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terça-feira, 31 de maio de 2011

Eleições, futebol, manipulação midiática e impunidade!


As eleições da FIFA que acontecerão amanhã marcam o sucesso (pelo menos até o momento, pois parece que começam a se ouvir vozes discordantes) de um conluio que reúne poder econômico, interesses políticos menores e particulares, corrupção, manipulação midiática (com certeza, no caso brasileiro) e ética da impunidade.

A notícia, amplamente divulgada nos últimos dias pelo PIG nacional, capitaneado pela poderosa Rede Globo, dando conta da inocência de Ricardo Teixeira das acusações de suborno e corrupção na condução dos negócios da poderosa associação de futebol são um exemplo inconteste de como as versões divulgadas acriticamente prejudicam a compreensão da realidade dos fatos.

A Globo anunciou em todos os seus jornais diários que Teixeira foi inocentado por uma comissão montada pela própria FIFA para investigar (???) aos seus dirigentes. Ainda que reconhecendo a máxima moral de que ninguém é culpado até que se prove o contrário, soa estranho este modus operandi, que equivale a convidar a raposa para verificar o sumiço das galinhas no galinheiro.

Mas a Globo, interessada em proteger seus interesses no futebol brasileiro, e tendo em Ricardo Teixeira um fiel escudeiro e aliado, logo tratou de difundir amplamente um veredito de inocente, menosprezando ou ocultando outros fatores extra-campo, como as denúncias divulgadas pela BBC sobre fraudes e corrupção manifestas na organização.

Claro que também cumpre reconhecer que a BBC deva ter lá seus interesses - que ninguém é isento ou desprovido deles - mas não caberia ao jornalismo que se diz investigativo, isento, imparcial, e defensor das verdades, coligir dados e informações que permitissem ao telespectador, leitor e ouvinte formar seus próprios juízos? Ou estamos sendo inocentes em pensar assim, posto que há uma ética das conveniências, uma ética do possível (como já tentou lustrar certo ex-sociólogo incensado por esta mesma mídia) que parece reduzir tudo a um jogo do finge que informa que eu finjo que acredito?

A ver, nos próximos dias, como as congêneres mundiais, a começar pela citada BBC se comportarão diante do fato de que a FIFA é cada vez mais uma organização sob suspeita, um espaço cada vez mais opaco sobre o qual só se acumulam dúvidas e inquietações.

Afinal, trata-se de um pequeno grupo de senhores cuidando do pequeno montante anual de um orçamento de mais de três bilhões de dólares. Enquanto isso, os torcedores comuns, pobres mortais, só sonham em ver seus times vencerem no gramado, enquanto um pequeno bando de apaniguados se refastela na exploração de uma atividade que é tudo, menos somente um nobre esporte de origem bretã.



domingo, 29 de maio de 2011

Bom dia Espanha: Paco de Lucia





Paco de Lucia, executando uma composição de outro patrício, Joaquim Rodrigo, cego desde a infância. Música, músico e instrumento em perfeita sintonia. E viva España!


Bom dia Brasil: Laurindo Almeida




Laurindo Almeida e seu conjunto, arranjando uma composição de Alfredo Viana, o Pixinguinha. E emendando uma de sua autoria. Tome Brasil!


Bom dia África II - Manu Dibango







Mais Manu Dibango. Do excelente álbum Eletric Africa.





Bom dia África - Manu Dibango



Manu Dibango, mais um nome para guardar no panteão dos músicos interessantes que brotam no continente Mama Africa.
Avoé!!!

Bom dia Brasil: Laurindo Almeida



Comentário do Senhor C.:

- Música para apresentar mais um talento brasileiro que o Tio Sam nos roubou. Das ribeiras e ribanceiras do Vale ao sul de São Paulo, da pacata cidade de Miracatu, para a consagração na Brodway e nos prêmios da mídia estadunidense. Único brasileiro efetivamente contemplado com um Oscar de melhor canção original. Isso nos anos 50, quando a mídia tupiniquim e golpista ainda não dava as loas e longas entregas laudatórias que dá aos prêmios desta seara.   ver e apreciar. Numa belíssima elaboração para a consagrada Bachiana nª 5 de nosso Villa-Lobos.

sábado, 28 de maio de 2011

Fragmentos dos diários perdidos do Senhor C.

