que só teria ações ordinárias e o controle disperso na bolsa, Abilio Diniz e família teriam direta e indiretamente 16,9% e Casino, 29,8%. A fatia de Wilkes, participação indireta de ambos, sairia de 25,2% para 20,5%.

O estatuto dessa nova companhia, porém, limita o poder de votar de um acionista a 15% do capital, independentemente da participação econômica detida. Esse dispositivo abre espaço para que Diniz e Casino tenham o mesmo poder político – ainda que o grupo francês tenha quase o dobro em dinheiro investido.

Para preservar a estrutura dispersa do capital, NPA ainda terá em estatuto a previsão de que quem superar 39% de participação deve lançar oferta pública para todos os acionistas.
O primeiro passo, porém, seria transformar o Pão de Açúcar numa companhia apenas com ações ordinárias, embora não listada no Novo Mercado. As preferenciais seriam convertidas em ordinárias na proporção de uma para 0,95.

O segundo movimento é a incorporação da empresa aberta por NPA, que seria sucessora como empresa listada na BM&FBovespa.
Nessa companhia, os atuais acionistas seriam diluídos pela entrada da BNDESPar e do Pactual, com aporte total de R$ 4,6 bilhões, que ficariam com 18% e 3,2% do capital, respectivamente.
Abilio Diniz e família teriam a participação reduzida de 21,4% para 16,9% e Casino sairia de 36,9% para 29,8%. Os minoritários, que hoje detêm 41,6% do Pão de Açúcar, ficariam com 32,1% de NPA.
Em seguida, Pão de Açúcar deveria incorporar Carrefour Brasil, numa transação que daria 31% do negócio ao Carrefour na França.

Nesse momento NPA teria os outros 69% do negócio. Para igualar a participação em 50% para cada lado, os 19% excedentes do NPA seriam trocados por uma participação de 11,7% no capital do Carrefour França em ações preferenciais, incluindo voto mais direitos para participação na gestão.”
Bom, acho que com estas informações você pode avaliar melhor esta complicada e gigantesca negociação.
E não fazer papel de bobo, com o pessoal que fica chiando sobre a “intervenção do estado”, como se estivéssemos tratando de o BNDES estar comprando uma fatia de meia-dúzia de quitandas, para ajudar o patrício Abílio das Verduras.
Porque a desinformação e a superficialidade são grandes maneiras de nos levarem no bico e nos “ajudar” a formar opinião que são autênticos “gols contra”. E este negócio é muito mais complicado, como se disse, do que achar uma promoção de supermercado em encarte de jornal.

PS. Depois de postar este texto, fui ler uma matéria, publicada pela BBC que ajuda a ter noção do tamanho desta guerra e do que representam os apetites internacionais do setor sobre o Brasil, definido como “eldorado” para as grandes redes de varejo. Quem não pensar considerando esta escala, vai errar. E errar, neste campo, significa deixar o país totalmente entregue aos tais apetites.


Piratas da Somália: o outro lado da mentira

A verdade sobre os piratas da Somália, ou um pouco da versão do outro lado.



Como sempre, a imprensa internacional oculta as motivações e a realidade dos fatos noticiados.

Antes disso, trata de criar versões mentirosas e distorcidas sobre um país que vive há anos em pleno "estado de natureza", numa insólita situação hobbesiana, sem governo estabelecido, em guerra civil permanente, fome generalizada, centenas de milhares de refugiados, guerra de raças, etc.

Como se isso não bastasse, a Somália ainda é vítima da pesca ilegal de grandes companhias, mas sobretudo, mais recentemente, serve de depósito de lixo tóxico e nuclear de empresas europeias e asiáticas. Veja tudo isso em 23 minutos deste importante documentário. Ao final, você verá que o alcance geopolítico e econômico do caso somali alcança muitos e importantes interesses das esgotadas economias centrais.




O que você não leu na mídia sobre Paulo Renato (1945-2011)

Revista Fórum - Outro olhar
Por Idelber Avelar


Morreu de infarto, no último dia 25, aos 65 anos, Paulo Renato Souza, fundador do PSDB. Paulo Renato foi Ministro da Educação no governo FHC, Deputado Federal pelo PSDB paulista, Secretário da Educação de São Paulo no governo José Serra e lobista de grupos privados. Exerceu outras atividades menos noticiadas pela mídia brasileira.

Nas hagiografias de Paulo Renato publicadas nos últimos dois dias, faltaram alguns detalhes. A Folha de São Paulo escalou Eliane Cantanhêde para dizer que Paulo Renato deixou um “legado e tanto” como Ministro da Educação. Esqueceu-se de dizer que esse “legado” incluiu o maior êxodo de pesquisadores da história do Brasil, nem uma única universidade ou escola técnica federal criada, nem um único aumento salarial para professores, congelamento do valor e redução do número de bolsas de pesquisa, uma onda de massivas aposentadorias precoces (causadas por medidas que retiravam direitos adquiridos dos docentes), a proliferação do “professor substituto” com salário de R$400,00 e um sucateamento que impôs às universidades federais penúria que lhes impedia até mesmo de pagar contas de luz. No blog de Cynthia Semíramis, é possível ler depoimentos às dezenas sobre o que era a universidade brasileira nos anos 90.

Ainda na Folha de São Paulo, Gilberto Dimenstein lamentou que o tucanato não tenha seguido a sugestão de Paulo Renato Souza de “lançar uma campanha publicitária falando dos programas de complementação de renda”. Dimenstein pareceu desconsolado com o fato de que “o PSDB perdeu a chance de garantir uma marca social”, atribuindo essa ausência a uma mera falha na campanha publicitária. O leitor talvez possa compreender melhor o lamento de Dimenstein ao saber que a sua Associação Cidade Escola Aprendiz recebeu de São Paulo a bagatela de três milhões, setecentos e vinte e cinco mil, duzentos e vinte e dois reais e setenta e quatro centavos, só no período 2006-2008.

Não surpreende que a Folha seja tão generosa com Paulo Renato. Gentileza gera gentileza, como dizemos na internet. A diferença é que a gentileza de Paulo Renato com o Grupo Folha foi sempre feita com dinheiro público. Numa canetada sem licitação, no dia 08 de junho de 2010, a FDE da Secretaria de Educação de São Paulo transfere para os cofres da Empresa Folha da Manhã S.A. a bagatela de R$ 2.581.280,00, referentes a assinaturas da Folha para escolas paulistas. Quatro anos antes, em 2006, a empresa Folha da Manhã havia doado a curiosa quantia–nas imortais palavras do Senhor Cloaca–de R$ 42.354,30 à campanha eleitoral de Paulo Renato. Foi a única doação feita pelo grupo Folha naquela eleição. Gentileza gera gentileza.

