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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Para os partisans da integralidade! John Steinbeck

Uma bela descrição do homem é o que arremata o capítulo 11 do livro de John Steinbeck que ora comentamos. O Senhor C, ficou extasiado quando leu este livro, cinquenta anos antes, em uma de suas incursões á Patagonia para meditar. São dele, as seguintes palavras sobre o texto, provavelmente escritas enquanto acontecia a aurora boreal no horizonte:

- Raras ocasiões em que um autor consegue ser tão profundo, mantendo a simplicidade de escrita. Eis um texto visceral, no melhor dos sentidos do termo. Aqui, o homem é visto em sua totalidade, descrito em sua amplitude de constituição; nenhum de seus âmbitos foi esquecido ou teve apontadas sua supremacia em detrimento de outrem. Torço para que as gerações futuras, decerto para quem a preocupação com o verdadeiramente humano aparecerá como um problema concreto e cotidiano, possam se beneficiar do encontro com este texto.Assumindo a relação telúrica e, ao mesmo tempo, transcendente, do homem com a terra, isto é, do indivíduo e seu contexto, Steinbeck nos leva a refletir sobre o que leva o homem a se isolar de sua dimensão genérica, na brutalização de seus meios e na instrumentalização de seus fins, em que ele mesmo sofre a expropriação e se torna um autômato a vagar dia após dia em busca de descanso.

Passemos, pois, ao homem como o descreve John Steinbeck, as páginas 143 do citado romance.


"O homem não é apenas carvão, nem sal, nem água, nem cálcio. Ele é tudo isso e também é muito mais do que o simples resultado de sua análise. O homem, que é mais que a sua composição química, caminhando na terra, desviando o arado de uma pedra, abaixando a rabiça de seu arado para poupar um rebento, calcando os joelhos na terra para comer uma singela refeição - esse homem, que é mais que os elementos que o compõem, sabe também que a terra é muito mais do que o simples resultado de sua análise química. Mas o homem da máquina, fazendo rodar um trator morto pelas terras que ele não ama nem conhece, entende somente de química, desdenha a terra e desdenha a si próprio. Quando as portas da chapa ondulada são fechadas, ele vai para casa, e sua casa não tem nada a ver com a terra"



sábado, 12 de fevereiro de 2011

Continuando a leitura de AS VINHAS DA IRA de John Steinbeck

"O calor abandona-o como o abandona o cadáver. e então as chapas onduladas são fechadas e o motorista do trator vai para a cidade de onde veio, talvez a uma distância de 30 quilômetros, e não precisa regressar por semanas ou meses, pois que o trator está morto. E isso assim é simples e cômodo. Tão simples que a satisfação que o trabalho proporciona desaparece; tão eficiente que o deslumbramento também desaparece dos campos, e com ele também some a profunda compreensão e ligação do homem com terra, bem como sua ligação a ela. E no motorista do trator cresce, vai aumentando o desprezo, que só domina um estranho que não tem amor, que não sente ligação à terra."

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Literatura e realidade social: John Steinbeck

Dos escritos e anotações de leitura do Senhor C.:

Diversos outros antes de mim já estabeleceram as relações entre literatura e realidade social e de como a primeira é um poderoso instrumento de crítica e consciência para a segunda. Talvez um dos momentos da literatura mundial mais marcante seja a obra de Balzac, por exemplo, descrevendo em requintes de crueldade os limites morais e o universo cultural restrito que os burgueses da França da época apresentavam como seus, e que, grosso modo, continuam atuais. Há vários outros autores e a lista deles é de uma consistência salutar. Abaixo, incluímos a menção a mais um deles, cuja obra mereceu o prêmio Nobel, mas que apesar dos prêmios a que fez jus (uma questão sempre delicada reúne premiações e méritos, de que a questão do cinema e o Oscar é um exemplo candente. Mas por ora, deixemos para uma posterior manifestação a respeito), se revela na leitura com que nos brinda. Neste trecho que destacamos, seu autor, John Steinbeck, revela toda a sensibilidade na forma com que descreve a transformação revolucionária e a mudança profunda que o avanço do capitalismo opera na estrutura social, em particular, na paisagem rural. Suas imagens são muito fortes, e a analogia entre o cavalo e o trator, bem se aproxima de conceitos como o 'trabalho vivo' e o 'trabalho morto' que um outro pensador, no caso o alemão Karl Marx, brindara a humanidade décadas antes, mas que à época da lavratura do romance "As vinhas da Ira" ainda quedavam quase incógnitas. Por ora deixemos de prosopopéia. O trecho escolhido fala por si mesmo. Pode ser encontrado na página 142 da edição BestBolso em 2010. Vamos à ele!


"As casas nos campos foram abandonadas, e os campos, conseqüentemente, também foram abandonados. Somente na garagem dos tratores, cujas chapas onduladas brilhavam qual prata polida, havia vida; e essa vida era alimentada com metal, gasolina e óleo, e os discos dos arados brilhavam ao sol. Os tratores tinham luzes brilhantes, pois que para um trator não existe noite ou dia, e os seus discos de arar revolvem a terra na escuridão e luziam à claridade do dia. E quando um cavalo deixa de trabalhar e se recolhe à cocheira, ainda há vida nele. Há respiração e calor, e suas patas pisam a palha caída, suas mandíbulas trituram o feno e as orelhas e os olhos continuam a se mover. Um calor vital reina na cocheira, o calor e o cheiro de vida. Mas quando para o motor de um trator, tudo para e tudo se torna morto feito o metal de que o trator é feito."