Notas sobre a vida


"O que é mais importante: permanecer ou mudar? É provável que permanecer na afirmação de alguns pensamentos básicos, procurando com isto mostrar-se coerente, eliminar as contradições, seja ou pareça coisa fácil. 
O difícil é a coragem de mudar, de adaptar-se às novas circunstâncias, mesmo que tenha de negar o que já foi afirmado com veemência.
O homem de luta, principalmente se sua luta é pelo homem, não pode escapar às contradições. 
A realidade é mutável e, muito mais ainda, a realidade que constitui as condições do humano, de sua realização plena e integral. 
Lutar significa, então, viver as oposições e abdicar, para sempre, de toda coerência. Afinal, o que hoje liberta, pode ser o que oprime amanhã. O que agora é justo, poderá ser o injusto. O que agora é forte, amanhã enfraquece; o que é hoje certeza se desfaz em dúvida. O sólido também se desmancha no ar!
Basta, portanto, de absolutização!"

Anotações sobre leituras de Albert Camus


Provavelmente anotado quando o Senhor C. contemplava embevecido o lento maturar da flor do algodoeiro, numa manhã de outono/inverno, a esperar a colheita dos capuchos. No tempo que a infância seguia célere o ritmo da vida e se transformava na agonia do adolescer.

Muito além de um poema - II


LEMBRANÇA


Não há mais bela para os meus olhos

Nem há mais suave para o meu tato,

Seu perfil dança na minha imaginação

como uma folha à inconstância do vento.


Seus olhos têm a agilidade dos raios solares

e uma alegria de pássaros em revoada...


Quando a lembro penso na lenda do Tuastri...

Foi numa noite azul cheia de encantos mágicos

que pousei os meus lábios nos seus lábios de seda...

...que sabor de amaranto em minha boca!

Que doçura de afagos na alameda.


Silvino Olavo -  Cisnes, Sombra Iluminada



Música: voz e violão!



Da série Grandes Encontros da Música brasileira: Elizeth Cardoso e Luiz Bonfá.

Homenagem ao samba: Zé Keti



Hoje vou ver o Cupinzeiro se apresentar numa roda de samba. E por isso, tome samba na veia!

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Mais música para dias sombrios e confusos! Lenine




Comentário do Senhor C.

- Gosto de ouvir este moço de voz agreste e singular. Seu canto tem a força dos que buscam cantar a vida, o cotidiano, os dilemas do existir e as paixões que habitam a alma humana. Que conforto nos trazem em dias sombrios ou confusos.

Comentário provavelmente escrito nos dias atuais, saindo da gravação do programa Sr. Brasil no teatro do Sesc Pompéia, em São Paulo.



Música para tempos sombrios e confusos: Caetano






Comentário do Senhor C.

- É, e haverá tempo sombrio em que a força das proibições e todo autoritarismo também andarão de braços dados com os seus opostos, e a força dos ventos democráticos não saberá distinguir o joio do trigo!


Comentário provavelmente escrito quando o Senhor C. voltou para casa depois de ter assistido a Marcha da Família com Deus contra o Comunismo, ou coisa semelhante, sei lá.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Música: A Banda mais bonita da cidade



Comentário do Senhor C.:
- Apresentando a banda mais bonita da cidade. Neste caso, é de uma genialidade atroz, feita com um toque de singeleza e simplicidade que só reforça a sensação de surpreendente simplicidade na letra, na música e no clip. Mas que toca no coração, aquele lugar que guarda o que não cabe na despensa, ou seja, AMOR.


terça-feira, 24 de maio de 2011

Internet, globalização e liberdade: mitos e ilusões!

Notas de opinião do Senhor C.:

- Para os que acreditam nesta balela de rede mundial como território livre e independente - algo como um país das maravilhas sem Alices, coelhos e rainhas - reproduzo matéria, tão excelente quanto preocupante, do blog Tijolaço que, por sua vez, faz eco a material publicado pelos nuestros hermanos argentinos!



O jornal argentino Pagina 12 publica hoje uma matéria para a qual peço a atenção dos navegantes mais versados do que eu em matéria de tráfego de internet.Diz que a América Latina representa 7,3% do tráfego mundial de Internet, apenas, embora cresça perto de 35% a cada ano. E praticamente toda a conexão com a rede mundial de computadores que se estabelece a partir dos países latinoamericanos passa por Miami e los Angeles, pela pequena capacidade das redes inter-regionais de que dispomos.Segundo o Mapa Global da Internet, publicado pelo Lacnic – Registro de Endereços da Internet para a América Latina e o Caribe – 83% do tráfego de internet da América Latina se distribui por conexões realizadas por aquelas duas cidades dos Estados Unidos.Portanto, a famosa “teia mundial”, fisicamente, está, no que tange a nós, toda “emendada” em território americano.O autor do artigo, Mariano Blejman, diz que “olhando o mapa, na América Latina o cabeamento de fibra ótica reproduz algo como uma nova linha ferroviária “imperial”. Com exceção do México, quase todas as conexões da América Latina para o mundo através do chamado “hub das Américas” em Miami .Outro caso que mistura política e conectividade, segundo Mariano, “é claramente visto em Cuba, que é uma ilha, não apenas na geografia, mas também no impacto do embargo dos EUA significa para os usuários de internet cubano”.“Apesar de ser cercada por cabos submarinos de fibra óptica e estar a poucos quilômetros do hub de Miami, Cuba só pode receber internet via satélite.
O resultado é que o governo paga quase dez vezes sua conexão e só podem ser acessados ??diretamente a partir dos centros de pesquisa, universidades e alguns hotéis internacionais, quase exclusivamente.Após vários anos de trabalho, mediante acordo com o governo de Hugo Chávez, os cubanos estão cruzando os dedos para finalmente obter um cabo de fibra ótica desde a Venezuela a Cuba.”