Mas que não se acuse Paulo Renato de parcialidade em favor do Grupo Folha. Os grupos Abril, Estado e Globo também receberam seus quinhões, sempre com dinheiro público. Numa única canetada do dia 28 de maio de 2010, a empresa S/A Estado de São Paulo recebeu dos cofres públicos paulistas–sempre sem licitação, claro, porque “sigilo” no fiofó dos outros é refresco–a módica quantia de R$ 2.568.800,00, referente a assinaturas do Estadão para escolas paulistas. No dia 11 de junho de 2010, a Editora Globo S.A. recebe sua parte no bolo, R$ 1.202.968,00, destinadas a pagar assinaturas da Revista Época. No caso do grupo Abril, a matemática é mais complicada. São 5.200 assinaturas da Revista Veja no dia 29 de maio de 2010, totalizando a módica quantia de R$1.202.968,00, logo depois acrescida, no dia 02 de abril, da bagatela de R$ 3.177.400, 00, por Guias do Estudante – Atualidades, material de preparação para o Vestibular de qualidade, digamos, duvidosíssima. O caso de amor entre Paulo Renato e o Grupo de Civita é uma longa história. De 2004 a 2010, a Fundação para o Desenvolvimento da Educação de São Paulo transfere dos cofres públicos para a mídia pelo menos duzentos e cinquenta milhões de reais, boa parte depois da entrada de Paulo Renato na Secretaria de Educação.

Mas que não se acuse Paulo Renato de parcialidade em favor dos grandes grupos de mídia brasileiros. Ele também atuou diligentemente em favor de grupos estrangeiros, muito especialmente a Fundação Santillana, pertencente ao Grupo Prisa, dono do jornal espanhol El País. Trata-se de um jornal que, como sabemos, está disponível para leitura na internet. Isso não impediu que a Secretaria de Educação de São Paulo, sob Paulo Renato, no dia 28 de abril de 2010, transferisse mais dinheiro dos cofres públicos para o Grupo Prisa, referente a assinaturas do El País. O fato já seria curioso por si só, tratando-se de um jornal disponível gratuitamente na internet. Fica mais curioso ainda quando constatamos que o responsável pela compra, Paulo Renato, era Conselheiro Consultivo da própria Fundação Santillana! E as coincidências não param aí. Além de lobista da Santillana, Paulo Renato trabalhou, através de seu escritório PRS Consultores – cujo site misteriosamente desapareceu da internet depois de revelações dos blogs NaMaria News e Cloaca News–, prestando serviços ao … Grupo Santillana!, inclusive com curiosíssima vizinhança, no mesmo prédio. De fato, gentileza gera gentileza. E coincidência gera coincidência: ao mesmo tempo em que El País “denunciava”, junto com grupos de mídia brasileiros, supostos “erros” ou “doutrinações” nos livros didáticos da sua concorrente Geração Editorial, uma das poucas ainda em mãos do capital nacional, Paulo Renato repetia as “denúncias” no Congresso. O fato de a Santillana controlar a Editora Moderna e Paulo Renato ser consultor pago pelo Grupo Santillana deve ter sido, evidentemente, uma mera coincidência.

Mas que não se acuse Paulo Renato de parcialidade em favor dos grupos de mídia, brasileiros e estrangeiros. O ex-Ministro também teve destacada atuação na defesa dos interesses de cursinhos pré-vestibular, conglomerados editoriais e empresas de software. Como noticiado na época pelo Cloaca News, no mesmo dia em que a FDE e a Secretaria de Educação de São Paulo dispensaram de licitação uma compra de mais R$10 milhões da InfoEducacional, mais uma inexigibilidade licitatória era anunciada, para comprar … o mesmíssimo produto!, no caso o software “Tell me more pro”, do Colégio Bandeirantes, cujas doações em dinheiro irrigaram, em 2006, a campanha para Deputado Federal do candidato … Paulo Renato! Tudo isso para não falar, claro, do parque temático de $100 milhões de reais da Microsoft em São Paulo, feito sob os auspícios de Paulo Renato, ou a compra sem licitação, pelo Ministério da Educação de Paulo Renato, em 2001, de 233.000 cópias do sistema operacional Windows. Um dos advogados da Microsoft no Brasil era Marco Antonio Costa Souza, irmão de … Paulo Renato! A tramóia foi tão cabeluda que até a Abril noticiou.

Pelo menos uma vez, portanto, a Revista Fórum terá que concordar com Eliane Cantanhêde. Foi um “legado e tanto”. Que o digam os grupos Folha, Abril, Santillana, Globo, Estado e Microsoft.


terça-feira, 28 de junho de 2011

Música para aquecer dias frios! Erika Baduh



COMENTÁRIOS DO SENHOR C.:


- A bela texana tem uma voz das mais singulares para o jazz e o soul, mas está soterrada por escombros de musiquinhas pop de quinta. 
Uma pena, ainda que se possa - vez ou outra - garimpar alguma pérola que faça justiça ao seu talento. Vamos a ela!

Acidente Gol/Legacy: uma cadeia de erros

Trecho do texto de Ivan Sant´anna para a Revista Piauí

Cadeia de Erros

...equipes do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes, o Cenipa, acompanhadas de representantes da Embraer, da ExcelAire, da Honeywell (fabricante das aviônicas do Legacy), do Comitê Nacional de Segurança no Transporte, o NTSB, e da Administração Federal de Aviação, a FAA, ambos americanos, inspecionavam o equipamento do N600XL. Não precisaram de muito tempo para verificar o perfeito funcionamento do transponder e do sistema anticolisão TCAS. Os dispositivos não haviam falhado, e sim sido desligados durante o voo São José dos Campos–Manaus.

A leitura do conteúdo das duas caixas-pretas do X-Ray Lima foi feita por uma empresa especializada do Canadá. Foram então reproduzidos todos os diálogos travados no cockpit, assim como os procedimentos de pilotagem adotados por Lepore e Paladino. Com isso, tudo que se passou a bordo tornou-se um livro aberto.

Se Lepore e Paladino tiveram grande parcela de culpa no desastre do Gol 1907, a responsabilidade dos controladores de voo brasileiros não foi menor. Em seu laudo, um dos apêndices do relatório do Cenipa, o NTSB americano salientou, adequadamente, que Lepore e Paladino tentaram, sem sucesso, entrar em contato com o Cindacta 1 por pelo menos quinze vezes na meia hora que antecedeu à colisão.