Para enfrentar o preconceito dos puristas e conservadores!



“Pronominais”


Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido

Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada

- Me dá um cigarro


 Oswald de Andrade



segunda-feira, 23 de maio de 2011

Apontamentos filosóficos - I


Nietzsche e Freud: críticos da cultura?!


 Sim, ambos os filósofos se inserem numa perspectiva de críticos da cultura, pelo menos, a da fração ocidental da raça humana. Cumpre, de imediato, definir de que cultura estamos falando, ou melhor, nossos dois filósofos estão crticando. Palavra polissêmica, cultura remete a pelo menos três sentidos e significados. A partir de uma ótica filológica, cultura tem raiz na noção de cultivo, de produzir da terra a partir de uma tarefa organizada – desmatar, arar a terra, semear e colher os resultados, seriam etapas desta organização. Cultura se oporia, deste modo, à noção de natureza, e seria exatamente sua antípoda, ainda mais se associarmos a natureza como algo que é obtido sem a intervenção do homem. Um segundo sentido de cultura está fortemente associado á idéia de civilização. Cultura e civilização são tomadas, neste caso, como sinônimas. Freud mesmo chega a declarar, na sua Ilusão que não está preocupado em distinguir entre uma e outra. De fato, sua crítica, nos parece, não está voltada para uma possível caracterização da cultura como civilização. Antes, ele se interroga sobre o futuro de uma ilusão, qual seja a das saídas vislumbradas pela idéia de religião diante do fato de que há um mal-estar acometendo aos homens em geral, precisamente pelo fato de estarem vivendo em comum num conjunto de regras e dispositivos que regulam esta convivência.


“Civilização”, neste caso, parece referir-se a um estado de coisas que para muita gente parece indispensável, e que, pelas conquistas atribuíveis à humanidade, faz vir à tona certo sentimento de orgulho. Basta pensarmos nas vitórias perante os constantes desafios da natureza, entre os quais escalaríamos, sem dúvida, a vitória contra os micróbios, a adaptação a ambientes físicos de ampla variabilidade como savanas, desertos e florestas que tornam o animal homem o único em condições de viver em grande diversidade de locais e condições. Ou ainda, a melhoria das condições de vida cotidiana com o sem número de invenções e artefatos que dotam de conforto e comodidade as tarefas do dia-a-dia; a melhoria da proteção contra doenças às nossas crianças; a melhoria das condições de enfrentamento de um grande número de situações hostis ou indesejáveis decerto faz brotar um sentimento de satisfação por fazermos parte desta cultura e do modus vivendi que ela propicia.

No entanto, cultura também pertence ao léxico de uma classe média á européia: boas maneiras, finésse, gosto refinado. Boas maneiras, no entanto, são muito mais do que mero refinamento pessoal. Afinal, se pode aprender refinamento e boas maneiras à mesa; mas ninguém é refinado sozinho, e, por isso, cultura também carrega o sentido de um comportamento social aceito e validado como normal, isto é, também é, precisamente, certo modo de ser de uma sociedade num certo tempo; cultura é o espírito geral de uma época, perceptível no fato de que não aceitamos a escravidão, reagimos contra as formas de violência, ou ainda o fato de adotarmos preceitos política e ecologicamente corretos tão em voga hoje em dia, por exemplo. Cultura é compartilhamento de valores, ideologia, preceitos morais e comportamentos aceitáveis.

Cultura é, enfim, uma referência ético-política, uma moral vigente. Parece-nos que ambos, Freud e Nietzsche, estão mais próximos, em suas críticas, deste último sentido atribuível à cultura, qual seja a do estado de coisas e de organização social em que vivemos, e que varia de época para época. É, pois, deste modo que localizamos a crítica de Freud em O Mal-estar da civilização, e a feita por Nietzsche na Genealogia da Moral.


Trata-se de críticos à moral vigente, ou seja, ao conjunto de regras de comportamento e de valores de uma época, constituindo, cada um à sua maneira, uma espécie de desmitologização do senso comum reinante. Não se trata de críticos do desenvolvimento científico de suas épocas, ou de pensadores que vêem com reservas aspectos do comportamento cotidiano à mesa e ao leito. Sendo essa a natureza da crítica que reúne nossos dois pensadores, também, em boa medida, é a que os diferencia.


Ao tema, voltaremos oportunamente!

domingo, 22 de maio de 2011

Muito além de um poema: Carlos Drummond

EU ETIQUETA

Em minha calça está grudado um nome 
Que não é meu de batismo ou de cartório 
Um nome... estranho. 
Meu blusão traz lembrete de bebida 
Que jamais pus na boca, nessa vida, 
Em minha camiseta, a marca de cigarro 
Que não fumo, até hoje não fumei. 
Minhas meias falam de produtos 
Que nunca experimentei 
Mas são comunicados a meus pés. 
Meu tênis é proclama colorido 
De alguma coisa não provada 
Por este provador de longa idade. 
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, 
Minha gravata e cinto e escova e pente, 
Meu copo, minha xícara, 
Minha toalha de banho e sabonete, 
Meu isso, meu aquilo. 
Desde a cabeça ao bico dos sapatos, 
São mensagens, 
Letras falantes, 
Gritos visuais, 
Ordens de uso, abuso, reincidências. 
Costume, hábito, permência, 
Indispensabilidade, 
E fazem de mim homem-anúncio itinerante, 
Escravo da matéria anunciada. 
Estou, estou na moda. 
É duro andar na moda, ainda que a moda 
Seja negar minha identidade, 
Trocá-la por mil, açambarcando 
Todas as marcas registradas, 
Todos os logotipos do mercado. 
Com que inocência demito-me de ser 
Eu que antes era e me sabia 
Tão diverso de outros, tão mim mesmo, 
Ser pensante sentinte e solitário 
Com outros seres diversos e conscientes 
De sua humana, invencível condição. 
Agora sou anúncio 
Ora vulgar ora bizarro. 
Em língua nacional ou em qualquer língua 
(Qualquer principalmente.) 
E nisto me comparo, tiro glória 
De minha anulação. 
Não sou - vê lá - anúncio contratado. 
Eu é que mimosamente pago 
Para anunciar, para vender 
Em bares festas praias pérgulas piscinas, 
E bem à vista exibo esta etiqueta 
Global no corpo que desiste 
De ser veste e sandália de uma essência 
Tão viva, independente, 
Que moda ou suborno algum a compromete. 
Onde terei jogado fora 
Meu gosto e capacidade de escolher, 
Minhas idiossincrasias tão pessoais, 
Tão minhas que no rosto se espelhavam 
E cada gesto, cada olhar 
Cada vinco da roupa 
Sou gravado de forma universal, 
Saio da estamparia, não de casa, 
Da vitrine me tiram, recolocam, 
Objeto pulsante mas objeto 
Que se oferece como signo dos outros 
Objetos estáticos, tarifados. 
Por me ostentar assim, tão orgulhoso 
De ser não eu, mas artigo industrial, 
Peço que meu nome retifiquem. 
Já não me convém o título de homem. 
Meu nome novo é Coisa. 
Eu sou a Coisa, coisamente.


Carlos Drummond de Andrade




sábado, 21 de maio de 2011

Exercícios de crítica de cinema - I



COLONIALISMO, CULTURALISMO E HUMANISMO NO CINEMA FRANCÊS

 À primeira vista, Entre os muros da Escola é mais uma produção cujo tema é a questão da educação ou das relações professor-aluno em sala de aula, numa linha que talvez pudesse conectar produções anglo-saxões como Adorável professor, Ao mestre com carinho, ou mesmo Sociedade dos poetas mortos e, numa outra ponta, o excelente filme chinês Nenhum a menos.

No entanto, Entre os muros é muito mais do que isso. Trata-se de uma realização do que vem sendo saudado como renovação do cinema francês que, desde a Novelle vague nos anos sessenta, vem a duras penas resistindo ao avassalador domínio da indústria cinematográfica estadunidense. No caso, são números impressionantes: nos últimos vinte anos, após experimentar um certo declínio na ocupação deste mercado, o cinema francês vem retomando, mesmo que lentamente, uma participação no mercado de cinema francês: em 2000, atingiu meros 28,5%, e em 2008 atinge 42,5% (bem próximos dos 50% que, historicamente, a indústria cinematográfica francesa ocupava frente a invasão dos blockbusters made in USA).