 Os operadores do Centro de Controle Aéreo de Brasília simplesmente não selecionaram em seus equipamentos as frequências 123,3 e 133,05 mega-hertz, previstas nas cartas aeronáuticas para aquele setor e usadas pelos pilotos do Legacy. Se a seleção tivesse sido feita no console, conforme ditavam as normas, o nível errado de voo e o desligamento do transponder teriam sido detectados e a colisão não ocorreria.

Entre os erros graves cometidos pelo Cindacta 1, um dos principais foi o de não ter chamado o Legacy assim que os sinais do transponder desapareceram das telas de radar. Isso ocorreu às 19h02 Zulu, ou seja, 54 minutos antes do choque com o Boeing da Gol.

Outra causa contribuinte do acidente foi a instrução dada, pela torre de São José dos Campos, para que o Legacy seguisse até o Aeroporto Internacional de Manaus no nível de voo 370, o que significava voar a maior parte do percurso na contramão. Embora se deva supor que nenhum piloto, em pleno juízo, vá considerar como última palavra uma autorização de nível de cruzeiro para uma distância (2,7 mil quilômetros) e um tempo de voo (três horas e 34 minutos) tão grandes, essa permissão descuidada e errada foi usada na defesa de Lepore e Paladino.

O inglês deficiente dos controladores de voo, aliado à apatia dos pilotos americanos em lidar com a fraseologia muitas vezes incompreensível dos operadores brasileiros, fez com que ambos os lados procurassem se comunicar o mínimo possível. Inúmeras oportunidades para a correção do nível de voo e para o restabelecimento das emissões do transponder foram perdidas por causa desse descaso.

Para Lepore e Paladino, faltou airmanship. Para os controladores, entre diversas outras coisas, um melhor treinamento em inglês. Só como exemplo, a última avaliação dos operadores de São José dos Campos nesse quesito havia sido feita em 2003. Nela, cinco dos profissionais obtiveram resultado “não satisfatório”. Mas nenhum deles foi afastado do serviço. Continuaram se “comunicando” com pilotos estrangeiros. O mesmo aconteceu com o pessoal do Cindacta 1. Segundo a própria Aeronáutica, Jomarcelo Fernandes dos Santos, o sargento que assumiu primeiramente o Legacy no console, tem conhecimento limitado da língua inglesa.

Entre as causas do acidente, há que se considerar também a liberação prematura, por parte da Embraer, da aeronave para traslado, tendo em vista que Joe Lepore e Jan Paladino tinham poucas horas de voo noequipamento Legacy. O mais prudente era que ambos fossem acompanhados, entre São José dos Campos e Fort Lauderdale (ou, no mínimo, entre São José e Manaus), por um piloto da própria Embraer.

Não foi preciso muito tempo, nem muito estudo, para se apurarem as causas do desastre: imperícia e negligência dos pilotos do jatinho, imperícia e negligência dos controladores de voo e afobação do fabricante (Embraer) e do operador (ExcelAire) na hora de entregar e de receber o avião. Esses ingredientes combinados foram responsáveis pela morte das 154 pessoas que viajavam no Boeing.




Myrian Rios e sua visão de dupla moral sobre a pedofilia

Ela tem direito à fé, desde que não cause danos a outrem

por Fátima Oliveira, em OTEMPOMédica – fatimaoliveira@ig.com.br

Missionária da Canção Nova, comunidade católica de renovação carismática, a atriz e deputada estadual Myrian Rios (PDT-RJ), que é mineira, primou pela carolice exacerbada. Com seus melhores trejeitos de atriz, verbalizou: “Não poder discriminar homossexuais é abrir uma porta para a pedofilia” (23.6.2011).

Ela tem todo o direito de professar a sua fé como desejar, desde que não cause danos a outrem e sem esquecer que as experiências do sagrado são diversas – nem todas atentam contra os direitos humanos – e que, em território brasileiro, nenhuma religião está acima da lei.

A homofóbica deputada propala inverdades e ousa reclamar pelo direito de discriminar a condição homossexual! Sendo ela de uma facção católica, se tivesse intenção de combater o crime de pedofilia, seu mandato denunciaria a pedofilia clerical de sua igreja. Lamento que o partido de Brizola, o PDT, acolha gente de tal naipe.

É inegável que são ideias incompatíveis com inúmeros estudos sociológicos, com os saberes das biociências e com a própria vida, que já demonstraram que homossexualidade é uma coisa e pedofilia é outra e uma não leva necessariamente à outra! Por que ela tenta embolar o meio de campo?

Não o faz por ignorância, mas por omissão e desfaçatez políticas, esquecendo-se de que integra um ramo do cristianismo que há séculos imola sexualmente crianças, jovens e mulheres; e que santifica a maternidade e sataniza as mulheres. É público que, diante da pedofilia clerical, a omissão do Vaticano tem sido a regra, pois compactua e dá guarida a um signo maldito da dupla moral sexual – crimes clericais de natureza sexual, como registrei em “O Vaticano arde nas labaredas do inferno por causa da pedofilia”: “O furacão da pedofilia, depois dos Estados Unidos e da Europa, chegou à Alemanha, pátria do papa, depois na diocese do papa, agora dentro do Vaticano, na Congregação da Doutrina da Fé, onde o cardeal Joseph Ratzinger foi prefeito – por 24 anos, de 1981 a 2005 -, apontando para a sua responsabilidade direta” (O TEMPO, 30.3.2010).

Em março de 2010, um irmão de Bento XVI, Georg Ratzinger (87 anos), apareceu como um dos envolvidos no escândalo de pedofilia quando era diretor musical do colégio interno de Ratisbona (1963-1994). Ele tem negado. Em seu papado, Bento XVI só se mexeu quando a Igreja Católica começou a perder patrimônio, vendendo igrejas para pagar indenizações das vítimas, o que o obrigou, no encontro com bispos irlandeses, a declarar que a pedofilia era crime hediondo e pecado grave – até então, nem pecado era!

Em 2011, no rastro da notícia de que vítimas belgas de padres pedófilos processariam o papa, o Vaticano, em carta aos bispos, resume as práticas adotadas na Alemanha, na Áustria, na Bélgica, nos EUA, na Holanda, na Irlanda, na Itália e em vários países da América Latina para enfrentar o sangradouro de dinheiro nos tribunais e recomenda que “os membros do clero suspeitos de pedofilia sejam entregues às autoridades civis competentes” (15.5.2011).

A assessoria de imprensa do Vaticano anunciou para fevereiro de 2012, em Roma, uma reunião de bispos e chefes de congregações religiosas para dar uma “resposta global aos problemas de pedofilia”, segundo as diretrizes de luta contra a pedofilia formuladas em maio passado pela Congregação da Doutrina da Fé (13.6.2011). Ou seja, enquanto não meteu a mão no bolso, a Santa Sé não tomou providências.