Esta retomada de mercado é fruto de uma renovação em que têm centralidade um conjunto de novos diretores - aliás uma tendência que já dura trina anos. E que traz a cena a produção de realizadores que têm idades próximas dos 40 anos; entre estes, se inclui o responsável pelo Entre os muros da escola, Laurent Cantet, citado junto aos nomes de Cédric Kahn, Xavier Beauvois e Bruno Dumont: quatro diretores surgidos nos últimos dez anos na Franca de que devemos nos lembrar no futuro (Marie, 2008). Como o descreve Marie (idem), Laurent nasceu em 1961, foi aluno do IDHEC (Instituto de Desenvolvimento e Estudos de Cinematografia), e realizou curtas-metragens e documentários para a televisão, como o sobre a Guerra Civil no Líbano em 1990. Desde então realizou três longas-metragens: Ressources humaines (1999), L’emplóy du temps (2001) e Vers Le sul (Em direção ao sul, 2006), além deste Entre os muros da escola.

A respeito da produção do cineasta, Rodrigo de Oliveira, num bate-papo com o diretor, disponível no sítio Cinética – cinema e crítica - considera que o diretor manifesta interesse pelas “grandes questões” como as do colonialismo e dos sistemas educacionais, ainda que seus filmes – especialmente os dois últimos citados – tenham marcadas e bem talhadas tramas íntimas e específicas. Segundo aquele comentarista, não se trata somente do colonialismo francês, mas de "todo e qualquer colonialismo"; não se trata do sistema educacional francês, mas de “qualquer sistema escolar que tenha eco neste que você apresenta”. Nas respostas ao bate-papo, o diretor apresenta vários argumentos e elucida diversos pontos que dizem respeito ao modo com que elaborou o filme, o roteiro e os personagens, à estética dos seus filmes e as lições que se podem tirar da história.

Passemos, pois, ao filme propriamente dito. Entre os muros da escola é um filme que se passa em uma escola pública francesa, situada nas cercanias de Paris, próximo do que chamaríamos aqui de periferia. Seus personagens centrais são o professor François e os alunos de sua sala, um total de 20 alunos: muito diferente em número, portanto, do que se convenciona ter nas salas de aula das séries médias das nossas escolas publicas, em que esse numero é o dobro ou até o triplo.

François é o que se poderia descrever como um típico professor de ensino médio, preocupado com o desenvolvimento dos seus alunos, mas também centrado no desempenho de suas funções como professor. Combina, portanto, ao mesmo tempo, posturas, a nosso ver, autoritárias e democráticas. No primeiro caso, se pode ver nas cenas em sala de aula, em que exerce um certo poder autocrático, ou invoca a condição de professor para lidar com situações de rebeldia ou recusa, e mesmo perguntas constrangedoras de seus alunos; no segundo, por ser mostrado como um dos poucos professores que enfrenta conversas abertas com seus alunos no pátio da escola e, ainda que constrangido, aceita as críticas que lhe são feitas, inclusive, agressivamente.

A respeito do personagem, Laurent comenta que ele é um professor imperfeito, um ser humano contraditório. E nisto, estaria sua grande força moral. O diretor também considera que, por meio do François, quis representar a democracia como um sistema contraditório, conflituoso, E nisto, concordamos inteiramente com ele. A democracia não é o sistema da ordem e progresso, fechado e uniforme, mas um sistema aberto ao conflito, a diversidade e multidimensionalidade de opiniões e atitudes.
Quanto aos alunos, constituem, especialmente alguns que se destacam no cenário, a outra ponta desta relação intensa e conflituosa. Destaque é dado ao personagem que acaba banido da escola, Souleymane, vivido e apresentado como um típico africano. Mas estão presentes, e são fortes, alunos oriundos de outras culturas – árabe islâmica e asiática, e que representam o atual estado de coisas na França atual, em que se vive um intenso processo de inclusão/exclusão dos habitantes de suas ex-colônias. Processo tenso, conflituoso, que se expressa nas reações xenofóbicas dos franceses típicos, nas dificuldades de integração econômica e social dos trabalhadores e seus familiares – e que já explodiu em intensos conflitos de verdadeira guerra urbana como os noticiados movimentos revoltosos de jovens das periferias parisienses incendiando veículos há poucos anos, numa reedição mais violenta das barricadas de Paris dos anos 60.

No caso do filme, o cenário em que podemos ver estes conflitos acontecendo, em uma dimensão cultural, mas também imersa de ranços coloniais, é o da escola em que se desenrola o drama de Souleyname e seus colegas. Por meio da trama relacional entre François e seus alunos, podemos vislumbrar ecos do próprio sistema educacional francês, movido por regras e preceitos em que se debatem as demais culturas, obrigadas a se incorporarem neles, e que se evidencia na rígida e burocrática rotina do conselho de escola, que toma decisões baseadas quase exclusivamente centradas nos interesses pedagógicos à francesa.

Neste sentido, bem podemos sentir a presença do que alude o diretor, quando afirma que sua intenção foi mostrar como uma escola - qualquer uma em qualquer lugar - está atravessada por forças que estão além dos seus muros, no caso, a cultura, étnica e racialmente falando, a política social, a questão econômica e, também, os valores familiares e individuais. Mas que, no caso específico, também serve para mostrar e expor à crítica como o sistema educacional francês pode estar lidando (no caso nem bem nem mal, mas conflituosamente) com as demandas de integração social de outras culturas que não a dos estritamente nascidos de pais franceses. É um filme que toca muito claramente, a partir desta faceta, nos problemas que precisam ser enfrentados por todos os que se debruçam sobre as conseqüências para a vida dos indivíduos que sofreram, e ainda sofrem, expropriações de qualquer ordem geradas pela ocupação dos seus espaços de vida.

Por fim, mas não por último, o filme pode ser incluído, assim nos parece, na galeria dos filmes com perspectiva humanista, e não falamos disso nem tanto pela cena final, em que professores e alunos jogam bola no pátio, mas pelo modo como apresenta e trata seus personagens. François e alunos são tratados pela lente da câmera com igual força e presença. As imagens editadas da cópia final não parecem levar o espectador a se inclinar por este ou aquele lado. Mesmo a decisão do conselho de escola com relação a Souleyname não nos é mostrada numa ótica tendenciosa. Apenas, transparece – e este apenas não quer dizer pouco - toda a tensão, conflito e sofrimento que atravessa o processo de tomada de decisão. Neste sentido, a cena final não é apresentada como se fosse um jogo de conciliação (a exemplo dos querem saudar a copa do mundo de futebol como uma grande festa de conciliação mundial). Aqui, a cena parece ser mais singela. Apenas diz: a vida humana segue seu curso! Passadas a dor e o luto, continuamos aqui juntos. Ou, segundo as palavras do próprio Laurent, “estamos todos no mesmo barco”.

Eis os rasgos de humanidade do filme. Não uma humanidade romântica e glamourosa, típicamente hollywoodiana, que clama sempre uma solução feliz no final. Mas uma humanidade no sentido preciso da atitude que reconhece as imperfeições, finitudes e complexidades do ser humano e, portanto, das relações deles consigo mesmos, e com as instituições que os medeiam. Por estas razões, pelo modo realista como traça as relações pessoais e institucionais, pelos traços eqüânimes com que apresenta seus personagens, e pela condução da trama, é um filme que merece ser visto. E que coloca seu diretor como alguém em que devamos reparar nos anos vindouros.


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

BAPTISTA M. & MASCARELLO F. (ORG.). Cinema Mundial Contemporâneo. Campinas: Papirus, 2009 [Coleção Campo Imagético]

MARIE, M. Os últimos vinte anos do cinema francês (1986-2006). IN: BAPTISTA M. & MASCARELLO F. (ORG.). Cinema Mundial Contemporâneo. Campinas: Papirus, 2009 [Coleção Campo Imagético], p. 57-70.

OLIVEIRA, R. A questão humana: bate-papo com Laurent Cantet. Disponível em http://www.revistacinetica.com.br/entcantet.htm. Acesso em jun, 26, 2010.

Filme Entre os muros da escola. Versão em DVD. Alugado junto a locadora Vídeo21. São Carlos/SP.


São Carlos, outono/inverno de 2011.





sexta-feira, 20 de maio de 2011

Tom Zé cria show ‘Outono em João Pessoa’



Fonte: janacomunicacao

Muita música e uma performance inconfundível é o que o público da Capital pode esperar do show ‘Outono em João Pessoa’, do artista baiano Tom Zé, que acontece nesta sexta-feira (20), a partir das 20h30, no Ponto Cem Réis.

O evento faz parte da programação da I Semana Estadual da Luta Antimanicomial. O espetáculo e repertório foram criadas especialmente por Tom Zé para esta apresentação promovida pela Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP), por intermédio da sua Fundação Cultural (Funjope).

Antes de Tom Zé subir no palco, o público poderá conferir as apresentações musicais dos usuários do Centro de Acompanhamento Psico Sociais (Caps) Gutemberg Botelho e Caminhar, ambos de João Pessoa e dos Caps Primavera e Porto Cidadania, da cidade de Cabedelo. Em seguida, acontece o show da banda paraibana Evoé.

Como o próprio Tom Zé narrou em texto enviado exclusivamente para este show “o outono, nos outros lugares, é meio sombrio, mas no Nordeste e na Paraíba é plena alegria. Então eu vou pegar pesado nesse show”, empolga o artista.

No show, Tom Zé vai apresentar seu mais novo projeto. “E já que estou solto e posso participar da Luta Antimanicomial, vou subir no palco com toda a emoção para fazer um misto quente do set box ‘Estudos de Tom Zé: Tô Te Explicando Pra te Confundir’.