Desconheço pronunciamento da deputada a respeito da pedofilia clerical. Está passando da hora de fazê-lo!



Ideologia, liberdade de informação e ilusionismo midiáttico

Mais dia, menos dia, a verdade vem à tona [ou, como a mídia golpista distorce tudo em nome da ideologia da liberdade de informação]

O jornalista Joel Silveira Leite prestou um imenso serviço ao jornalismo hoje, em sua coluna “Mundo em Movimento“, no UOL.

Escreveu o que centenas de jornalistas das editorias de economia não escrevem, às vezes nem por censura, mas pelo hábito de repetir, sem pensar, o que lhe dizem empresários, banqueiros e homens do “mercado”, como se fosse apenas transcrever ou propagandear o que estes falam.

Leite vai a um tema sobre o qual muita gente sabe e quase ninguém escreve.
Que o preço dos automóveis no Brasil é mais alto – e um dos mais altos do mundo – não por uma carga tributária elevada apenas, ou dos encargos trabalhistas – mas porque as margens de lucro das montadoras é muito maior aqui do que em outras partes do planeta.
Isto é, que o nome “custo Brasil” camufla, na verdade, outro: o “Lucro Brasil”.

Ele conta que as montadoras no Brasil têm uma margem de lucro muito maior do que em outros países, citando uma pesquisa feita pelo banco de investimento Morgan Stanley, da Inglaterra, e diz que elas respondem por boa parte do lucro mundial das suas matrizes.
As editorias de economia da grande imprensa, quando decidem usar a reconhecida capacidade de suas dezenas de profissionais, desempenham um papel fundamental na informação da sociedade.

Exatamente o que tinha sido apontado aqui, recentemente, quando afirmamos que os lucros da Fiat aqui no Brasil (e na América Latina) haviam ajudado a empresa a pagar parte da dívida da Chrysler com os governos americano e canadense, pela injeção de dinheiro para que esta não falisse, na crise de 2008.

Joel Leite usa um exemplo de um modelo da Honda que, sem considerar os impostos, dá a montadora um “lucro extra” (extra, porque sua margem de lucro “normal” já está embutida no preço de venda mexicano) de R$ 15.518,00 sobre os R$ 56.210,00 por que é vendido no Brasil, embora a versão vendida no México tenha muito mais equipamentos de segurança e acessórios.

“Será possível que a montadora tenha um lucro adicional de R$ 15,5 mil num carro desses? O que a Honda fala sobre isso? Nada. Consultada, a montadora apenas diz que a empresa “não fala sobre o assunto”. “

Mas o analista Adam Jonas, responsável pela pesquisa do Morgan Stanley fala, e diz que “no geral, a margem de lucro das montadoras no Brasil chega a ser três vezes maior que a de outros países”.

A reportagem de Joel Leite é a primeira de uma série que promete muita informação. Merecidamente, era a manchete de hoje de manhã no UOL.


segunda-feira, 27 de junho de 2011

Notícias em foco - IX

Mercado consumidor do Brasil ganhou 50 milhões de pessoas no governo Lula



Classe C segue em forte expansão, aponta FGV


Mercado consumidor do País ganhou o equivalente a uma Espanha, mais de 50 milhões de pessoas, desde 2003 segundo estudo


Portal iG

A classe C do Brasil cresceu cerca de 11,1% em um período de 21 meses até maio, segundo dados divulgados nesta segunda-feira pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Agora, a classe totaliza cerca de 105,4 milhões de pessoas.
Esse desempenho segue uma tendência iniciada em 2003, proporcionada por uma série de fatores como a rápida recuperação da economia, mais acentuada nos últimos dois anos, no período pós crise financeira.
Segundo a FGV, desde 2003, o crescimento das classes C e a migração de pessoas para as classes A e B, no topo da pirâmide social, de 12,8% desde 2009, ampliaram o mercado consumidor brasileiro em mais de 50 milhões de pessoas, o equivalente a mais de uma Espanha, aponta o estudo "Os Emergentes dos Emergentes: Reflexões Globais e Ações Locais para a Nova Classe Média Brasileira".
O crescimento da economia com uma inflação mais estabilizada, aliado a expansão do mercado de trabalho e à melhoria das condições de renda da população, com a política de recupeação do poder de compra do salário mínimo, contribuíram de forma significativa com esse processo, de acordo com estudo elaborado pelos pesquisadores do Centro de Políticas Sociais da FGV.
As pessoas que estão na classe C, segundo o documento, contam com uma renda mensal familiar que varia entre R$ 1.200,00 e R$ 5.174,00.
Segundo dados elaborados pela FGV, as classes A, B e C tiveram um ingresso de 48,8 milhões de pessoas entre 2003 e 2009, sendo 13,1 milhões apenas entre 2009 e maio de 2011. "Essa análise dos dados mais recentes mostra que quase a população total da África do Sul foi incorporada às classes ABC", destaca o documento.
Em contrapartida, a base da pirâmide social, formada pelas classes D e E foi reduzida de 96,2 milhões de pessoas em 2003 para 63,6 milhões até maio, sendo que 9,7 milhões de pessoas migraram da base social para classes mais elevadas entre janeiro de 2009 e maio de 2011.
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A Última Exilada da República tucana


Palmério Doria

Assim como existe carro-forte, existe armário-forte. O do Caso FHC-Miriam Dutra não abria nem com pé-de-cabra até abril de 2000, quando Caros Amigos veio com a primeira reportagem sobre o assunto. A revista entrega o jogo logo de cara. “Por que a imprensa esconde o filho de 8 anos de FHC com a jornalista da Globo” é o título que ocupa toda a capa. Não entra em tricas nem futricas, denuncia o silêncio dos grandes grupos de comunicação diante de “Um fato jornalístico”, como diz o título da reportagem.

Por isso, os jornalistas que assinamos a matéria de 6 páginas – eu, Sérgio de Souza, Mylton Severiano, Marina Amaral, José Arbex e João Rocha – deixamos de lado quase todos os detalhes que cercam o romance para ir fundo no essencial: por que, quando lhe interessa, a mídia publica que Fulano ou Cicrano teve caso fora do casamento; e naquele caso, passou uma década escondendo o caso FHC-Miriam Dutra. Então, em 2000, não era o caso de contar que...
... o caso de amor começa com a bênção de outro par constante, Alberico de Souza Cruz, o todo-poderoso diretor de jornalismo da Rede Globo, e Rita Camata, a bela deputada federal do PMDB, sensação do Congresso, mulher do senador capixaba Gerson Camata, que um dia seria candidata a vice de Serra nas eleições presidenciais de 2002.