“Este trabalho foi lançado um pouquinho adiante aí de vocês, um pouquinho mais pra cima, naquele país não tão alfabetizado chamado Estados Unidos – com grande sucesso, o que significa que eles estão querendo se paraibanizar”, declarou. No palco também haverá um misto quente do set box misturado com ‘O Pirulito da Ciência’.

“O que é muito adequado para todo o Estado da Paraíba, já que Miguel Nicollélis, passando aí por perto, disse que esse nosso povo é muito inteligente”. Ao final do texto, Tom Zé completa. “Quem não comparecer vai ser multado”, intima o público.

Repertório
Tom Zé garante a alegria e descontração do show, com composições como ‘Menina de Jesus’, ‘Feira de Santana’, ‘Tô’, ‘2001’ e ‘Abacaxi de Irará’. A banda é formada pelo paraibano Jarbas Mariz (viola e violão); Laulo Léllis (bateria), Cristina Carneiro (teclado); Felipe Alves (baixo) e Renato Léllis.

Evoé
A banda formada pelos músicos Fe Moreno (voz), Naná Rizzini (bateria), Celo Ferrara (guitarra), Portella (baixo e voz) e Bottura (guitarra, piano e teclados) surgiu na cena musical pessoense no inicio de 2006, com o objetivo de misturar em sua música, o rock com o groove de uma forma livre, colocando o estilo e personalidade de cada integrante nas músicas, almejando como resultado uma originalidade e atitude que diferem de outras bandas que estão no mercado cover.


Fragmentos dos diários perdidos do Senhor C.



E agora, estava ali, sozinho, sem ânimo, triste, feito a própria interrrogação em pessoa. Olhava tudo, andava para lá e acolá. Até tentara arrumar um pouco as coisas que largara ao longo dos dias e noites, mas constatou que não passou de esforço em vão. Inábil tentativa de ocupar o vazio. Ocupe a sua mente, se animava. Não deixe nenhum espaço-tempo vazio, para não se entregar ao ócio destrutivo. Não adiantava. Algum mecanismo dentro de si encontrava-se rompido. Alguma coisa dentro de si ruía em silenciosa desconexão. E era essa a sensação que mais julgava superada. Nunca mais a havia encontrado.

Em meio ao torvelinho dos pensamentos que o assaltavam - misto de saudade, recusa, teimosia e doce resignação - perseguia-lhe também a dificuldade de encontrar-se assaltado por uma emoção que julgava mais própria de outras idades que não a sua; que julgava perdida e desencontrada no tempo, portanto. Mas era exatamente, ela, sua velha conhecida que se alojara feito dona do seu coração. E como velha conhecida, parecia conhecer cada cantinho em seus mínimos e máximos detalhes. Difícil afastar habitante tão indesejado!





Provavelmente escrito quando o senhor C. peregrinava nas ruas da Vecchia Signora, indeciso entre degustar una bella massa ou comprar a passagem de volta.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Cartas encontradas (1)

da Correspondência pessoal do Senhor C.

"Caro Senhor C.

Gostaria de fazer um balanço ao final de cada ano passado de nossa vida. Um ano é sempre um tempo positivo, no sentido de um período que se soma ao tempo decorrido. Um ano pode ser, também, um tempo de descobertas, um período de construções, tanto quanto podemos conta-lo como vida consumida, energia gasta que não volta nunca mais.


Descobri que junto com este ato de balanço, na verdade uma reflexão necessária, um hiato no movimento sem fim da coisa que se vai, se definha, se consome, é possível se perceber o quanto podemos gostar de nós mesmos, na exata medida em que isso pode ser medido pelo quanto os outros gostam da gente mesmo, e também quantos novos gostadores passaram a fazer parte deste rol. Antes de mais nada, é o que importa mesmo a cada ano que passa: aumentar a lista dos nossos gostantes, seduzir novos amigos e introduzir novos personagens na nossa vida, no nosso script, no nosso desempenho nos palcos. Uma atitude que pode até ser compreendida com olhos nefastos, e ao fim devassos, mas que pede um olhar de natural disposição para o tempo e seu transcurso. Assim, se aliamos simplicidade e autenticidade nos nosos atos, esta positividade certamente detém o fluxo incessante do tempo que se vai e arrasta nossa juventude transformando-a em velhice, a que alguns insistem em dar o nome de maturidade.


Este tipo de pensamento é o que adorna minha atitude de viver a vida. Simplicidade, autenticidade, jovialidade são as atitudes com que me coloco frente à vida, frente ao tempo. Com elas sou feliz, sou forte. Enquanto tal, não aceito a vida com a resignação dos conformados, dos fracos, dos indecisos; aqueles a quem é dado viver como se conduzidos por fios invisíveis de um condutor oculto acima do palco. Antes a enfrento como se cada dia fosse sempre o primeiro e o último de uma vida plena de existência, resistência e persistência."