... mais saborosa que a pauta da Constituinte, as andanças do quarteto na noite brasiliense eram o grande assunto nos círculos políticos e nas redações. Contudo, os diálogos e as situações vividas por eles não renderam um mísero gossip em coluna social alguma.

... o bafafá com status de rififi que se instalou no gabinete de Fernando Henrique, ouvido no corredor por jornalistas do naipe de Rubem Azevedo Lima, e presenciado por seus assessores, quando Miriam Dutra foi comunicar-lhe a gravidez, seria digno dos melhores bordéis do Mangue – “Rameira!”, xingava o senador aos berros. Tudo com direito a efeitos especiais, arrematados por um chute de bico de sapato de cromo alemão no circulador de ar.

... a operação cala-a-boca-da-Miriam foi organizada por uma força-tarefa: Alberico de Souza Cruz; o então deputado federal José Serra; e Sérgio Motta, que tinha coordenado a campanha de Fernando Henrique para o Senado, seu amigo mais íntimo.

.. o trio maravilha se desdobra. Providencia a mudança da futura mamãe para apartamento mais confortável na Asa Sul – ao botar o colchão no caminhão, um dos carregadores alisou-o e disse para os colegas: “Este é do senador” (ah, esse povo brasileiro); e, depois do nascimento da criança, na medida em que se projetava a candidatura de Fernando Henrique à presidência, tratam de mudar Miriam para outro país. No caso, Portugal, onde a Globo era parceira da SIC – Sociedade Independente de Comunicação, primeira estação portuguesa de televisão privada. Aí a repórter iniciaria a longa carreira de última exilada brasileira, que chega aos nossos dias.

... Ruth Cardoso, antropóloga, pouco ficava em Brasília. Tocava vida própria em São Paulo, o que facilitava o caso extraconjugal do marido.

... Fernando Henrique não contou para Ruth Cardoso o caso extraconjugal durante certa viagem a Nova York como se propala, mas numa casa isolada nos arredores de Brasília, onde o casal descansava nos fins de semana. Foi pouco antes dele assumir a candidatura. Não se sabe, claro, o que conversaram. O certo é que, por volta das oito da manhã, jornalistas que ali davam plantão, viram um Gol sair em disparada, com Fernando Henrique ao volante e a mulher ao lado. E foram atrás deles até o hospital Sarah Kubitschek, onde o casal desapareceu.
... a futura primeira-dama reapareceria com um braço na tipóia no saguão do hospital; ao ser abordada pelos repórteres, perdeu sua habitual presença de espírito e afastou-os, quase explodindo:
“Me deixem em paz!”

SEGREDOS DE POLICHINELO
Não havia, como não há hoje, jornalista em Brasília que não soubesse de tudo quanto se passa, às claras ou nos bastidores. Segredos de polichinelo. Veja fez uma reportagem, mandou repórter atrás de Miriam na Europa (não por coincidência, Mônica Bergamo, que viria a dar na Folha, em 2009, a notícia do reconhecimento do filho adulterino por Fernando Henrique, 18 anos depois). Mas, naquela época, a semanal nada publicou. Nós também fomos atrás dela na Espanha, onde Miriam passou a morar depois de Portugal – “Perguntem para a pessoa pública”, foi a única coisa que deixou escapar. Ao mesmo tempo, fomos atrás de uma história que envolveu toda a imprensa. E volta a envolver: a história de Tomás Dutra Schmidt. Que a maioria dos colegas, na sua anglofilia, transformou em Thomas. Está lá, no registro do cartório Marcelo Ribas, conforme cópia autenticada obtida por Marina Amaral, a quem bastou sair do hotel em Brasília, atravessar a pista e entrar no edifício Venâncio 2000, primeiro andar, onde a avó materna de Tomás foi declarante do nascimento, ocorrido a zero hora e quinze minutos de 26 de setembro de 1991.

Por que tanto segredo?, perguntamos a todos os jornalistas que ocupavam postos de comando nas publicações em que trabalhavam durante a campanha presidencial de 1994. Cada qual apresentou suas razões. Alguns simplesmente desqualificaram o fato. Outros apelaram para a uma ética jornalística válida apenas para FHC. Outros confessaram ainda que guardavam matéria “de gaveta” para a eventualidade de um concorrente sair na frente.

Tentando fazer Caros Amigos sustar a matéria, houve vários tipos de pressões, relatadas uma a uma na reportagem. Algumas sutis, outras ostensivas. Um amigo jornalista me acenou com emprego público na Petrobras, durante almoço na cantina Gigetto, quando julgavam que eu era o único autor do trabalho. Tinha sido enviado pelo lobista Fernando Lemos, cunhado de Miriam Dutra. O mesmo Lemos que mandou um dublê de jornalista e lobista à redação de Caros Amigos, dizendo estar intercedendo em nome da própria jornalista da Globo, o que ela negou de pés juntos lá em Barcelona. Um deputado federal do PT ligou-nos para dar “um toque”. Disse que o Planalto estava preocupado com “uma matéria escandalosa” que estaríamos fazendor. O afável colega Gilberto Mansur chamou Sérgio de Souza e seu sócio Wagner Nabuco de Araújo para jantar no Dinho’s Place da avenida Faria Lima. Começou suave, ponderando que a revista ia criar problemas para si própria, que aquele assunto era irrelevante, que, deixando aquilo pra lá, Caros Amigos passaria a ter o mesmo tratamento da grande imprensa em matéria de anúncios estatais. Vendo que Sérgio de Souza era irredutível, deixou claro que podíamos esquecer a publicidade oficial se publicássemos a matéria – o que já acontecia na prática.

ETERNAMENTE OTÁRIO

Na época, Gilberto Mansur, ex-diretor da revista masculina Status, um mineiro maneiro, era braço-direito do publicitário Agnelo Pacheco, que havia conquistado a confiança do secretário de Comunicação de FHC – e homem das verbas publicitárias, portanto. Falamos do embaixador Sérgio Amaral, porta-voz da Presidência, que o colunista de humor José Simão chamava de “porta-joia”, sempre com a pose de “nojo de nóis”. Juntos, Agnelo e Amaral “operavam” a Caixa Econômica Federal. Agnelo adorava dizer que era um dos depositantes do “Bolsa Pimpolho”, que financiava a vida de Miriam Dutra e seu filho no continente europeu.

O que não tem a menor relevância perto do Custo Brasil para alimentar a conspiração de silêncio em torno do romance. Existem hoje, no eixo Brasília-São Paulo, grupos de picaretas que ficaram ricos graças a esse adultério, bem como ao falso DNA agora brandido pela família Cardoso, a fim de evitar mais um herdeiro a dividir l’argent que FHC vai deixar. Absolutamente contra sua vontade, FHC cai de novo na boca do povo. Mesmo nas edições online dos grupos de comunicação que tanto faturaram para esconder o romance, seus leitores vêm com pérolas, tais como este comentário sobre a notícia da Folha do teste de DNA negativo, repercutindo nota da coluna Radar, de Veja – autora do furo:

A GLOBO DEU GOLPE DA BARRIGA EM FHC

O Brasil pagou caro essa pensão. FHC, quando era ministro da Fazenda, isentou de CPMF todos os meios de comunicação. Em 2OOO houve o Proer da mídia, que custou entre US$ 3 e US$ 6 bilhões aos cofres públicos. Ele também mudou a Constituição para permitir que a mídia brasileira, então falida, pudesse contar com 30% de capital estrangeiro. E autorizou que o BNDES fizesse um empréstimo milionário à Globo.

Ricardo J. Fontes

DNA falso você pode conseguir com qualquer R$ 10 milhões em qualquer esquina de São Paulo ou Washington, onde Tomás estuda. Mas, se FHC de fato não for o pai, o Brasil merece conhecer o pai verdadeiro, o homem que tomou dinheiro dos Marinhos e de FHC durante 20 anos e carimbou de vez o ex-presidente como, além de entreguista, zé-mané, trouxa, pangaré, terceirizado. Enfim, otário!




Duas Mírians, dois destinos, dois tratamentos diferenciados.


Acabou de ser divulgado pela mídia golpista impressa uma notícia que todo o mundo mineral conhecia mas que foi reiteradamente tratada como fato não jornalistico: a questão de um filho fora do casamento havido entre o Senhor Fernando Henrique e uma jornalista das Organizações Globo, de nome Míriam Dutra.

A referida jornalista, desde que constatou a gravidez, vive há dezessete anos na Espanha, como correspondente da TV Globo, mas não tenho notícia de nenhuma matéria feita por ela, e divulgada na empresa jornalística dos Marinho até então.

Agora, os jornais noticiam que o suposto filho do ex-presidente não é mesmo dele, conforme exames de DNA realizados em Nova Iorque.

O nome da jornalista me fez lembrar de outra Miriam famosa: a Miriam Cordeiro, que na campanha presidencial de 1989 veio a TV, justamente a TV Globo, para denunciar que LULA - o sapo barbudo - a havia pressionado para fazer um aborto. Embora, o candidato tenha assumido a paternidade e, mais que isso, tenha tido relações de aproximação com a filha desta relação, de nome Lurian.

Vejam só quanta ironia: são duas Mirians, duas mulheres, dois destinos, dois tratamentos diferenciados.

A Míriam de Lula contribuiu para derrotá-lo nos eleições de 1989, e certamente para este fim foi localizada e teve sua história divulgada.

A Míriam de Fernando Henrique foi evacuada do páis, certamente para não atrapalhar a eleição do Príncipe dos Sociólogos, em 1994, na esteira do sucesso do Plano Real.

Não deixa de ser curiosa também a vida de Fernando: tem questionada a paternidade do real e da política econômica que o levou ao trono em 1994 e 1998, e agora tem negada a paternidade de Tomás, o filho da jornalista, pela prova cabal de um exame de laboratório.

by Senhor C.



Políticos, política e sociedade: os ventos da mudança sopram sem cessar



Mário Augusto Jakobskind*

Se alguém ainda tinha dúvidas sobre as transformações que estão a ocorrer no continente americano, o vizinho Peru pode servir de exemplo concreto sobre este novo tempo que desagrada os setores conservadores. Até bem pouco tempo, a Aliança Popular Revolucionária Americana, mais conhecida como Apra, o partido do atual Presidente Alan Garcia, mandava e desmandava. Mas nas últimas eleições teve um resultado pífio só conseguindo eleger quatro deputados. Ou seja, nem poderá formar um bloco parlamentar e consequentemente não terá forças para continuar dando as cartas políticas, como fazia anos atrás.

O partido de Alan Garcia tem raízes históricas, mas nem por isso conseguiu sobreviver aos novos tempos no país, que acabou resultando na eleição de Ollanta Humala. Vinculado à socialdemocracia, que hoje passou a ser uma linha auxiliar dos apologistas do esquema neoliberal e do deus mercado, a Apra colheu os frutos de sua prática, imaginando sempre que o processo político é imutável.

O exemplo peruano deve servir de reflexão não apenas para cúpulas partidárias que sucumbem à burocracia, transformando as suas agremiações políticas em meros departamentos cartoriais, como a políticos que imaginam estar acima do bem e do mal. No Brasil já temos exemplos, sobretudo à direita, mas de alguns partidos de esquerda, ou que se julgam de esquerda, embora nos últimos tempos venham adotando práticas diferenciadas do que defendiam antes.

Em termos regionais, o exemplo mais elucidativo está a ocorrer no Rio de Janeiro, onde partidos que se consideram de esquerda apoiam um governador, Sergio Cabral que reprime violentamente bombeiros que ganham salários de fome e ainda por cima concede as maiores facilidades para empresários em troca de favores especiais.

Já se imaginava que isso acontecia, embora a opinião pública estivesse iludida, como nas eleições de outubro do ano passado, quando sufragou Cabral por maioria absoluta. Agora, depois de uma tragédia em que morreram sete pessoas na queda de um helicóptero na Bahia, caiu a máscara. Isso tem um nome: promiscuidade. Ou será que tem outra denominação o fato de um governador estar usufruindo das benesses de um empresário, como Fernando Cavendish, proprietário da construtora Delta, a empreiteira responsável pela reforma milionária do Maracanã em associação com as do mesmo ramo Odebrecht e Andrade Gutierrez?

Escondendo o jogo, como faz sempre, Cabral foi a Bahia para participar de uma festa milionária de Cavenish, a quem presta favores. E o que dizer em pegar carona a hora que quiser no avião do trilionário Eike Batista? O empresário e o governador acham isso perfeitamente normal.

Há denúncias segundo as quais o governo Sergio Cabral está fazendo obras no Estado sem concorrência pública, o que mereceria pelo menos uma investigação mais apurada da Assembleia Legislativa e do Ministério Público.

Em outros países, por muito menos, governos caíram porque os chefes do Poder Executivo se envolveram em jogadas prejudiciais ao Estado.

Cabral tem maioria na Assembleia Legislativa e dificilmente se conseguirá algum tipo de ação, salvo se a opinião pública se mobilizar e exigir, pois, afinal de contas, o Estado é responsável em gerir os impostos arrecadados de honestos cidadãos contribuintes.