Fragmentos dos diários perdidos do Senhor C.

E de repente, viu seu duplo mundo ruir como um castelo de cartas. Agora, sozinho na noite deserta e fria, reflete sobre o que fazer mas só encontra um silêncio em resposta às questões que explodem de seu peito em direção a cabeça. E agora, se pergunta. Como rapidamente e sem dor preencher o vazio que lhe deixou a decisão comunicada. Foi dela a iniciativa. Mas, a despeito de concordar com os motivos que a levaram a romper um relacionamento como aquele - justo aquele que mais o convidava a ser o seu mais íntimo, o mais ardente, o mais impulsivo, o mais desavisado, o maus apaixonante; justamente este era agora tratado como problema a ser resolvido, ou melhor, medicado. E era justamente aí que lhe apareciam os maiores nós da resistência. Uma relação com aquela, um amor como o seu não podia ser considerado uma espécie de droga ou vício, para a qual se propunha uma ação medicalizadora, do tipo prevenção contra danos maiores e futuros.

Provavelmente escrito na curta permanência do autor nos cantões suíços, enquanto durava a paz perpétua do Senhor Kant.



quarta-feira, 18 de maio de 2011

Arrochos sociais e destino de camareiras: o trágico e o oculto nas peripécias do Senhor Kahn




O obscuro episódio protagonizado pelo diretor-geral do FMI, Dominique Strauss-Khan, ilustra não apenas uma possível derrocada pessoal mas a do socialismo francês e, de certa forma, de boa parte da esquerda mundial diante da crise econômica. Strauss-Khan exerce(ia) o comando da inspetoria financeira do capitalismo. O Fundo Monetário apesar das boas intenções de Keynes em Bretton Woods --e as do próprio Khan, segundo alguns economistas-- é o órgão encarregado, em última instância, de preservar os interesses dos credores ricos contra Estados e nações pobres. Notabilizou-se pela imposição de ajustes de austeridade devastadora, como ocorre agora no caso das condicionalidades impostas à Grécia e Portugal para liberação de ajuda. 

Cálculos do economista Pierre Salama sugerem que na crise da dívida externa, nos anos 80, o FMI impôs aos países pobres e em desenvolvimento um programa de arrocho econômico que resultou em transferências de recursos, na forma de pagamento de juros, de gravidade e volume superiores às compensações de guerra extraídas da Alemanha pelo Tratado de Versalhes, após a derrotada germânica no primeiro conflito mundial. Esse escalpo promovido pelas potencias vitoriosas, que levaria Keynes a renunciar à representação da Inglaterra na mesma de negociações, estaria na origem do nazismo e da Segunda Guerra. 

O trágico não é que o dirigente desse instrumento típico da espoliação exercida pelas finanças seja um suposto sedutor de camareiras em hotéis de US$ 3 mil a diária. Mas, sim, que Strauss Khan represente o máximo que o socialismo francês tem a propor para enfrentar o direitista Sarkozy, no escrutínio de 2012. Em outras palavras, a esquerda não tem nada de novo a dizer aos trabalhadores e à classe média hoje na Europa. Apenas a extrema direita tem um programa a oferecer à sociedade para acudir a sua angústia diante da crise. E ele é mais completo que o do FMI de Strauss-Khan. 

Ao arrocho sobre as políticas públicas ele acrescenta o ódio contra os estrangeiros, uma xenofobia higienista que, no limite, como já ocorre na Itália, sanciona a restauração de campos de concentração para impedir imigrantes miseráveis de disputar os minguados direitos e empregos que o torniquete ortodoxo subtrai aos próprios europeus. Entre eles vagas para camareiras em hoteis de luxo, equivalentes ao que emoldurou o suposto assédio de Khan nos EUA.


Editorial de Carta Maior; 4º feira, 18/05/ 2011

domingo, 15 de maio de 2011

Fragmentos dos diários perdidos do Senhor C.



Desesperadamente durante os últimos meses dividira-se entre o desejo e a obrigação. Submetera-se a ambos num jogo quase sórdido de tão determinado. Passava os dias dividindo a semana em duas metades desiguais. Na primeira ansiava pelo raiar do sol de toda segunda-feira; ocasião em que partia rumo ao desejo mais ardente. Na segunda, madrugava aos sábados para uma curta temporada que incluía o domingo; dias em meio aos quais cumpria as obrigações com firmeza e impaciência.







Provavelmente escrito no dia de sua partida da Estação de Tratamento da Montanha Mágica, quando o senhor J. Pollock já havia partido, e a própria estação já dava ares de seu iminente fechamento.