O momento é grave. O Rio está na antevéspera de dois megaeventos que vão lidar com muitos milhões. Tudo agora gira em torno disso, inclusive no âmbito da Prefeitura, onde o alcaide Eduardo Paes está aprontando, como, por exemplo, promovendo remoções de favelas que não estão em área de risco, mas são cobiçadas pela especulação imobiliária há tempos. O Morro dos Prazeres, em Santa Tereza, que o diga. E perguntem também que grupos econômicos apoiaram Paes.

Aliás, que pouca sorte tem o Rio de Janeiro. Depois de um Cesar Maia aparece um Paes. E um Maia que responde na Justiça pelo que foi feito na Cidade da Música, na Barra da Tijuca, que ainda por cima ganhou o nome de Roberto Marinho, um cidadão acima de qualquer suspeita, mas que em nenhum momento teve algum envolvimento com a música, seja clássica ou popular, salvo as editorias de cultura de seus meios de comunicação.

Maia imaginava que colocando o nome do finado proprietário das Organizações Globo poderia tudo que fez de errado ficar por isso mesmo. Mas como as denúncias se avolumaram, Cesar Maia terá de responder na Justiça as acusações de ilegalidades cometidas na Cidade da Música.

O Rio de Janeiro, claro, merecia coisa melhor, mas como a região historicamente sempre primou pela resistência, embora nos últimos tempos, Cabral, Paes e antes Maia, para não falar em tempos mais distantes de Moreira Franco e Marcelo Alencar, que ocuparam o espaço político, transformando a área em uma verdadeira vergonha nacional, não se descarta que em algum momento o povo desperte e exija que sejam tomadas providências enérgicas para acabar com o atual estado de coisas. O integral apoio popular aos bombeiros vitimados por Cabral foi um aviso.

No Peru, o esquema meliante de Fujimori foi derrotado nas urnas e o partido de Alan Garcia, que apoiou a filha do ex-Presidente, a Keiko Fujimori, sofreu um revés sem precedentes históricos, que não imaginava poderia acontecer. Nos tempos de transformações porque passa o continente americano, não pode mais haver lugar para tipos como Alan Garcia, Alberto Fujimori, Cabral, Paes, ou Maia, muito menos para Moreira Franco, que virou Ministro de Assuntos Estratégicos, embora já se conheça há tempos que tipo de estratégia ela adota no seu fazer político.

Ah, sim, neste time fica faltando o chileno Sebastián Piñera, que conseguiu se eleger depois da falência do esquema da Concertación, mas, segundo as pesquisas, já é repudiado pela maioria da população.




* Correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE

Teste de conhecimentos: Quem foi Paulo Renato?


(  ) O ministro da Educação que inventou o ENEM e o ENAD e implantou a avaliação na educação brasileira;

(  ) O ministro que "revolucionou" a educação brasileira, que pode ser dividida em dois tempos: antes de PR e depois de PR;

(  ) O ministro da Educação que afundou a Escola Pública;

(  ) O ministro da Educação que deixou as universidades federais quase morrerem de inanição

(  ) O ministro da Educação que, montado no cavalo baio da privatização neoliberal, criou um programa de financiamento e subsídios generosos à indústria da venda de diplomas universítários.

*****
Comentário do Senhor C.:

Trata-se do dilema de como as próximas gerações lerão sobre o recentemente falecido ex-ministro. Claro, que não se trata aqui de negar as merecidas condolências e lamentações públicas que várias autoridades manifestaram via Tevês e jornais e twitters, mas de se preocupar com a distorção de leituras biográficas que parecem querer nos impingir uma falsa memória. 


Lamentamos a perda da vida do homem Paulo Renato, mas não endossamos nenhuma lamúria sobre a figura ministerial e o papel nefasto que exerceu na vida política nacional, particularmente na garantia do direito constitucional de educação pública com qualidade e acesso universal, de que ele foi um dos maiores adversários e um feroz militante da causa meritocrática.



Saudade da vida na caverna

Energia na Idade da Pedra
por Delfim Netto, CartaCapital

..muitos que exigem o retorno à Idade da Pedra reivindicam ao mesmo tempo a manutenção de seus BMWs nas garagens anexas.

A tentativa de impedir a construção de usinas hidrelétricas como a de Belo Monte, no Rio Xingu, a pretexto de preservar o meio ambiente, é manifestar a intenção de voltar à Idade da Pedra. Este é um projeto estudado há quase 30 anos, que levou em conta todas as implicações mais importantes para o bioma amazônico, talvez até com certo exagero. Agora é preciso acreditar que há pessoas no Brasil (e fora daqui) que dizem “não queremos mais energia em nossas vidas”, queremos ter de volta aquela deliciosa sensação de escuridão da Idade da Pedra.

Uma usina hidrelétrica (e não apenas na Amazônia, podia ser no Vale do Tennessee, nos EUA, ou na de Três Gargantas, na China), necessariamente modifica o ambiente físico. Na minha vivência de mais de meio século de acompanhamento do desenvolvimento energético brasileiro, aprendi que as mudanças são positivas sob todos os aspectos e isso diz respeito à flora, à fauna e aos seres humanos, naturalmente.

O aproveitamento do potencial hídrico envolve uma enorme gama de questões que devem ser tratadas pelo seguinte prisma: energia é essencial, é fator fundamental tanto para a sobrevivência do homem quanto para o funcionamento da economia. O desenvolvimento econômico é, no fundo, um processo termodinâmico, não adianta ter ilusões a esse respeito. As sociedades têm de capturar a energia que está dispersa no seu ambiente e depois dissipá-la na produção de bens e serviços. Os homens escolheram a forma que preferiram viver e isso foi há mais de 150 mil anos…

Quando vejo essas manifestações de saudade da vida na caverna, imagino que, no fundo, elas se destinam a esconder algumas verdades que são parte da vida atual de todas as sociedades habitadas pelos manifestantes: parece haver uma dificuldade em reconhecer a presença de tantas coisas boas em suas vidas, de tal sorte que muitos que exigem o retorno à Idade da Pedra reivindicam ao mesmo tempo a manutenção de seus BMWs nas garagens anexas.

Nem os mais bem-intencionados ambientalistas (que são a maioria, reconheço), ou os mais empolgados e menos sérios, admitem que possam viver sem beneficiar-se dos recursos modernos que dão acesso às novas tecnologias. As aldeias indígenas, no perímetro alcançado pelas obras de Belo Monte, e os habitantes do enorme município de Altamira e sua vizinhança são as que mais reivindicam participar do empreendimento que sabem vai melhorar a qualidade de suas vidas e a renda das famílias.

Ao contrário de muitos urbanoides, os verdadeiros caciques indígenas do Pará são bastante informados sobre os resultados dos empreendimentos anteriores (que puderam visitar ou lhes foram mostrados), começando pelo Projeto Carajás, desde os anos 80 do século XX até a expansão da hidrelétrica de Tucuruí- e a construção das eclusas no Rio Tocantins. Trabalhei na estruturação do financiamento externo daqueles projetos e já naquela ocasião as exigências de preservação ambiental eram extremamente severas. Os recursos do Banco Mundial só foram liberados depois de atendidas todas as exigências.

Hoje, nenhum desses investimentos em hidrelétricas, instalações, portos, ferrovias, rodovias e eclusas é aprovado sem levar em conta medidas de segurança máxima. O problema ambiental sobrepõe-se muitas vezes à questão dos custos.

Tendo defendido praticamente durante toda a minha vida profissional a consolidação de uma matriz energética limpa e confiável, graças à utilização do nosso potencial hídrico, senti-me estimulado a citar aqui as linhas finais do excelente artigo de autoria do senhor Marcelo Corrêa, diretor-presidente da NeoEnergia (empresa que comanda o emblemático empreendimento que se inicia no Rio Xingu), publicado na edição de 22 de junho no Valor Econômico: “Belo Monte, assim como as novas usinas em construção, dentre as quais Teles Pires, de 1.820 MW, no Mato Grosso, e as de Jirau (3.450 MW) e Santo Antonio (3.150) no Rio Madeira, em Rondônia, representam um paradigma no modelo energético brasileiro, tanto pela utilização de novas tecnologias quanto na observância da rigorosa legislação ambiental e na execução das medidas antecipatórias e das condicionantes impostas pelas licenças ambientais. Obedecidos os critérios para a mitigação dos efeitos socioambientais, não há como se opor à implantação e à construção de hidrelétricas na Amazônia, obras que beneficiarão as populações das respectivas regiões e a toda a população brasileira, pois abrir mão desse potencial energético poderá significar abrir mão do desenvolvimento da região”.






domingo, 26 de junho de 2011

NIetzscheanas II

 Nietzsche empreende uma démarche que é a um só tempo, uma interpretação e uma avaliação. Neste percurso, de que a Genealogia dá-nos uma visceral amostra, vai apontar quatro pedras angulares de sua filosofia, a saber: o ressentimento, a má consciência, o ideal ascético, momento da sublimação. Estes três são os momentos iniciais de uma tipologia das profundidades segundo Deleuze; a morte de Deus é o momento de recuperação da degenerescência havida nos momentos anteriores, e o momento do fim é o do último homem e o homem que quer morrer.
Ainda conforme Deleuze (2007), Nietzsche quer dizer que o homem é um ser aviltado, e o faz, toda vez que já não tendo necessidade de uma instância exterior, se proíbe a si próprio o que lhe proibiam, e se encarrega espontaneamente de uma vigilância e de fardos que não lhe parecem vir do exterior. Matéria de recalque, diriam talvez leitores mais freudianos. Assim é que, ainda segundo o comentador francês, para Nietzsche, a história da filosofia ocidental, dos socráticos aos hegelianos não passa de uma história das extensas submissões do homem, e das razões que ele se dá para legitimá-las. Eis uma chave para uma leitura da Genealogia, um texto em que nosso intérprete do homem vai examinar a gênese de sua moral, e na qual desenvolve boa parte das categorias apresentadas acima, isto é, em que constitui três dissertações sobre, respectivamente, o ressentimento, visto pelas lentes prismáticas dos conceitos de ‘bom’ e ‘mal’, de bom e ruim; a má consciência, verificada na gênese e introjeção da culpa e da acusação; e o ideal ascético.


  

sábado, 25 de junho de 2011

Kantianas VI

Notas de leitura do Senhor C.:


 No parágrafo 52 da Crítica da faculdade do Juízo, Kant vai apresentar as possíveis combinações entre as artes, a partir de uma classificação em artes elocutivas, artes figurativas e artes do belo jogo das sensações. Segundo ele, a uma poesia pode-se associar uma bela imagem; pode-se ligar a música ao canto, e estes a uma ópera; a música a dança; o sublime ao trágico, ou ao cômico etc. E arremata que, o que a toda arte bela é essencial: uma forma de comunicação que vá além da mera fruição dos sentidos, das sensações sensoriais, ou seja, que convenha à observação e ao ajuizamento, e cujo prazer seja cultura e disponha o espírito para idéias, tornando-o receptivo a prazeres e entendimentos outros, diverso.
Esta combinação não consiste, portanto, apenas na matéria da sensação disposta para o gozo, que nada daria à idéia, e apenas embota o espírito, deixando-o insatisfeito e instável pela consciência de sua disposição interna a fins do juízo da razão. Neste último caso, arte seria apenas dispersão, fuga e descontentamento do ânimo, o que já elimina da nossa taxonomia toda espécie de manifestação artística que não preencha o requisito de cumprir a finalidade de estimular e cultivar os ânimos.
Esta questão nos parece chave para o que fará logo a seguir, apontando características que aproximam, ou melhor, hierarquizam as artes na obtenção do estímulo do ânimo para o fim da razão. Assim, a poesia – sendo a arte que “deve sua origem, quase totalmente ao gênio e a que menos quer ser guiada pela prescrição ou exemplos” - ocupa, portanto, a posição mais alta.

Ela alarga o ânimo, pelo fato de por em liberdade a faculdade de imaginação e de oferecer, dentro dos limites de um conceito dado, sob a multiplicidade ilimitada de formas possíveis concordantes com ele, aquela que conecta a sua apresentação com uma profusão de pensamentos; à qual nenhuma expressão lingüística é inteiramente adequada, e, portanto, elevar-se esteticamente a idéias.”

É, igualmente, bastante diferente de sua prima, a oratória ou eloqüência pura e simples, que rouba à poesia os elementos formais da bela aparência, para um discurso que quer, apenas e tão somente, arrebatar o ânimo dos ouvintes para o convencimento da fala do orador. Com a poesia, isso não ocorre!

Na poesia tudo se passa honrada e lealmente. Ela declara querer estimular um simples jogo de entretenimento com a faculdade de imaginação, e na verdade, formalmente de acordo com as leis do entendimento, e não pretende colher de surpresas e enredar o entendimento através da exposição sensível.”

Pode-se dizer, portanto, que a poesia é ambas as coisas, simultaneamente: encanta pela exposição sensível, mas induz o entendimento, anima o espírito com idéias a que se chega pela multiplicidade de imagens que se associa à esta.